Uma verdadeira batalha política e judicial tem se travado no Estado do Rio de Janeiro. A Governadora, prefeitos, vereadores, empresas de engenharia, catadores de lixo e ambientalistas são os principais personagens dessa verdadeira novela que já dura cerca de dois anos e que tem como palco principal o pouco conhecido bairro de Paciência, na Zona Oeste do Rio. A trama principal gira em torno da construção de um Centro de Tratamento de Resíduos Sólidos que substituirá — com enormes vantagens — o aterro sanitário de Gramacho. O problema é que nem todo mundo enxerga a coisa com esses olhos.
Gramacho começou a receber o lixo carioca em 1976 e hoje tem que suportar quase 10 mil toneladas de despejos, diariamente, vindas de diferentes municípios do Rio. Implantado em Duque de Caxias, às margens da Baía de Guanabara, o aterro obedece a normas sanitárias e ambientais que, há muito, estão ultrapassadas, e se encontra em um estágio já perigoso de saturação. Caso o terreno sobre o qual ele foi construído venha a ceder sob o peso excessivo — esse é, justamente, o maior medo dos ambientalistas — poderá causar uma verdadeira catástrofe ambiental nas águas da Baía de Guanabara.
O novo Centro de Tratamento representará, portanto, um grande salto qualitativo na forma como o Rio de Janeiro trata seu lixo. Sua construção obedecerá a normas estritas e modernas, equivalentes às aplicadas em países de primeiro mundo. O lixo não ficará exposto. Logo, não atrairá urubus e não exalará mau cheiro. Quando o Centro de Tratamento atingir o fim de sua capacidade de utilização, será transformado em um parque, inteiramente reflorestado. As vantagens, portanto, parecem quase infinitas. Por que, então, tem sido tão difícil levar adiante sua construção?
Primeiramente, há duas demandas judiciais que, prendendo-se a falhas no ritual de licitação e na habilitação da empresa vencedora do certame, buscam a anulação de todo o processo licitatório. A Construtora Marquise, que perdeu a licitação, alega que a Julio Simões, empreiteira que ganhou a concessão, não teria cumprido um dos requisitos do edital, que seria a demonstração de propriedade sobre o terreno onde a obra será realizada. Além disso, o terreno indicado para a construção por ambas as empresas que participaram da licitação é cortado por uma linha férrea da RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.), supostamente desativada, o que vem piorando a liberação das obras.
Como se não bastasse, há ainda diversos interesses conflitantes a respeito do local onde deveria ser instalado o novo Centro de Tratamento. Os catadores de lixo de Gramacho, por exemplo, alegam que ficarão sem trabalho e que, por isso, merecem ser indenizados. Políticos da Zona Oeste também se opõem. Não querendo ter seus mandatos associados à instalação do que tem sido maliciosamente chamado de “lixão”, alegam que se trata de uma arbitrariedade preconceituosa a colocação do Centro de Tratamento na Zona Oeste e sugerem a sua construção na Zona Sul.
“Isso, no entanto, inviabilizaria o projeto. Um terreno com as dimensões necessárias custaria uma verdadeira fortuna na Zona Sul”, alerta a Vereadora e Presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Municipal, Aspásia Camargo que, inclusive, no último dia 5 de agosto, promoveu um seminário técnico na Câmara Municipal do Rio para discutir o assunto. “Nesse encontro pudemos constatar a adequação do local escolhido. Estavam presentes representantes da FEEMA, da SERLA e de uma dezena de associações de moradores de Paciência. Ninguém se opôs à localização escolhida. Muito pelo contrário. Os moradores de Paciência, um bairro de baixa densidade populacional, marcado pela estagnação econômica e pelo desemprego, vêem no Centro de Tratamento exatamente uma nova fonte de trabalho e de desenvolvimento para a região”, afirma. Mas nunca será possível agradar a todos.
O problema, segundo Aspásia, é que a Prefeitura do Rio não tem dado a devida importância à educação ambiental e à informação da população sobre as características do novo Centro de Tratamento. “Se as pessoas soubessem como a coisa é hoje e como será após a nova obra, o projeto ganharia muito apoio. Até porque significaria tirar o Rio de Janeiro da situação de atraso em que se encontra com relação ao tratamento de resíduos sólidos. O Rio não tem qualquer projeto sério com o objetivo de reduzir a sua produção de lixo”, diz ela.
Mas nem tudo são flores quando se tem um centro de tratamento de lixo na vizinhança. O tráfego de caminhões aumentará significativamente, juntamente com a poluição sonora e do ar que eles produzem, entre outras coisas. É precisamente por isso que a Comissão de Meio Ambiente da Câmara Municipal do Rio está preparando uma proposta de criação de um Fundo de Desenvolvimento Sustentável para a Zona Oeste, que terá como objetivo mitigar o desconforto causado pelo Centro de Tratamento à população local. Esse fundo seria criado com a destinação de 10% da Taxa de Coleta de Lixo paga em todo o Rio para a Zona Oeste, o que representaria uma receita de cerca de R$ 16 milhões por ano, aproximadamente, para a região. É a aplicação, na prática, do princípio constitucional de direito ambiental do Poluidor Pagador, que diz que aquele que causar danos ambientais por sua atividade econômica deverá pagar uma indenização proporcional à degradação promovida.
A situação é muito complicada, mas pode ter um lado bom. Segundo Aspásia, pela primeira vez a questão está atraindo a atenção da sociedade e sendo discutida a sério. Daqui por diante, aconteça o que acontecer com a licitação das obras, o importante é que o Rio de Janeiro tire algum proveito disso e aprenda a lidar melhor com o seu lixo. O que não pode continuar, como alerta a Vereadora, é a “marcha da insensatez” que, a cada dia que passa, nos aproxima mais de uma catástrofe ambiental.
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