À medida que a Terra esquenta, a região da Amazônia que mais tem chances de sobreviver como uma floresta tropical é a bacia do Rio Negro. A hipótese foi defendida pelo climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), durante o encontro Rio Negro, Visões sobre o Rio Babel, realizado em Manaus entre os dias 21 e 25 de maio.
Nobre coordenou uma pesquisa do Inpe que utilizou 15 cenários diferentes para avaliar os efeitos do aumento da temperatura global neste século sobre a Amazônia e, em especial, na área banhada pelo Negro e afluentes. “A Bacia do Rio Negro é um lugar onde mesmo com as mudanças climáticas, uma boa expressão da biodiversidade deve permanecer”, contou o cientista. As projeções trabalharam com duas possibilidade: a otimista, com 2º Celsius de aumento na temperatura média na Amazônia, e a pessimista, com aumento de 5º. O resultado é que até 2100 entre 18 e 48 % da floresta podem se converter em uma savana empobrecida – diferente do Cerrado, a savana mais rica do mundo. “Seria um novo tipo de vegetação, mais adaptada à seca e ao fogo, tipo juquira (vegetação que cresce após as queimadas)”, descreveu Nobre.
Em todos os modelos, a mancha de floresta sobre a bacia do Rio Negro continua a existir, variando em extensão. “A Bacia do Rio Negro é muito resistente, mesmo com aumento de 5º Celsius, ela continua a abrigar floresta”, diz. O crédito por esta resistência se deve à proximidade dos Andes e à Zona de Convergência Intertropical, que interferem no sistema de chuvas da região, uma das mais úmidas da Amazônia. Nas cabeceiras do Rio Negro chove muito, com um intervalo de três meses de estiagem. Para a floresta tropical, revela Nobre, muita chuva é um seguro preventivo contra impactos das mudanças climáticas.
O cientista citou também um estudo feito com base nas projeções do Centro de Hadley, da Inglaterra, sobre o que aconteceria com 69 espécies de árvores em um mundo mais quente. “Eles concluíram que de 90 a 100 % da biodiversidade da bacia do Rio Negro estariam preservados até o final do século”, contou Nobre. O modelo climático do Centro Hadley é o que aponta o pior cenário para a Amazônia, com temperaturas até 6º Celsius mais altas e redução de chuvas até 2100. Mas é considerado, pelo ecólogo do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Phillip Fearnside, o mais adequado para a região.
De qualquer forma, a previsão otimista não vale para toda a bacia. As campinaranas existentes no Alto Rio Negro são mais vulneráveis do que a floresta, já que estão sobre solos capazes de reter pouca água. Com mais calor, os cerrados de Roraima devem sofrer mais incêndios. Essa região das savanas amazônicas, por onde passa um dos mais importantes afluentes do rio Negro, o rio Branco, está inserida em uma grande faixa que deve sofrer efeitos significativos do aquecimento global. A área se estende da Gran Sabana Venezuelana até o estado do Tocantins, no Brasil.
A Bacia do Rio Negro ocupa 71,4 milhões de hectares (81% no território brasileiro), em quatro países: Brasil, Colômbia, Venezuela e República da Guiana. Cerca de 30% desta área estão protegidos por Unidades de Conservação e, no caso do Brasil, também por Terras Indígenas. “Ao contrário do que aconteceu até aqui com o movimento ambientalista, que sempre corre atrás do prejuízo, a bacia do Rio Negro é uma oportunidade de antecipação”, afirma o antropólogo Beto Ricardo, do Instituto Socioambiental. E como fez questão de ressaltar Carlos Nobre no encontro, dizer que a bacia terá menos riscos não significa que ela terá risco zero de sofrer impactos em tempos de mudanças climáticas.
* É jornalista em Manaus.
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