Reportagens

É duro ser turista

Programa de incentivo ao ecoturismo na Amazônia não sai do papel. Para ver as cachoeiras de Aripuanã, por exemplo, é preciso abdicar de tempo, dinheiro, informação e segurança.

Andreia Fanzeres ·
30 de maio de 2007 · 18 anos atrás

Aripuanã é um daqueles lugares distantes, quase esquecidos, mas que pelo menos uma vez na vida todos devem conhecer. Uma cidadezinha de 25 mil habitantes na Amazônia mato-grossense, no extremo noroeste do estado, a 960 quilômetros de Cuiabá. Ela existe desde 1943, mas até hoje o asfalto ainda não chegou em nenhuma estrada que leve até lá, nem em 90% das ruas da área urbana. Mesmo assim, vale a pena cruzar tantas regiões alteradas por exploração madeireira, queimadas e pastagens para pousar em Aripuanã e deixar-se impressionar pela dimensão e beleza das cachoeiras das Andorinhas e de Dardanelos (foto) – atributos naturais que colocaram o município na rota do ecoturismo amazônico.

Pelo menos é o que quer o Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia Legal (Proecotur), que prevê o funcionamento de 15 pólos de desenvolvimento turístico na Amazônia, envolvendo dezenas de outras cidades. No entanto, tudo que se fez em oito anos de existência foi planejamento. Na prática, visitar um rincão amazônico minimamente preservado no estado é tarefa de quem não está preocupado em desfrutar de bons serviços de restaurantes, hotelaria, acesso, ou informações básicas sobre a região. A cidade não tem site oficial atualizado e não consta nem no Guia Quatro Rodas.

Acesso difícil

É possível chegar lá de avião, a partir de Cuiabá. A companhia Air Cruiser oferece vôo de 3horas e meia de duração, com duas escalas, até atingir a pista não pavimentada do aeroporto de Aripuanã, a um preço salgado de 545 reais – só a ida. De ônibus (na época seca e sem atoleiros), os 750 quilômetros até Juína são percorridos em veículos da empresa TUT em cerca de 13 horas, sendo que os 160 quilômetros finais são em terra batida. Até aí, você já gastou 105 reais. Depois, troca-se de ônibus, paga-se mais 40 reais e enfrenta-se outros 210 quilômetros – trajeto feito em nada menos que oito horas em veículos para lá de desconfortáveis.


O trecho Juína-Aripuanã de carro é bem mais divertido, mas não menos cansativo. Dá para observar melhor a região e notar que as castanheiras imperam no caminho. Quando a estrada atravessa trechos de mata alta, o aparecimento de cotias na via indica que algumas dessas árvores ainda encontram condições de sobreviver. Outras, porém, exibem-se retorcidas e queimadas no meio da pastagem e dos bois que tomaram seu lugar. Apesar de não serem maioria, esses trechos de floresta que escondem um terreno acidentado, de muitas pequenas serras, são como um lembrete de como aquilo tudo deve ter sido antes da paisagem dominante ter se transformado. Basta estacionar o carro na beira da estrada e se deixar ensurdecer pelos incontáveis cantos de pássaros e ruídos de animais na mata. O percurso pode ser feito, sem incidentes, em seis horas. Mas não há placas nos entroncamentos indicando o caminho certo.

Atrativos

O turista que chega a Aripuanã conduzido pelo barro vermelho da estrada é recebido pelas serrarias, que ficam logo na porta da cidade. Existem oito hotéis no município. Pouco, mesmo para uma cidade que raramente recebe gente de fora. “Nosso público é de parentes de pessoas que já vivem aqui, funcionários de empresas que estejam fazendo algum serviço na região, ou turismo escolar, quando as cidades próximas alugam ônibus e trazem crianças na época de seca do rio, entre julho e dezembro”, descreve Jane Paulino, migrante catarinense que hoje é proprietária do Balneário Oásis. O estabelecimento fica à beira do rio Aripuanã, num trecho anterior às grandes cachoeiras, onde é possível se banhar em corredeiras e piscinas naturais. Jane oferece refeições para quem freqüenta o local, que, junto do Balneário Primavera, localizado após os famosos saltos, são as áreas de lazer da cidade.

Perto dali existe um mirante de onde se tem visão privilegiada da cachoeira das Andorinhas, o primeiro grande desnível do rio Aripuanã, que mesmo nesta época de início de vazante ainda exibe um volume impressionante. Basta alguns segundos de contemplação para o visitante ficar encharcado dos pés à cabeça, só com os respingos do salto que chegam a formar nuvens.

Mas para se molhar ainda mais rapidamente – sem entrar na água – é imperdível conhecer o salto Dardanelos. Como também não existe por ali qualquer infra-estrutura, o acesso tem que ser por dentro de uma ilha fluvial onde estão instaladas as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) Faxinal I e II. As usinas têm potencial de 10MW, mas utilizam apenas 20% de sua capacidade para abastecer os municípios de Aripuanã, Colniza e Cotriguaçu. Aliás, será bem ao lado dessas duas usinas que está prevista a construção da hidrelétrica de Dardanelos (261MW), de responsabilidade da Neoenergia, Eletronorte e da Chesf, a ser iniciada já em julho.

Basta se identificar na portaria das usinas e caminhar (acompanhado ou não por um funcionário) por trilhas curtas. Uma delas leva a um outro mirante da cachoeira das Andorinhas, desta vez na margem oposta do rio. Mas o mais emocionante é ver Dardanelos e suas diversas quedas. A força da água e do vento são tão grandes que é como levar um banho, só que na horizontal.




Falta tudo

No importa o quão próximo o turista esteja da corredeiras, em lugar nenhum há salva-vidas para garantir segurança à visitação. Segundo o secretário de turismo, Nelson Tacada, embora esteja em andamento um curso de formação de guias, não há ninguém qualificado ainda no município para dar apoio aos freqüentadores. Por sinal, não existe consenso sobre quantos são. Em um sábado de sol do mês de maio, havia meia dúzia de adolescentes na água no Balneário Oásias e algumas poucas crianças brincando numa piscina artificial montada às margens do rio, no Balneário Primavera. “Nossos hotéis não são cadastrados na Embratur, não temos gente qualificada para medir a visitação”, admite Tacada, que administra os 300 mil reais anuais destinados ao turismo na cidade, dos quais 200 mil reais são gastos com folha de pagamento.

Os projetos de melhoria de infra-estrutura de turismo, como instalação de placas e até de um centro de visitantes no mirante das Andorinhas (foto) ainda são um sonho remoto. E só o planejamento custa 50 mil reais. “Num município que precisa de tudo, como o nosso, em vez de investir no planejamento de uma coisa que não tem garantia de dar certo, os vereadores preferem usar o dinheiro para comprar cestas básicas”, argumenta o secretário.



Chance desperdiçada

O diferencial de Aripuanã em relação às demais cidades da região é a sorte de ter, encravados em seus limites, grandes atributos ecológicos e paisagísticos ainda não alterados por ciclos econômicos predatórios, como de mineração, pecuária e exploração madeireira – todas atividades muito presentes ao redor da cidade. E, conforme o tempo passa, fica mais difícil acreditar que o turismo possa efetivamente tornar o município livre da economia exploratória antes que acabem com Andorinhas, Dardanelos e as inúmeras riquezas ainda não descobertas e estudadas na região.

Enquanto o Proecotur não vira uma realidade, os moradores de Aripuanã apegam-se a grandes empreendimentos prestes a se instalarem na cidade, como a usina hidrelétrica de Dardanelos, na esperança de verem mais investimentos em tão isolado município. Grupos ambientalistas do estado encaram a usina como ameaça fatal às cachoeiras, mas os construtores responsáveis asseguram que os impactos à vazão d’água serão mínimos. “Quando ela estiver funcionando na época cheia, uma pequena fração da vazão será usada para geração de energia. Na época mais seca, a usina só poderá operar num limite mínimo de até 40 metros cúbicos por segundo, mesmo que a vazão natural em determinados meses seja ainda menor. Desse jeito, os impactos visuais depois da construção não serão muito diferentes dos ciclos normais de Dardanelos”, explica Sérgio Leão, diretor de segurança, saúde e meio ambiente da Odebrecht.

O coordenador geral do Proecotur, Allan Milhomens, esclarece que a demora em executar a fase de planejamento, que deveria ter sido concluída há quatro anos, foi causada por problemas com os estados. “Havia uma lacuna na capacidade de os estados tocarem os trabalhos, em alguns locais faltou conhecimento técnico sobre o tema. Além disso, atrasaram os processos de transferências de recursos, prestações de conta, etc.”, justifica. Segundo ele, os planejamentos serão encerrados em agosto deste ano e, a partir daí, o Ministério do Meio Ambiente será responsável por monitorar os processos de implementação do programa, como estruturação dos roteiros dentro de unidades de conservação. O restante ficará por conta do Ministério do Turismo, que já possui outros programas de incentivo ao turismo na região amazônica. No Proecotur, ele cuidará da obtenção de financiadores e meios para implantar tudo que foi planejado para ressaltar as belezas naturais desses recantos.

  • Andreia Fanzeres

    Jornalista de ((o))eco de 2005 a 2011. Coordena o Programa de Direitos Indígenas, Política Indigenista e Informação à Sociedade da OPAN.

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