A reserva legal de 80% para os estados da Amazônia Legal causa calafrios na maioria dos proprietários rurais da região. Mas o que pode ser visto como resistência à lei de quem só quer desmatar mais floresta ganha alguma plausibilidade quando se ouvem alguns dos argumentos. Para os empresários e políticos locais, o vilão da história é o governo, que estimulou o desmatamento no início da colonização da região, nos anos 70, e depois obrigou todos a terem floresta na maior parte da propriedade, sem dar suporte para que isso acontecesse. As queixas foram evidenciadas nas discussões realizadas em maio para criação do Distrito Florestal de Carajás. A principal expectativa dos poderosos que compareceram às audiências públicas realizadas era que a chegada do distrito mexesse nas regras da reserva.
A idéia foi prontamente rejeitada por Tasso Azevedo, chefe do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), que capitaneia o projeto. “Isso nunca foi cogitado no âmbito do Distrito Florestal. Ele é a favor da floresta, não da diminuição de sua proteção”, disse ele em Marabá (PA). Entre seus interlocutores estavam pessoas como o deputado estadual João Salame (PPS), que levantaram sem dó a bandeira da diminuição da reserva. “Por que devemos ter medo de tocar nessa questão? Nós não podemos ser vistos como devastadores do meio ambiente toda vez que falamos no assunto”, disse ele.
Principalmente em áreas de ocupação mais consolidada, como o leste do Pará ou o centro de Mato Grosso, a queixa é constante entre os proprietários, independentemente do ramo em que atuam. Sejam pecuaristas, sojeiros ou madeireiros, a implicância é principalmente com a Medida Provisória 2166-67, de 1996, que institui o aumento da reserva de 50% para 80%. A medida foi prorrogada diversas vezes e tomou caráter permanente em 2001, por uma daquelas características peculiares da legislação brasileira, de empurrar com a barriga decisões que acabam nunca sendo tomadas.
O problema é que, até 1996, o governo estimulava o desmatamento de metade da área como fator primordial para que a titularidade da terra fosse reconhecida. “O Incra exigia que fossem feitas ‘benfeitorias’ em 50% das terras. O que, na prática, se traduzia em desmate”, diz Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente na Amazônia (Imazon). Com a chegada da MP, quem havia seguido as regras ficou com um passivo de 30% a ser reflorestado. Os proprietários se sentiram “traídos” pelo governo. Muitos têm dificuldade para conseguir financiamento, pois suas terras não são regularizadas. E isso acaba sendo um estímulo à irregularidade.
Também há dúvidas de quanto cada propriedade é obrigada a reflorestar. A Medida Provisória prevê a possibilidade de que o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) diminua a reserva em determinadas partes da Amazônia Legal para 50%. Cada estado está num estágio diferente no avanço dos estudos que vão levar a esse zoneamento . E não há prazo para que ele seja concluído em nenhum deles.
Floresta ilegal
No município de Paragominas, por exemplo – uma das cidades que participaram das audiências públicas realizadas pelo SFB – há quem esteja plantando floresta irregularmente porque não quer comprometimento com a reconstituição da reserva. Pega-se um pedaço de terra totalmente devastado e plantam-se espécies para madeiragem, sejam as exóticas eucalipto e teca, ou espécies nativas, como o paricá e até mogno. “Eu mesmo tenho 100 hectares totalmente desmatados comprados de colonos e plantei 30 mil pés de eucalipto”, diz Aderval José Dalmaso, presidente do Sindicado do Setor Florestal de Paragominas (Sindiserpa). Ele mantém no terreno uma centena de cabeças de gado, num sistema agrosilvipastoril.
Esse tipo de iniciativa é justamente o que propõe o Distrito Florestal de Carajás. Com a ressalva de que as reservas legais, pressupõe-se, serão respeitadas. É só por causa disso que a plantação de Dalmaso não é regular. Ele deveria ter reflorestado 80 hectares da propriedade com espécies nativas e cultivado só o restante com eucalipto. Não à toa, o problema apareceu com tanta freqüência nas audiências públicas. Teme-se que o cultivo em 20% da propriedade não seja viável.
Para Tasso Azevedo, respeitar as reservas e ganhar dinheiro com plantação de floresta é absolutamente possível. Ele diz que, ao contrário do que os proprietários imaginam, as reservas são rentáveis com manejo florestal. A retirada de madeira, segundo ele, pode ser feita com uso de técnicas que causem pouco estrago à floresta. O SFB estima que haja 4,8 milhões de hectares em reservas legais degradadas só dentro do perímetro do distrito de Carajás. Só que confiar na eficácia dos planos de manejo também é temerário. Diversas operações de fiscalização, como a recentemente deflagrada pelo Ibama e pela Polícia Federal no entorno do Parque Indígena do Xingu, descobriram planos de manejo falsos ou sem qualquer tipo de monitoramento – e protegiam proprietários que cortavam as árvores em quantidades insustentáveis.
“Esse é um assunto que vai ter que ser discutido em breve”, opina o diretor do SFB Luiz Carlos Joels, para quem há duas visões em conflito sobre o assunto. Quem vê a questão de forma global, como governo federal ou ONGs ambientalistas, levando em consideração a necessidade de preservar a floresta, o mecanismo é, de fato, interessante. Mas quem vive o dia-a-dia da Amazônia vê a regra como arbitrária. Até porque a Amazônia Legal tem critério político, que inclui os estados por inteiro, sem levar em conta as especificidades de cada região. O proprietário, principalmente nas regiões onde não há mais floresta, se sente amarrado por uma legislação que não condiz com a realidade.
Paulo Barreto acredita que a reclamação só é válida no caso daqueles que cumpriam a lei na época em que a medida provisória saiu, respeitando reserva legal. “Mas sabe-se que muitas propriedades nessas regiões de maior ocupação só têm 20%, 30% de floresta”, diz. Nesse caso, a área foi desmatada indiscriminadamente e não vale reclamar.
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