Colunas

Arruda, o agricultor orgânico

Como a agricultura orgânica mudou mais que a propriedade de Luiz Antônio Arruda, dono de poucos hectares no Paraná, mas com lábia de sobra para contar o que acontece em sua terra.

12 de janeiro de 2007 · 18 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Quando Luiz Antônio Arruda abre a boca, fica dito que já não se fazem pequenos agricultores como antigamente. É verdade que falta a seu sorriso a metade dos dentes na arcada superior, como mandava o velho figurino da vida de remediado no campo. Mas tudo o que passa entre as falhas de seus incisivos soa a novidade.

Ele não parece caipira nem no momento em que fala “véve”, em vez de “vive”, comentando o espanto dos vizinhos com o que ele tira da terra em São Miguel do Iguaçu, no oeste paraense. O “véve”, no caso, é para marcar, pela imitação, a distância que o separa do atraso alheio. Ao tratar de seus próprios assuntos, como a tempestade de granizo que quase arruinou sua plantação em setembro, é capaz de mencionar os “resquícios” do gelo nas folhas de uma bananeira, como se a palavra, naquelas circunstâncias, fosse uma espécie de regionalismo.

Franceses à mesa

O técnico Adelar Soares de Oliveira, da Associação dos Produtores de Agricultura e Pecuária Orgânica de São Miguel do Iguaçu, menciona que, no sábado que vem, Arruda receberá a visita de 40 franceses. “Às quatro”, ele responde, como se recepcionar delegações estrangeiras fosse de rotina na roça. As duas longas mesas de troncos serrados ao comprido, que ele tem no terreiro, são para tais ocasiões. A chácara dá de comer a duas ou três turmas de estudantes por mês, para provar, a oito reais por cabeça, com um almoço à base de muita verdura, feijão, arroz e polenta,o gosto da terra saudável. E a casa tem um livro de visitantes, com autógrafos arrumados em colunas no caderno de capa preta.

O que a propriedade do casal tem demais, para atrair tanta assinatura? Nada. Sua diferença é o que ela tem de menos. A começar pelos agrotóxicos. Arruda deixou de usá-los há mais de quatro anos, depois de se convencer que estava trabalhando de sol a sol para fechar a cova aberta em sua contabilidade pela compra de defensivos agrícolas e adubos químicos. Ele comprou o terreno na virada da década. Mas nos primeiros tempos, ele não deu para o gasto. Hoje vende melão, manga, acerola, café, vagem, morango, pepino e milho nas feiras de sábado em São Miguel, “sem mexer com veneno”.

Até a 2001, tinha o currículo típico dos brasileiros que vivem para sobreviver. Lidando com agrotóxicos numa fazenda de algodão, baixara ao hospital em Cascavel. Capinou acostamento de estrada para a prefeitura de São Miguel, por “dez reais a hora”. Fez uma “reservinha” para adquirir a chácara. Pagou 15 mil reais há seis anos. Recusou em 2006 a proposta de uma imobiliária local, que lhe oferecia 100 mil reais por aqueles dois alqueires.

De cabeça

Ele diz que mudou “de cabeça” com o curso de agricultura orgânica da associação local, bancado pela empresa Itaipu Binacional, que está em campanha para zerar o passivo ambiental de 29 municípios na bacia do rio Paraná até a próxima década. Arruda levou três anos para obter o certificado de produtor orgânico. Tornou-se um dos 22 agricultores de São Miguel com o documento, que exibe na feira. Agora, integra o conselho de ética da rede Ecovida, que avalia novas candidaturas à certificação.

Ele passou a acreditar no que não acreditaria, desde que investiu 100 horas nas aulas de agricultura orgânica. Chegou em boa hora. Ela vai abrindo alas entre os campos de soja transgênica da região, e avança sobre o mercado da merenda escolar na rede pública. O programa Cultivando Água Boa, de Itaipu, promete tirar do papel até março dois mil projetos para transformar propriedades pequenas e médias em modelos rurais de obediência às leis ambientais, incluindo assentamentos do MST.

Arruda não tem carro, porque ouviu uma vez o conselho de fugir do mercado automobilístico, se quisesse mesmo conseguir um pedaço de terra. Leva a produção à cidade na garupa da moto. Mas acaba de incorporar à sua produção uma máquina para extrair polpa de fruta. Espalhou pelo terreiro varrido quatro lixeiras. Explica que não tolera ver uma ponta de cigarro no chão.

A chácara lhe rende de 12 a 15 mil reais por ano, “limpos”. Antes do curso, tirava dela “dois mil e quinhentos, brutos”. Em outras palavras, aos 51 anos, trabalha o dobro do que antes, mas embolsa o quíntuplo. De quebra, conquistou o direito de dizer que está “ajudando a preservar o meio ambiente” em São Miguel, o que, não faz tanto tempo assim, também não era coisa que se ouvisse em beira de cerca.

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