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Desmatamento e prosperidade à moda islandesa

Vem aí um livro de aventuras por Claudio de Moura Castro, um devoto de roteiros extremos que não prega prego sem estopa, quando se trata de abrir novas trilhas para a educação.

2 de março de 2007 · 18 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

“Era uma vez um país que tinha tudo para não dar certo”. Mas não se assuste. Ninguém aqui está falando ainda do Brasil. A frase acima abre um capítulo do próximo livro do economista Claudio de Moura Castro, que está no prelo. É o segundo que ele escreve sobre as coisas que faz quando não está fazendo outra coisa como reformas da educação, no Brasil ou no outro lado do mundo. O capítulo trata da Islândia,onde se colhe uma das melhores rendas per capita do mundo em clima subártico, com três horas de sol em janeiro, vulcões ativos, terremotos quase diários, tudo isso num chão de lava com 20% do território aptos para pastagens e 1% para a agricultura.

“Quando a NASA começou a treinar os astronautas que iam para a lua, foi aos ermos da Islândia que os levou, pois lá encontrou a paisagem mais parecida com a lunar”, lembra Moura Castro. Outrora, pelo menos um terço de seu território foi coberto por florestas. Mas elas foram usadas até o último toco, e isso aconteceu há cerca de um milênio. Sem cobertura vegetal, o solo se foi. E o subsolo da Islândia era pobre até de carvão.

Desastre milenar

A Islândia repousa sobre o que Moura Castro resume como é “um desastre ecológico milenar”. E um desastre “tão sério” que, para os islandeses, “os pedaços de madeira trazidos às praias pelas correntes marítimas eram considerados verdadeiros tesouros”, e “havia marcas especiais para identificar os felizardos que os encontravam”.

Liquidadas as árvores, faltava lenha, evidentemente, para a calefação. E o remédio nacional contra o frio era amontoar o maior número possível de corpos no menor espaço disponível. Um viajante inglês que passou pela Islândia no fim do século 19 deixou registrado que havia dormido num quarto com 25 pessoas. E levou de suvenir dessas noites tristemente promíscuas os inumeráveis piolhos que as povoavam.

A Islândia já foi um dos lugares mais pobres da Europa. Perdeu 10 mil emigrantes para o Canadá, há pouco mais de um século. Quarenta islandeses degredados pela pobreza vieram parar até no Brasil. E esse longo aperto marcou sua arquitetura com prédios ascéticos, que parecem monumentos à dureza da vida, e encheu seus museus com rústicos instrumentos, verdadeiras amostras do miserê cotidiano. Olhando bem para os lados, não dá para ver de onde saiu, em pouco mais de cem anos, a espantosa prosperidade atual, cujos índices se refletem no maior consumo de livros por habitante em todo o planeta, a inexistência absoluta de pobre em suas estatísticas e na façanha de ser um país que se contenta com um único presídio, pois só tem 70 cidadãos atrás das grades.

O desenvolvimento econômico veio de duas riquezas mais ou menos invisíveis, responde Moura Castro. Um deles é o capital social herdado dos colonizadores vikings, que fincou ali as raízes de um regime à prova de tirania. As leis chegaram à Islândia pela prática, bem antes de qualquer governo. E fundaram ali uma sociedade tão pacifista, que sua polícia anda hoje desarmada e sua política externa dispensa, por via das dúvidas, marinha, exército e força aérea.

Literatura e riqueza

O outro segredo está na educação, que não poderia escapar a um relato de aventuras assinado por Moura Castro. No começo do segundo milênio, a literatura já estava consagrada como principal antídoto às agruras dos invernos frios longos e escuros, destilando as sagas nórdicas que se incorporaram ao patrimônio cultural de povos escandinavos, em nações estabelecidas muito antes que a islandesa. Lá, a alfabetização universal é obra do século 18. Assim, quando os islandeses se abriram ao comércio internacional, estavam mais do que prontos para encarar o futuro , que chegou agora, com 100% do DNA de toda a sua população mapeado e ônibus movidos a células de hidrogênio rodando nas ruas.

E vamos ficar por aqui, porque o capítulo vai longe, antes de entrar nas rotas da aventura propriamente dita. O livro, afinal, destina-se a formar guias de turismo ecológico. Para isso, pelo menos, o Sebrae encomendou-o, depositando o pedido nas mãos de um PhD em Economia com mania de Educação, que já cruzou os Estados Unidos de motocicleta, apostou corridas de lambreta com emas do cerrado, remou caiaques no verão ártico,fez tilhas no Himalaia e inaugurou no Brasil o vôo-livre. Aventura, para ele, é coisa séria, se não for uma conquista tardia da civilização. Pois, como argumenta Moura Castro, os bandeirantes que palmilharam o sertão brasileiro com botas impróprias não estavam, exatamente, em busca de uma experiência existencial chamada aventura. Aliás, o poeta italiano Francesco Petrarca, talvez o primeiro europeu a subir os Alpes só para ver o que havia lá em cima, na volta pediu desculpas aos contemporâneos pela leviandade.

A Islândia consta do livro como opção,num cardápio que inclui, entre outros fins de mundo irresistíveis, o Jalapão, os Andes e o monte Roraima. Mas ela se destaca como exemplo de que desmatamento e a malversação de recursos naturais, em si, não levam ninguém muito longe, nem mesmo no mundo do trekking. O segredo do sucesso de países que tinham tudo para ser inviáveis é o caminho virtuoso escolhido por seu povo.

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