A onça-pintada, a jaguatirica e outros felinos da fauna brasileira exercem grande fascínio nos seres humanos. Apesar desse encantamento, elas integram a lista de espécies vulneráveis de extinção no país. Diversas iniciativas vêm sendo desenvolvidas para tentar garantir o aumento da população destes animais. Com a confirmação da presença da onça-pintada na Caatinga, uma nova possibilidade de preservação foi aberta: a criação do Corredor Ecológico das Onças na Caatinga.
Um corredor ecológico tem por objetivo ligar áreas já protegidas, mas não é considerado uma unidade de proteção integral, como os parque nacionais. Segundo a definição do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), os corredores são “porções de ecossistemas naturais ou seminaturais, ligando unidades de conservação, que possibilitam entre elas o fluxo de genes e o movimento da biota, facilitando a dispersão de espécies e a recolonização de áreas degradadas, bem como a manutenção de populações que demandam para sua sobrevivência áreas com extensão maior do que aquela das unidades individuais.”
Ou seja, os corredores garantem a mobilidade de indivíduos, possibilitando trocas genéticas entre diferentes populações. Esse novo cenário se traduz especialmente na possibilidade de crescimento da população de onças e na saúde genética da espécie. Os corredores ainda são recentes no Brasil e aproximadamente dez já foram criados, como os do Cerrado e o Bananal-Araguaia. A exemplo de outras iniciativas ambientais, os pesquisadores reclamam que a implementação do corredor é difícil. “Os corredores que existem não saíram do papel. Existem há anos, mas não têm serventia prática” analisa o coordenador da Rede de Atendimentos à Ocorrência com Carnívoros Silvestres e Casos de Predação e do Banco de Dados Georreferenciado do Centro Nacional de Pesquisa para a Conservação de Predadores Naturais (CENAP/Ibama), Rogério Cunha de Paula.
Com a criação de um corredor específico para as onças na região da Caatinga, os pesquisadores buscam interligar o Parque Nacional da Serra da Capivara (PI), o Parque Nacional da Serra das Confusões (PI), o Parque Nacional do Boqueirão da Onça (BA) e o Parque Nacional da Chapada Diamantina (BA). O desenho original prevê a proteção de cerca de 2 milhões de hectares dentro dos três estados. (ver mapa).
Onça na Caatinga
Para formular o desenho da área das onças, pesquisadores iniciam agora em 2008 um censo demográfico. Segundo Cunha de Paula, ainda não há estimativas de quantos animais existem na região. O que se sabe até agora é que, em dois anos de pesquisa, foram tiradas apenas três fotografias de onças-pintadas na região, sendo que, em duas delas, acredita-se tratar-se do mesmo animal.
O interior da Bahia é a uma das regiões mais inexploradas já que a presença dos felinos foi recentemente confirmada e o senso comum era de que dificilmente uma espécie requintada como a onça-pintada estaria presente em um bioma como a Caatinga. “Havia relatos informais, que não eram levados em consideração, por ser uma espécie de alto requerimento. O tabu era de que aquela era uma área pobre. A Caatinga não é pobre, é riquíssima”, acrescentou o pesquisador.
Já no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, a estimativa é de que a população chegue a 50 indivíduos. A projeção é o resultado de um estudo do Fundo para a Conservação da Onça-Pintada recentemente divulgado e que indicou uma densidade de 3,85 indivíduos por 100 km2.
O georreferenciamento irá permitir também a identificação das áreas de deslocamento da espécie. Detalhes como as fontes de água utilizadas e a abrangência dos deslocamentos irão indicar a movimentação dos animais. Também serão coletadas informações genéticas para verificar se as diferentes populações encontradas nos parques têm algum tipo de comunicação. O Fundo Nacional de Meio Ambiente já aprovou verba para custear as pesquisas, mas o valor destinado ainda não foi divulgado.
“Essas informações vão dar subsídio para escolher as áreas. Isso fortalece as ações para as negociações em geral”, destaca o professor do Cenap/Ibama, Ronaldo Morato. Segundo Morato, que também integra a ONG Pró-Carnívoros, zonas não utilizadas pelos animais ou de baixa qualidade ambiental poderão ser retiradas do desenho inicial. Segundo João Carlos Oliveira, técnico do Departamento de Áreas Protegidas do MMA, o corredor contará com ações planejadas, especialmente em relação à ocupação territorial por parte dos moradores. Para ele, os impactos para a população serão pequenos, já que o objetivo maior é garantir locais para a migração das populações.
Disputa e caça
O fato de não ser uma unidade de proteção integral, beneficia a população da caatinga, que sofre com a seca, a miséria e a falta de comida. Para contornar esse problema, serão criadas diferentes estratégias de utilização do solo. “Vamos procurar por atividades de menor impacto, aliado a uma estratégia de geração de emprego e renda compatíveis com a preservação de recursos naturais. A onça é um símbolo, é o topo de rede de organismos que tem importância estratégica”, explica o diretor de biodiversidade da Superintendência de Biodiversidade, Florestas e Unidades de Conservação da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (SEMARH), Milson Batista.
O envolvimento da população também é importante para evitar a caça da onça-pintada. A onça é um dos maiores caçadores da natureza e, por vezes, acaba comendo o gado criado pelos pequenos agricultores da região. Na disputa pelo alimento escasso, os agricultores abatem as onças – que acabam por reforçar o cardápio das famílias.
Ao mesmo tempo em que se busca preservar a espécie, o Corredor poderá ajudar também a acompanhar os efeitos do aquecimento global na região, através da criação de indicadores. A caatinga é um dos biomas mais suscetíveis a mudanças climáticas provocadas pelo aquecimento global e o regramento das atividades humanas na região, possibilitará ações como a ampliação da cobertura vegetal do solo, por exemplo, minimizando os efeitos do processo de desertificação.
Dez entidades e instituições irão fazer parte do grupo de trabalho que irá definir o desenho final do corredor. Apesar de ter sido oficializado em abril passado, o GT está sendo reformulado para atender às modificações ocorridas no Ibama – que foi dividido em dois. O Ibama continua responsável pela execução de políticas nacionais de meio ambiente, inclusive mantendo os trabalhos de licenciamento ambiental e fiscalização. Já o Instituto Chico Mendes, fica responsável pela gestão e proteção de unidades de conservação (UCs) e apoio a pesquisas relacionadas à biodiversidade, entre outras atribuições.
Em função dessa alteração, o GT passará a ser vinculado ao Instituto Chico Mendes. O MMA prepara a nova portaria, que está no departamento jurídico do Ministério e ainda não tem data para ser publicada. O Grupo deverá ser formado por representantes do Instituto Chico Mendes, sociedade civil organizada, comunidade científica e governos estaduais. Tomara que as discussões consigam realmente abrir alas para a o trânsito livre das onças.
* Fabiane Madeira é repórter free-lancer em Salvador (BA)
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