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Sempre cabe mais um

Preservar animais é bem menos complicado do que encarar o descontrole da raça humana. Preferimos nos reproduzir a cuidar de quem já está no mundo.

15 de outubro de 2004 · 20 anos atrás

De uns tempos para cá, o ser humano resolveu encampar a preservação de milhares de espécies. O ato é nobre – cuida de manter o máximo possível de biodiversidade – e de certo modo redime o hábito humano de destruir tudo o que encontra à sua frente. Apesar de muitos bichos ainda freqüentarem listas de extinção em vários países, o sucesso obtido nessa tarefa é evidente.

Na França, a população de lobos cresceu tanto nas duas últimas décadas que voltou a ameaçar o homem. Entre os franceses, há quem inclusive defenda a idéia de passar um tempo cuidando deles à bala. Na costa sul do Brasil, onde foi avistada uma única baleia franca em 1982, registrou-se este ano a presença de 92 desses animais num curto espaço de 4 dias.

O estranho é que nesse tempo em que o homem aprendeu o manejo de populações de outras espécies para preservá-las, quase nada fez para manejar a sua própria. Se preocupar com o bem-estar das tartarugas marinhas e baleias é mais simples, e bem mais lúdico, que encarar o descontrole da espécie humana.

Ao contrário dos outros animais, o homem se reproduz para se perpetuar. Não para perpetuar sua espécie. A produção de bebês faz parte de um processo natural da existência humana. Mas ele tem mais a ver com a nossa própria reprodução individual. O culto à hereditariedade impõe uma cegueira. Mal nos importamos com a extinção que ameaça milhares de exemplares da nossa raça. Nem com a superpopulação que afeta a qualidade de vida na Terra.

O cúmulo dessa situação contraditória acontece quando casais incapazes de gerar uma criança recorrem a milagres científicos para ter filhos. Desconsideram a possibilidade de uma adoção – que poderia ajudar a preservar um semelhante – e a situação de “lotação esgotada” na qual vivemos. Trigêmeos e quadrigêmeos estão aí para contar esta história. Eles são fabricados através de um processo induzido, à base de medicações e muita perseverança.

A coisa fica em no mínimo R$ 12.000. Além disso, as mulheres que engravidam através de tratamentos de fertilização têm, em média, 30% de chance de ter bebês gêmeos. Por outro lado, o número de crianças adotadas no Brasil caiu 19% em comparação à média anual no ano passado, de acordo com a Folha de S.Paulo. Em 2003, foram 5.654 casos, contra a média de 6.970 crianças adotadas por ano, de acordo com os tribunais de Justiça e as varas de Infância e Juventude de 14 dos 26 Estados brasileiros.

Não basta encontrar um outro membro para fazer parte da família e suprir aquela necessidade de continuidade que os casais sentem. Hoje, a adoção é quase sempre a última opção, um prêmio de consolo para quem não conseguiu fabricar seus próprios clones. Adotar humanos nem de longe tem o charme da adoção de uma tartaruga marinha.

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