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E nós, o que temos a ver com isso?

Pelo espetáculo que produziram balançando no Corcovado seu manifesto, os grevistas do Ibama mereciam mais atenção dos brasileiros, antes que se perca o que nem estava em jogo.

11 de julho de 2007 · 17 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Mesmo nós, os espíritos de porco que não consideramos o Cristo do Corcovado uma das sete maravilhas do mundo, reconhecemos que não há peito melhor do que o do monumento para pendurar uma faixa de protesto. Fizeram por merecer as primeiras páginas os funcionários do Ibama, balançando no abismo em cordas de rapel, entre os braços de concreto, numa coreografia à altura das melhores superproduções do Greenpeace. Mas nem assim emplacaram, sob tantas fotografias espetaculares,uma reportagem explicando o que, mesmo, eles queriam dizer com sua faixa.

Ela falava do Ibama, mas seu alvo era a medida provisória que traz no ventre o Instituto Chico Mendes. Já tem greve sobrando na vida de quem depende no Brasil de qualquer serviço público. A do Ibama, com Corcovado e tudo, é mais um motim de burocratas. Certo? Errado. Aquilo é problema nosso. Mas, pelo rumo que a medida provisória tomou no Congresso, o país só vai se dar conta do quanto pode lhe custar a homenagem póstuma do Ministério do Meio Ambiente ao mártir do extrativismo no dia em que faltar chão para candidatar monumentos a seja lá o que for em certames turísticos internacionais.

Canção do Exílio

Pelo Instituto Chico Mendes,o Congresso está cobrando do governo um preço alto. Ameaça abolir a criação de reservas federais por decreto, apesar do que parecia estabelecido, de uma vez por todas, na lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Ela saiu há apenas sete anos.Passou quase uma década à mercê dos bisturis em comissões parlamentares. Elas que retalharam e até mutilaram o projeto original, até sobrar muito pouco para negociar e suprimir. Agora, um passo em falso do governo põe o SNUC de volta na pauta legislativa.

O Ministério do Meio Ambiente, como sempre, resiste. É resistindo que ele, geralmente, recua.Tem sido assim desde o começo da era Lula. Mas sua marcha para trás acelerou-se muito com o PAC.Agora mesmo, a Casa Civil engavetou as unidades de conservação que costumam jorrar da caneta presidencial no Dia do Meio Ambiente. Sairiam dezoito de uma penada. Encalharam até as reservas extrativistas, a que Brasília em geral não nega nada. Alega-se, contra elas, que a rapidez do processo gera má-vontade política. O palácio não parece preocupado com o fato de que, tradicionalmente, em qualquer lugar do mundo,é a má-vontade dos políticos que aborta os processos para instituir unidades de conservação e, por isso mesmo, elas têm que ser gestadas pelo executivo nas entranhas de corpos técnicos. O Congresso não está pedindo a honra de criar unidades de conservação, e sim a prerrogativa de evitá-las, porque elas invariavelmente contrariam interesses específicos e afagam interesses difusos, aqueles que só acordam ao som de campanhas cívicas. Para votar, por exemplo, no Corcovado.

Mesmo nessas repentinas epidemias de febre ufanista, nem sempre fica claro que uma estátua como a do Cristo Redentor só é o que é porque tem a seus pés um parque nacional. Com favelas nas encostas, assaltos nas trilhas e corrupção na bilheteria. Mas um parque nacional que não dá para separar do monumento, porque sem ele o monumento desaba. Na dúvida, imagine-se tirar a estátua de onde está para entronizá-la no morro mais alto do Complexo do Alemão, a que também não faltam credenciais para representar a autêntica paisagem urbana do Rio de Janeiro. Não é preciso ser muito ecochato para concluir que, sem o pedestal de basalto e floresta, a candidatura dificilmente sairia do subúrbio carioca.

O Corcovado já estava solidamente estabelecido como maravilha natural do Rio de Janeiro, um século antes que a estátua pusesse os pés em seu dorso. Recebeu visitas de imperadores. Entrou no roteiro carioca mesmo sem um metro de trilho em cremalheira para levar um trem até o topo. Foi um dos primeiros programas que a parisiense Adèle Toussaint-Samsom achou obrigatórios na cidade, quando veio morar no Rio de Janeiro como professora de princesas na corte de Pedro Segundo. Levou seis horas de marcha para chegar lá em cima. E, apesar do esforço, gostou mais da montanha que da chegada ao cume.”Eu podia imaginar um pouco a vista esplêndida que me esperava lá em cima”, ela escreveu em suas memórias, publicadas no fim do século 19 como folhetim pelo jornal Le Figaro, com o suplemento da Canção do Exílio, de Gonçalves Dias. “Mas não pudera pressentir a emoção profunda que sentiria à visão de uma natureza saindo virgem das mãos de Deus”. Falava do que hoje se chama Parque Nacional da Tijuca.

Era o que pretendia dizer, mas não disse, aquela faixa pendurada no peito da estátua. Em outras palavras, o que está em jogo neste momento é a troca de um Instituto Chico Mendes pelo direito de, mal ou bem, fazer parques nacionais. E isso não interessa só aos grevistas do Ibama.

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