O novo ministro, Carlos Minc, que se prepare. Na última sexta-feira, senadores, deputados federais, estaduais, empresários do agronegócio, madeireiros, o secretário de Meio Ambiente e o governador de Mato Grosso deram em Cuiabá uma demonstração da pressão que estão dispostos a fazer sobre o Ministério do Meio Ambiente. Tudo para se verem livres de operações contra crimes ambientais, como a Arco de Fogo, e das restrições econômicas sobre infratores, estabelecidas em dezembro pelo decreto 6.321 e que entram em vigor dia 1º de junho. Era a última das reuniões que a chamada comissão temporária externa de riscos ambientais do Senado empreendeu por Rondônia, Pará e Mato Grosso, com o nobre objetivo de “verificar in loco os riscos dos 36 municípios” apontados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) como os maiores desmatadores da Amazônia.
Das 10h30 às 13h30, o plenário da Assembléia Legislativa ouviu uma saraivada de críticas à interferência do governo federal em Mato Grosso na repressão contra crimes ambientais. Mais parecia uma sessão de ajuda mútua para reforçar para si e para os eleitores mato-grossenses que o desmatamento nada mais passa de uma peça de ficção e, produtores rurais e madeireiros são vítimas de uma teoria conspiratória. Debate, não houve. A sessão acabou sem que o superintendente do Ibama no estado, ou o representante do fórum de ONGs sócio-ambientalistas de Mato Grosso, anunciados no plenário, dissessem uma só palavra.
A argumentação de todos os excelentíssimos que se pronunciaram se baseava unicamente na tese de que os números do desmatamento divulgados pelo governo federal estão incorretos. Os supostos equívocos teriam sido verificados em campo por equipes de fiscalização da Secretaria de Meio Ambiente em tempo recorde, menos de dois meses. Depois de propagandear as ações de comando e controle do estado, como multas, embargos e uma redução dos desmates em “72% de 2005 para cá”, o secretário Luis Henrique Daldegan lembrou que entregou ao Inpe um relatório baseado em suas apurações sobre os números do sistema de detecção Deter concluindo que apenas 10,27% dos pontos se referiam a corte raso. “Todos os dados foram encaminhados ao Inpe e eles disseram que iam fazer uma avaliação. O diretor do Inpe falou em Sinop que iam fazer até um workshop, mas não mandaram nenhuma avaliação completa em relação ao que nós apresentamos”, disse Daldegan, categoricamente, como se os dados mais confiáveis fossem agora os da Sema.
Daldegan deve ter se enganado. No dia 7 de maio o relatório do Inpe sobre a versão mato-grossense do desmatamento foi entregue às mãos de Salatiel Araújo, representante da Sema, em um seminário em Belém. Depois de analisar as 854 fotos da Secretaria, o Inpe concluiu que o Deter detectou desmatamento em 96,4% dos casos. Os parlamentares aproveitaram a providencial omissão desta informação para basear todos os ataques à conduta do governo federal.
A lógica ali parecia ser trivial e quem fez questão de reduzir a discussão foi o próprio governador Blairo Maggi. “Se partirmos da base de que os números não são corretos, temos que no mínimo pedir a retirada do decreto do governo federal e das normas em respeito às restrições de crédito”, raciocinou Maggi, para quem “os números do desmatamento não existiram”. A coisa é tão simples que, segundo ele, até Lula já se convenceu. “Tive uma conversa com o presidente e ele garantiu que fará as mudanças. Isso já é página virada”, disse Maggi, aliviando o clima no ambiente. E continuou. “Eu gostaria de informar que Lula pediu a Embrapa, e já está na Casa Civil, um trabalho minucioso sobre essa questão em Mato Grosso. E o resultado final comprova os dados do governo estadual”, comemorou o governador.
Festival de deturpações
“Esta operação Arco de Fogo foi inoportuna, desnecessária, arbitrária e fez com que o Mato Grosso pagasse por um preço muito caro pela difamação e o preconceito que se criou”, defendeu Maggi. O peso da imagem aparentemente tem incomodado cada vez mais o governador. “Cada vez que viajamos ao exterior, os primeiros questionamentos são sobre desmatamento, como se nós não estivéssemos cuidando bem da Amazônia”, declarou. Lamentavelmente, Mato Grosso sabe cuidar bem é de suas lavouras, que espremem o que restou de floresta para dentro de terras indígenas, unidades de conservação ou reservas legais – quando são mantidas.
De acordo com dados apurados pelo Instituto Centro de Vida (ICV), Mato Grosso sozinho foi responsável por 40% do desmatamento na Amazônia nos últimos 10 anos. A pecuária é a atividade presente em 73% das áreas abertas no estado e a agricultura ocupa 27% desse total. Pela exploração madeireira, foram retirados oito milhões de metros cúbicos de toras, a maioria sem a mínima preocupação com manejo sustentável.
Apesar de todas as informações científicas que já foram apresentadas sobre Mato Grosso, até o presidente da associação dos engenheiros florestais do estado, Joaquim Paiva, alinhou-se aos ruralistas para contribuições nas mudanças no código florestal. “Ninguém comprova nada. Em 1965, era época em que tudo era feito na base do ‘achômetro’. Por que 80% de reserva legal? Porque acham que mantém a biodiversidade”, debochou, ignorando a farta produção científica brasileira a respeito da urgência de se alterar mesmo o código florestal, mas para se tornar ainda mais rigoroso. Falando nisso, o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), autor do projeto que quer reduzir a área de reserva legal na Amazônia de 80% para 50% também estava lá. E, na ânsia por um discurso pomposo a favor do meio ambiente, falou em desfavor de seu próprio projeto, que permitirá abertura legalizada de mais áreas na floresta. “Nós não precisamos derrubar nenhuma árvore da floresta para desenvolver a região amazônica”.
Foi também unanimidade considerar que, se existem agressões à natureza, elas não vêm do setor madeireiro, nem do agronegócio. “O foco do desmatamento está nos assentamentos ou nas áreas invadidas. Ou então, é culpa do próprio governo, eu não tenho dúvidas de que o nosso relatório será nesse sentido”, discursou o senador Expedito Júnior, membro da comissão, e originário do estado que, para ele é “uma grande reforma agrária que deu certo”: Rondônia. As queimadas, então, que deixam o ar mato-grossense irrespirável e fecha aeroportos, não têm nada a ver com os produtores, na visão do presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de MT (Famato). “Sabemos que tradicionalmente Mato Grosso se incendeia. Mas o fogo vem de terras indígenas, de estradas e de assentamentos”, garantiu Rui Prado.
O senador Expedito Junior e tantos outros disseram não entender o motivo de tantos policiais e da força nacional nos 36 municípios, arrancando aplausos. “Não somos bandidos. A Força Nacional tinha que estar policiando as nossas fronteiras”. Seu colega, senador Gilberto Goellner (DEM-MT) acusou os policiais em Alta Floresta de estarem “passeando bastante, festejando em bares e boates. Eles já fecharam as madeireiras, mas nâo olharam nenhum desmatamento, mesmo porque eles não sabem aonde ir. Quem tem o endereço é a Sema, que já autuou os desmatamentos”, disse. A Famato já preparou sua lista de exigências. “Queremos a suspensão imediata da operação Arco de Fogo, a revogação do decreto 6321, da resolução do conselho monetário e estamos pedindo que retire do ar aquela lista de áreas embargadas, que está causando transtorno à nossa comercialização”, declarou Prado, demonstrando desconhecimento da legislação ambiental, que determina a transparência na divulgação de dados sobre a gestão ambiental entre todos os órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama).
As alegações incansáveis de que a produção de alimentos em Mato Grosso é compatível com a sustentabilidade extrapolava todas as dimensões. “Aqui nós estamos produzindo, vamos contribuir para acabar com a fome no mundo”, falou o senador Leomar Quintanilha (PSDB -TO). Para Prado, da Famato, a sociedade passou a ter uma visão preconceituosa em relação ao compromisso do estado com a produção de grãos e carne conciliada à preservação. Não é para menos. Procurada pela reportagem desde o ano passado, a Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja) não se dispôs a apresentar uma única propriedade produtora de grãos em Mato Grosso que respeitasse 100% a legislação ambiental. Em outubro passado, convidou O Eco para conhecer uma fazenda na cidade de Primavera do Leste, no Cerrado, que, após uma breve consulta ao banco de dados da secretaria de meio ambiente, mostrou ter pelo menos três infrações no currículo, entre eles o não cumprimento do termo de ajustamento de conduta sobre recuperação de reserva legal. Pelo visto, Mato Grosso tem que se esforçar muito mais para transformar tanto discurso em realidade.
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