Não é incomum no Brasil que, após a alternância de partidos no poder executivo municipal, estadual ou federal, alguns programas ou políticas públicas levados a cabo pela gestão que sai acabem negligenciados ou abandonados pela gestão que se inicia. Essa prática é particularmente nociva no que diz respeito às políticas ambientais, já que a maioria delas depende de continuidade para render frutos. No caso do Rio de Janeiro, não foi preciso nem que houvesse alternância de poder no governo estadual para que esse curto-circuito acontecesse.
Mesmo com a reeleição de Luiz Fernando Pezão, do PMDB, a troca de comando na Secretaria do Ambiente (saiu o PT, entrou o PSD), realizada em abril do ano passado, quando os petistas decidiram deixar o governo, fez com que vários projetos ficassem ameaçados ou fossem paralisados. O maior exemplo é a tentativa de contratação do número necessário de guarda-parques para atuarem nas Unidades de Conservação estaduais, processo que se arrasta desde o primeiro governo de Sérgio Cabral.
Demanda prioritária, apresentada pela Diretoria de Biodiversidade e Áreas Protegidas do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) assim que o órgão foi criado em 2009, o serviço de guarda-parques foi instituído em um primeiro momento com a cessão de 60 homens do Corpo de Bombeiros designados para atuação nas UCs. Em 2010, foi realizado um processo de seleção para a contratação de 220 servidores públicos por um prazo determinado – três anos prorrogáveis por mais dois. A operação foi feita com base em uma lei aprovada na gestão da então governadora Rosinha Matheus e que permite esse tipo de contratação em outros órgãos e secretarias do Estado.
Entretanto, em maio de 2014 a lei aprovada no governo Rosinha caiu após arguição feita pelo Ministério Público Estadual no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Foi dado então prazo de um ano, até maio de 2015, para que todos os servidores contratados com base nesta lei em todos os órgãos e secretarias do Estado sejam desligados: “Estamos agora diante da ameaça de interrupção do serviço de guarda-parques, que é mais do que essencial. A coisa está solta, pois não houve senso de urgência da atual gestão do Inea”, diz um servidor do órgão, que prefere não ter sua identidade revelada.
Projeto de Lei
Tramita desde setembro do ano passado na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) um Projeto de Lei, de autoria do deputado e ex-secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc (PT), que determina a criação de 400 vagas definitivas de guarda-parque no Plano de Cargos e Salários do Inea. O PL, que já passou com parecer favorável por duas importantes comissões – Justiça e Orçamento – define e estabelece formalmente a função de guarda-parque, cria um novo concurso (já levando em consideração os novos parques e a expansão de outros) e estabelece que aqueles 220 guarda-parques que já foram concursados sejam incorporados à função.
O concurso público realizado em 2012, com provas teóricas e práticas, foi organizado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) de forma específica para cada UC, o que aproveitou o pessoal local. Em seguida, com investimento de R$ 1,4 milhão do governo, houve seis meses de treino e qualificação dos aprovados, com técnicas de combate a incêndio, relacionamento com agricultores do entorno das unidades para evitar queimadas, treinamento em educação ambiental para guiar visitas e tratamento de questões administrativas, entre outras. O salário dos guarda-parques é pago com recursos provenientes da compensação ambiental paga pelas empresas ao Fundo da Mata Atlântica e geridos pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
“O coração da proteção dos parques são os guarda-parques”, diz Carlos Minc. O deputado ressalta que a atuação destes agentes nas UCs foi fundamental para que o Rio de Janeiro revertesse o quadro no que diz respeito ao desmatamento: “A questão de fundo é o papel dos guarda-parques no sucesso da Agenda Verde do Rio de Janeiro. O Rio, há dez anos, era o estado que mais desmatava a Mata Atlântica e, hoje, segundo o Inpe, é, pelo terceiro ano consecutivo, o estado que menos desmata a Mata Atlântica. Nos último dois anos, segundo os satélites do Inpe, o Rio desmatou somente onze hectares, o que tecnicamente é próximo do desmatamento zero. A atuação dos guarda-parques foi muito importante para esse resultado”.
A nova legislatura estadual tomou posse no domingo (1º), e Minc espera votar seu projeto em fevereiro ou março, a tempo de impedir que os guarda-parques atualmente em serviço sejam desligados: “O serviço não pode parar. Se esses guarda-parques forem demitidos, além de vulnerabilizar as UCs, desmonta uma agenda de sucesso e põe em xeque todo esse esforço monumental que levou o Rio do último ao primeiro lugar. Se você quebra o guarda-parque, quebra a espinha dorsal e põe a perder uma agenda que virou referência nacional. Isso não pode acontecer de jeito nenhum”, diz.
Outra iniciativa considerada bem sucedida, mas que foi interrompida após a mudança de gestão na Secretaria do Ambiente e no Inea é o processo de transformação do antigo Batalhão Florestal da Polícia Militar em Unidades de Polícia Ambiental (UPAMs): “É a UPP ambiental. São policiais militares que ganham uma gratificação custeada pelo Fundo da Mata Atlântica, têm formação ambiental e são subordinados também ao chefe da Unidade de Conservação. É um serviço complementar ao prestado pelos guarda-parques, que não portam armas. Já os policiais combatem diretamente o crime ambiental. Deixamos oito UPAMs montadas. Infelizmente, depois que a gente saiu, nenhuma outra foi montada”, diz Minc.
Uso Público
Também sofreu paralisação desde abril do ano passado, após ter cumprido toda sua primeira etapa, o Projeto de Fortalecimento do Uso Público das UCs Estaduais. Mesmo com os recursos para a segunda etapa já aprovados, houve um intervalo de seis meses quando toda a equipe do projeto, ligada à gestão de Minc, foi desligada do Inea. Novo edital foi aberto somente em outubro e o prazo para as empresas interessadas enviarem suas propostas se encerrou em 30 de dezembro. Até agora, nenhum resultado foi tornado público: “Não havia necessidade de interrupção do projeto. A equipe de 35 pessoas, que era fantástica e já estava motivada e entrosada, foi toda desfeita. O coordenador teve que voltar para o Paraná. A sensação geral é que o Inea parou e que as coisas estão acabando, voltando pra trás, regredindo, sendo desmanteladas. Se não deliberadamente, ao menos por inação”, diz o servidor que pede anonimato.
Para Carlos Minc, “o próximo passo da agenda ambiental estadual é ampliar o uso público das UCs, com ecoturismo, pousadas e restaurantes e atividades que rendam recursos, como festivais de inverno e verão, passeios ciclísticos, etc.”.
Outras iniciativas, como a Cena Limpa (que conseguiu recuperar a Praia Vermelha e melhorar em 60% a balneabilidade das praias do Leme e de Ipanema), e os projetos ligados à Superintendência de Território e Cidadania (que, entre outras coisas, fazia reflorestamento em favelas cariocas) também foram paralisados: “Todas as ações da Agenda Verde no estado estão articuladas, se uma para, atrapalha outra. Estamos preocupados, a gente teme pela agenda ambiental, pois, no último ano, não houve grandes investimentos”, diz Minc.
Por conta de dificuldades registradas durante estes últimos meses na relação com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), os núcleos de Regularização Fundiária e de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) do Inea também estariam paralisados: “Está tudo completamente parado porque acabou o contrato com a empresa que pagava as pessoas e o Funbio não quis renovar”, diz o servidor do instituto.
Política
Minc diz acreditar que a definição do deputado estadual André Corrêa (PSD) como secretário do Ambiente facilitará a retomada do diálogo e dos projetos paralisados: “Conversei com o André Corrêa, e ele se comprometeu a não só ampliar a Agenda Verde, como apoiar o projeto dos guarda-parques. O ano quase parado foi basicamente culpa da gestão da equipe do Indio da Costa, que foi um desastre ambiental. O quadro atual é preocupante, mas não desesperador. Afinal, tivemos sete anos de trabalho e apenas um ano de pausa absoluta”, diz.
“No Inea, a coisa foi agravada pela disputa entre os grupos do Indio e do André Corrêa, que começaram a brigar entre si violentamente para ver quem teria a prerrogativa de indicar os cargos. O Indio ficou dois meses na secretaria só para fazer política nos municípios. Depois, colocou o Carlos Portinho, que tem o mínimo de interesse pelas coisas ambientais e ficou só esquentando lugar. Houve substituições absolutamente políticas em cargos nas superintendências estaduais do Inea”, diz, por sua vez, o servidor do órgão.
SEA responde
Procurado pelo ((o))eco, o atual secretário estadual do Ambiente não pôde atender à reportagem diretamente, pois, segundo sua assessoria, está com agenda lotada por conta das reuniões em busca de solução para a crise hídrica do estado. Também por intermédio de sua assessoria, André Corrêa diz que “reconhece a importância do trabalho desenvolvido pelos guarda-parques e está confiante que serão encontrados mecanismos para continuar contando com esta contribuição fundamental para a gestão das Unidades de Conservação estaduais”.
Em relação ao Projeto de Fortalecimento do Uso Público das UCs Estaduais, a Secretaria do Ambiente informa que este prevê investimento de R$ 3,4 milhões para a contratação de serviços voltados à gestão institucional da visitação em doze Unidades de Conservação. São os Parques Estaduais dos Três Picos, da Serra da Tiririca, da Pedra Branca, do Desengano, da Ilha Grande, do Cunhambebe, da Serra da Concórdia, da Costa do Sol, da Pedra Selada, do Mendanha e da Lagoa do Açu, além da Reserva Ecológica da Juatinga (em fase de recategorização).
Entre os objetivos do projeto, segundo a SEA, estão a consolidação dos programas de visitação e de uma rede de trilhas implantada e sinalizada, integração das unidades em roteiros turísticos regionais, fomento de atividades potenciais de visitação, criação de materiais de divulgação e fortalecimento da participação social das comunidades do entorno. Os projetos também serão voltados para a educação ambiental como ferramenta de gestão e utilização dos dados de uso público como ferramenta de gerenciamento para ações do Inea.
Nenhum comentário foi feito pela Secretaria em relação à interrupção do programa ou ao desmonte de sua equipe original.
A atual gestão da SEA afirma não ter responsabilidade pela interrupção do programa ou pelo desmonte de sua equipe original, atribuídos internamente à gestão de Indio de Costa.
*Editado às 13h30, 12/02/2015.
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