foto: Fundação Florestal
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Corria o ano de 1983, a Fundação Zoológico de São Paulo queria fazer experimentos com animais em ambientes isolados e o empreendedorismo nacional via a Ilha Anchieta, na região de Ubatuba (SP), como palco de um grande loteamento com prédios e marinas.
A saída encontrada pelas cabeças da época foi despejar na ilha uma centena de animais da Mata Atlântica e do Cerrado, de 17 espécies. Assim, se resolvia o problema da curiosidade científica e se escanteava a iniciativa imobiliária.
Mas quando se trata de meio ambiente, alguns problemas surgem no delongo do tempo, e com caprichos de complexidade. Mudanças políticas encerraram com o acompanhamento para os novos habitantes da ilha poucos anos depois de sua chegada. E lá ficaram. Hoje, Anchieta tem a maior densidade de animais de toda a Mata Atlântica, inclusive em áreas protegidas. Desde que aportaram em Anchieta, algumas espécies tiveram sua população incrementada em até 140 vezes. Tudo graças ao isolamento e à distância de predadores.
Lutando por comida e espaço nos menos de novecentos hectares declarados como parque estadual em 1977, cutias, sagüis, coatis, macacos-prego, capivaras e outras espécies contribuem para degradar uma área que sofre desde a chegada dos primeiros exploradores à costa brasileira, apontam estudos recentes. Caçadas eram comuns por lá durante a operação de um presídio, entre 1907 e 1955 (veja ruínas aqui).
Em quase dois anos de trabalho, especialistas ligados às universidades Estadual Paulista, Federal de Minas Gerais, da Califórnia e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia observaram que a predação de ovos por macacos e outras espécies é tão grande que ameaça populações locais de aves, principalmente das que constroem ninhos no chão, e dificulta a colonização da área por animais migrando do continente. Coatis também devoram cobras e capivaras se encarregam de aparar a vegetação que tenta crescer. Mas nos pontos mais elevados, a floresta vem se recuperando.
Intervenção
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A bióloga Marina Fleury fez sua pesquisa de doutorado sobre vegetação em Anchieta e avalia que o histórico de degradação ambiental da ilha pode trazer lições sobre a restauração de ambientes naturais, envolvendo manejo de solo, de vegetação e de fauna e distribuição de sementes. “Um trabalho de restauração bem feito na ilha pode servir como lição para recuperar outras áreas de Mata Atlântica”, comentou.
Mas para ela, será preciso uma firme intervenção oficial para devolver ao parque sua função mais importante como área protegida, preservar a Mata Atlântica. Ela não descarta a eliminação das capivaras e controle severo sobre outras espécies. Segundo a pesquisadora, os grandes roedores estão comendo tudo que podem pela escassez de alimentos.
“Isso é positivo para o controle de gramíneas, mas também comem flores e brotos e impedem a recuperação da flora em alguns pontos da ilha. E há o problema do pisoteio, pois ali a espécie descansa menos do quem em outras áreas, procurando por comida, e se alimenta de plantas com baixo valor energético”, disse. “A capivara não ocorreria normalmente numa ilha do tamanho de Anchieta, e transferir sua população seria transferir o problema. A saída é dizimar todas, e de uma vez só. Se não, tendem a aumentar depois pela maior oferta de recursos”, explicou.
Chefiando o parque desde 2006, Viviane Buchianeri avalia que os problemas ambientais de Anchieta não têm a dimensão pintada na maioria dos trabalhos científicos. Para ela, a verdade é que não há consenso quanto aos reais impactos das espécies introduzidas sobre o ambiente da ilha. “A situação está sob controle, mas como gestora da área, gostaria de respostas. Precisamos de mais pesquisas”, salientou.
Conforme a engenheira agrônoma, a vegetação está em franca recuperação e animais como a capivara tendem a se extinguir naturalmente, por questões genéticas. Em ambientes isolados, cruzamentos entre parentes são inevitáveis, gerando filhotes frágeis. “Muitos morrem antes do período fértil, apresentam problemas de pelagem, feridas nos olhos e corpo. Com o tempo se auto-extinguirão. Estamos vendo na prática a recuperação das matas e a o declínio de populações de espécies introduzidas”, disse.
Das 17 espécies introduzidas há 26 anos, pelo menos cinco estão extintas.
O plano de manejo de Anchieta deveria ser revisado a cada cinco anos. Parou na primeira versão, de 1989. “Precisamos de recursos para sua revisão. Enquanto isso, estamos reunindo todos os estudos feitos sobre a área”, comentou Buchianeri.
No gosto do público
A meros quatrocentos metros do continente, Anchieta recebe cerca de 120 mil turistas por ano. Quatro em cada dez visitam o local em janeiro, mas todos chegam lá em embarcações e adoram ver bem de perto animais que raramente são avistados em unidades de conservação tradicionais. O ingresso custa dez reais.
Segundo Buchianeri, entre julho e novembro a quantidade de comida diminui nas matas e os animais se aproximam dos pontos mais visitados. “Os animais são super atrativos para os turistas, mas usamos essa característica de Anchieta como educação ambiental, como forma de despertar o interesse pela proteção dos animais na ilha e no continente”, disse.
Conforme a bióloga Marina Fleury, a afinidade do público com as espécies introduzidas na ilha poderá dificultar sua retirada no futuro. “Se houver remoção dos animais, ela precisará do entendimento e do apoio da população”, avaliou.
Atalhos:
Parque Estadual da Ilha Anchieta
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O que ocorreu em março de 1983 foi um mero descarte de excedente de animais feito pelo Zoológico de São Paulo. Não tinham como descartar e viram na Ilha Anchieta uma excelente oportunidade.
Tudo o mais que se diz não tem fundamento.