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A velha receita do Novo Progresso

Separadas no mapa por mais de 3,6 mil quilômetros, duas histórias se juntaram aqui no Eco para mostrar que a verdadeira receita da unidade nacional é o bom e velho fogo no mato.

27 de agosto de 2009 · 15 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Se não fosse tão avesso a trombetear seus formidáveis méritos, o governo Lula poderia dizer que neste momento o Brasil vai a pleno vapor. Fumaça, pelo menos, não lhe falta para crescer. As últimas notícias sobre queimadas juntaram na mesma semana exemplos da Floresta Nacional do Jamanxin, no Pará, e de São José dos Ausentes, na serra do Rio Grande do Sul.

Entre as matas paraenses e os cânions gaúchos vai uma boa distância. Contando por baixo, uns 3.600 quilômetros. Mas, no sul, a engenheira agrônoma Maria Tereza Pádua resolveu mostrar as maravilhas do país a uma norueguesa e um peruano. Botou-os no carro em Florianópolis. E tomou o rumo a um de seus roteiros favoritos, o caminho de Urubici ao Cachoeirão dos Rodrigues. E, nesta matéria, uma escolha feita por ela é para se levar a sério. Como presidente do Ibama, ela foi a melhor madrinha que já tiveram no Brasil os parques nacionais e outras unidades de conservação.

Feiúra e beleza

Mas dessa vez ela estranhou o cenário: “Só o que vimos, especialmente no lado do Rio Grande do Sul, foram incêndios, mais incêndios e muita fumaça. Poder-se-ia pensar que agora é época de se queimar os pastos, pois é mesmo, mas o trágico foi que também se queimavam araucárias, capões de araucárias em várias frentes, a tal ponto que ficamos apreensivos de continuar, pois em alguns locais o fogo atravessava a estrada”.

Não se deu logo por vencida. “Mesmo com toda a feiúra provocada pelos incêndios, nós tínhamos de mostrar aos nossos visitantes os monumentos mais belos da região, pois para isso estávamos lá”, ela continua. Levou os turistas ao “cânion do Monte Negro, que é um espetáculo”. E o encontrou tapado. “Havia fumaça por todos os lados que se olhava. E mesmo no acesso ao cânion tudo estava torrado”.

Os olhos de Maria Tereza arderam tanto na viagem que ela chorou. Mas nem por isso se deixou cegar como senador paraense Flexa Ribeiro, que mais ou menos na mesma ocasião foi à tribuna, em Brasília, para louvar os posseiros que andam derrubando a Floresta Nacional do Jamanxin, que é área protegida desde 2006. Entrou no pacote ecológico dos 2,8 milhões de hectares que o governo transformou em reserva, para fingir que vacinava a Amazônia contra o contágio do asfalto na BR-163.

A partir desse belo gesto de conservação ambiental, a floresta do Jamanxim já perdeu 150 mil hectares. Ou quase um parque nacional como o do Iguaçu. Só nesses últimos dias, foram detectados lá dentro 624 focos de incêndio. A fumaça lá é tanta que os helicópteros da fiscalização em puderam sobrevoar as queimadas, para avaliá-las, conta a repórter Andreia Fanzeres. E mal se respira no núcleo de desmatamento chamado Novo Progresso – cujo nome é mais uma generosa oferta da civilização brasileira à antologia internacional do humor involuntário.

Diante dessas evidências, o que viu o senador Flexa Ribeiro? Ele viu “quase mil famílias atingidas pela Floresta Nacional do Jamanxim”. Dito assim, parece que estavam ali quietinhas em seu canto, quando veio a floresta e – nhoc! – engoliu-as por decreto. Mas Flexa Ribeiro tem a solução na ponta da língua. Trata-se de “um povo ordeiro”, que “tem atitude de conservação”, e está pronto a “não fazer mais abertura de floresta”, desde que possa “continuar suas atividades”. Não é uma obra-prima da política de conciliação?

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