Espalhado pelo globo, um grupo muito especial de insetos superespecializados se reproduz alterando geneticamente folhas, galhos e até troncos de determinados vegetais.
Um exemplo vem da família dos figos, com cerca de 900 espécies silvestres. Cada uma depende de um inseto diferente, que a usa como alimento e a poliniza, criando “pequenos tumores” chamados de galhas em alguns frutos, onde deposita larvas para procriar. Outros insetos fazem suas crias se alimentarem formando “minas”, “avenidas” no verde das folhas.
Mas tamanha ligação entre inseto e vegetal, associada à degradação de ambientes, coloca em xeque a sobrevivência dessas espécies, úteis à polinização de variedades nativas e comerciais e à manutenção do equilíbrio ecológico que garante a saúde das matas. Sem falar em “usos populares” para habilidade tão incomum no mundo dos insetos. Em regiões do Nordeste, folhas de madioca crivadas de galhas mostram que chegou a hora da colheita.
Depois de cruzar dados sobre desmatamento nas 34 regiões mais ameaçadas e ricas em vida no planeta (veja aqui) , o professor do centro de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Carlos Roberto da Fonseca, descobriu que entre 200 e 550 mil espécies de insetos galhadores e minadores podem ter sido extintos. Essas áreas abrigam mais da metade das espécies de plantas e pelo menos 42% dos vertebrados conhecidos. Os resultados foram publicados na revista Conservation Biology.
“O desmatamento, a ação humana, é o principal fator de extinção, mesmo que cada região tenha sua história. A Mediterrânea é ocupada há mais tempo e tem extinções mais antigas, enquanto que na Caatinga e Amazônia, por exemplo, o desflorestamento está em curso”, disse Fonseca.
Doutor pela Universidade de Oxford (Inglaterra), ele explica que galhadores e minadores são muito sensíveis à perda e à fragmentação de florestas porque têm distribuição restrita no ambiente. Mesmo que uma árvore ou arbusto cresça em vários locais da Mata Atlântica, um determinado inseto só se alimenta e se reproduz em uma região muito específica. “Por isso desmatamentos que causem extinções locais de algumas plantas podem eliminar de carona alguns desses insetos. Eles não podem se alimentar de outra planta ou não conseguem migrar por terem pequeno porte. É uma extinção silenciosa”, comentou o pesquisador.
Focos nacionais
Pelos cálculos de Fonseca, da UFRN, da Mata Atlântica podem ter desaparecido de 15 a 38 mil espécies de galhadores e minadores, jogando o bioma para a sexta posição global em perdas de espécies de insetos. Já no Cerrado, o prejuízo foi estimado entre 6 e 15 mil espécies, classificando-o como décima área mais prejudicada no mundo, entre as 34 avaliadas pelo especialista. Da Mata Atlântica, resta menos de 10% da vegetação original. Do Cerrado, praticamente metade foi para o beleléu. Em ambos os biomas, o que resta de verde apresenta alto grau de fragmentação.
“Num cenário de extinções em série impostas pelo Homem, tamanha especialização tornou-se uma desvantagem para essas espécies”, comentou professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Geraldo Wilson Fernandes. “Estamos perdendo riqueza biológica, serviços ambientais e compostos químicos que um dia podem ser extramamente úteis”, ressaltou.
Segundo ele, há até cerca de três anos não se conhecia o potencial da Amazônia em abrigar insetos galhadores e minadores. A surpresa foi encontrar inúmeras espécies na copa das árvores. O pesquisador explica que o dossel amazônico é totalmente distinto do ambiente quente e úmido associado à floresta tropical, com condições de temperatura umidade mais próximas ao das savanas. “É um ambiente seco, com folhas grossas e duras, que atrai várias espécies de insetos herbívoros”, disse.
Artimanhas naturais
Fonseca explica que as fêmeas de galhadores depositam seus ovos nas folhas, onde seus genes forçam a produção de galhas com tecido e nutrientes da própria planta. No interior do curioso casulo, há alimento e condições adequadas para o crescimento da larva. “É uma estrutura produzida pela planta sob ordem do galhador. Há vespas que depositam seus ovos em galhas de outros insetos, apelando para o parasitismo”, comentou.
Pesquisadores brasileiros descobriram que os vegetais têm suas armas contra essa engenharia genética natural. Alguns vegetais desenvolveram a capacidade de matar células no entorno das galhas, cortando o fluxo de nutrientes que mantém o ninho vivo.
Esse tipo de habilidade, seja do inseto ou da planta, vem despertando o interesse da indústria, conta Fernandes. Segundo ele, há pesquisas de seleção genética para tornar variedades de arroz, soja, milho e outras culturas resistentes aos galhadores. O interesse da indústria é gigante, mas no Brasil o assunto é pouco estudado. Há grupos de pesquisa na Universidade de Yale (Estados Unidos), na Nova Zelândia e Israel.
Papel de cada um
Não fosse a predominância de uma “ecologia de Arca de Noé”, focada em espécies de grande porte, comentou Fernandes, os insetos receberiam mais atenção da ciência e das políticas oficiais de proteção ambiental. “Ninguém liga muito para insetos, apesar de serem importantíssimos para o funcionamento dos ecossistemas e nos prestarem uma série de serviços ambientais. Eles polinizam árvores frutíferas e fazem controle de muitas pragas que afetam plantações, entre muito trabalho gratuito”, apontou.
Fonseca, professor da UFRN, avalia que as altas taxas de extinção de insetos deveriam levar os governos federal, estaduais e municipais a implantar mais unidades de conservação, inclusive de pequeno porte, “já que insetos são capazes de viver em pequenas áreas”, além de colocar em prática “políticas mais eficientes para diminuir as taxas de desmatamento”.
Mas a sobrevivência de insetos não depende só da mão governista. Cada cidadão pode fazer a sua parte. Segundo Fonseca, basta deixar áreas com vegetação natural nas propriedades, não usar fogo para “limpar” terrenos abandonados, usar cercas verdes e montar jardins com plantas nativas. “Há quase duas décadas os australianos vêm construindo seus jardins dessa maneira, com plantas naturais do país. No Brasil é totalmente o contrário. Isso não ajuda em nada nossa biodiversidade”, comentou.
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