O trabalho aconteceu durante o ano de 2010 através do caminhão do projeto “A Mata Atlântica é aqui – exposição itinerante do cidadão atuante”. De posse de um kit de monitoramento, foi possível classificar as águas de rios, córregos e lagos, por exemplo, em cinco categorias: péssimo (de 14 a 20 pontos); ruim (de 21 a 26 pontos); regular (de 27 a 35 pontos); bom (de 36 a 40 pontos) e ótimo (acima de 40 pontos). Este sistema tem base no Índice de Qualidade da Água (IAQ), padrão definido pelo Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente), e as pontuações giram em torno de parâmetros como temperatura, espumas, peixes e lixo.
“As coletas de água foram realizadas em corpos d’água de regiões urbanas, mesmo no caso dos parques. Portanto, a principal fonte de poluição constatada foi o esgoto doméstico sem tratamento, ou com baixos índices de tratamento de esgotos. As consequências mais nefastas são as doenças de veiculação hídrica, o impacto aos ecossistemas e o empobrecimento das regiões afetadas pela poluição dos rios”, avalia Malu Ribeiro, coordenadora da Rede de Águas da Mata Atlântica na SOS.
É mais do que urgente, aliás, abrir os olhos para os impactos. Isso porque, dos 43 corpos d´água monitorados, 70% se enquadram no nível regular, 25% no ruim e 5% no péssimo. Ou seja, absolutamente nenhum chegou perto de índices de pureza considerados satisfatórios. Com 34 pontos, o Rio Doce (em Linhares, Espírito Santo) e a Lagoa Maracajá (Lagoa dos Gatos, Pernambuco) lideram o ranking. Já o Rio Verruga (Vitória da Conquista, Bahia) e o Lago do Quinta da Boa Vista (Rio de Janeiro, RJ), com 19 e 17 pontos, respectivamente, amargam as últimas colocações.
De acordo com Malu Ribeiro, há maneiras de se contornar este quadro até certo ponto sombrio. A primeira delas é convencer as comunidades ribeirinhas e a sociedade como um todo do caráter indispensável da água, um bem escasso, para a vida. Ela indica que ainda vivemos o falso senso comum de que a água é abundante no Brasil. Já a segunda é o planejamento integrado das bacias hidrográficas brasileiras com o saneamento básico.
“Ainda não somos capazes de planejar ações que minimizem os eventos climáticos extremos, como as grandes secas ou as grandes cheias e a cada ano assistimos às mesmas tragédias anunciadas, que afetam drasticamente as populações mais desprovidas de recursos que moram em áreas de encostas, fundos de vales, várzeas e beiras de rios (as APP – áreas de preservação permanente – determinadas pelo Código Florestal) e que têm a função de resguardar a vida e o equílibrio hidrológico”.
Nota da redação: “A entrevista com Malu Ribeiro foi realizada em 11 de janeiro. Um dia depois, chuvas torrenciais deixaram, mais uma vez, um cenário de tragédia e devastação no estado do Rio de Janeiro. Até o fechamento desta reportagem, mais de 330 pessoas tinham morrido na região serrana em virtude do evento climático extremo”.
Água privatizada
O objetivo da exposição itinerante da ONG, que entra em seu terceiro ano, é sensibilizar diretamente a população sobre a importância de se conservar a Mata Atlântica na rotina da cidade e de seus habitantes. Para tanto, há oficinas, palestras, exposições e outras atividades realizadas pela equipe que viaja no caminhão e parceiros locais. Segundo Camila Plaça, coordenadora deste projeto, uma das histórias mais emocionantes aconteceu em setembro de 2010, na cidade de Murici, em Alagoas.
Muito afetada pelas tempestades torrenciais que caíram sobre o estado naquele ano, ela estava carente de eventos de lazer. O veículo da exposição ficou lotado de crianças, que aprenderam bastante acerca dos cuidados necessários com a natureza, e os moradores conseguiram entender que os prejuízos causados pela chuva se devem, em grande parte, ao desmatamento da floresta.
“(Para ser escolhida) A cidade estar dentro dos limites da Mata Atlântica, ou ser uma cidade estratégica para a defesa do bioma, como Brasília, por exemplo. Também levamos em consideração outros critérios como localização geográfica, índices de desmatamento da região, iniciativas em prol do meio ambiente, presença de ONGs parceiras, entre outros”, afirma Plaça.
Malu Ribeiro vai mais longe. Para ela, uma região como a Mata Atlântica nunca deveria passar por problemas de escassez de água. Isto só acontece em função do desperdício, poluição e impermeabilização dos solos, fatos que geram dificuldades notórias de abastecimento e inúmeras enchentes e acidentes climáticos. O reflexo disto é simples e perverso: a água acaba privatizada e poucos podem ter acesso.
“Nas grandes e médias cidades do Brasil, as pessoas que têm melhores condições econômicas não bebem água das torneiras. Ou seja, bebem água mineral ou mineralizada, fornecidas por empresas privadas em galões. Isso é um retrato perverso da exclusão hídrica. Quem tem dinheiro para pagar de R$ 4,00 a R$ 5,00 por um galão de água de 20 litros, que dá para 08 dias em uma familia de cinco pessoas, bebe água em tese de boa qualidade; quem não tem dinheiro bebe a água das torneiras, quando ela chega”, finaliza.
Lista completa dos rios (Fonte: SOS Mata Atlântica)
Estado |
Cidade |
Corpo d’água |
Pontuação |
AL |
Maceió |
Rio Salgadinho |
23 pts. – Ruim |
AL |
Murici |
Rio Mundaú |
30 pts. – Regular |
BA |
Teixeira de Freitas |
Rio Itanhém |
26 pts. – Ruim |
BA |
Porto Seguro |
Rio Buranhém |
30 pts. – Regular |
BA |
Ilhéus |
Rio Cachoeira |
26 pts. – Ruim |
BA |
Vitória da Conquista |
Rio Verruga |
17 pts. – Péssima |
BA |
Salvador |
Rio Jaguaribe |
30 pts. – Regular |
BA |
Salvador |
Rio Pituaçu |
32 pts. – Regular |
BA |
Feira de Santana |
Rio Jacuípe |
27 pts. – Regular |
CE |
Aracati |
Rio Jaguaribe |
31 pts. – Regular |
CE |
Fortaleza |
Rio Cocó |
31 pts. – Regular |
CE |
Fortaleza |
Rio Maranguapinho |
25 pts. – Ruim |
CE |
Caucaia |
Rio Ceará |
29 pts. – Regular |
DF |
Brasília |
Lago Paranoá |
33 pts. – Regular |
ES |
Cachoeiro de Itapemirim |
Rio Itapemirim |
32 pts. – Regular |
ES |
Vitória |
Rio Santa Maria da Vitória |
26 pts. – Ruim |
ES |
Linhares |
Rio Doce |
34 pts. – Regular |
GO |
Goiânia |
Rio Meia Ponte |
25 pts. – Ruim |
GO |
Goiânia |
Rio João Leite |
29 pts. – Regular |
MG |
Caratinga |
Rio Caratinga |
23 pts. – Ruim |
MG |
Belo Horizonte |
Ribeirão Arrudas |
25 pts. – Ruim |
MG |
Juiz de Fora |
Rio Paraibuna |
25 pts. – Ruim |
MG |
Januária |
Rio São Francisco |
33 pts. – Regular |
MG |
Montes Claros |
Córrego Vieira |
30 pts. – Regular |
MG |
Teófilo Otoni |
Rio Todos os Santos |
26 pts. – Ruim |
PB |
Campina Grande |
Açude Velho |
30 pts. – Regular |
PB |
João Pessoa |
Rio Sanhauá |
29 pts. – Regular |
PE |
Garanhuns |
Rio Mundaú |
30 pts. – Regular |
PE |
Lagoa dos Gatos |
Lagoa Maracajá |
34 pts. – Regular |
PE |
Caruaru |
Rio Ipojuca |
26 pts. – Ruim |
PE |
Jaboatão dos Guararapes |
Rio Jaboatão |
30 pts. – Regular |
PE |
Recife |
Rio Capibaribe |
28 pts. – Regular |
PE |
Recife |
Açude do Prata |
33 pts. – Regular |
RJ |
Teresópolis |
Rio Paquequer |
30 pts. – Regular |
RJ |
Rio de Janeiro |
Lago do Quinta da Boa Vista |
19 pts. – Péssima |
RJ |
Nova Friburgo |
Rio Cachoeira |
27 pts. – Regular |
RJ |
Campos dos Goytacazes |
Rio Doce |
29 pts. – Regular |
RJ |
Resende |
Rio Paraíba do Sul |
30 pts. – Regular |
RN |
Natal |
Rio Potengi |
28 pts. – Regular |
SE |
Aracaju |
Rio Poxim |
32 pts. – Regular |
SP |
Mogi das Cruzes |
Rio Tietê |
27 pts. – Regular |
SP |
São José dos Campos |
Rio Paraíba do Sul |
29 pts. – Regular |
SP |
Osasco |
Nascente do Rio Bussocaba |
29 pts. – Regular |
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