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Recessão é chance de repensar futuras hidrelétricas na Amazônia, diz engenheiro

Especialista em demanda energética, Fernando Almeida Prado Jr. questiona a necessidade de construir novas hidrelétricas na Amazônia.

Peter Moon ·
16 de fevereiro de 2016 · 9 anos atrás
Rio Tapajós, onde o governo planeja instalar a nova mega-hidrelétrica brasileira. Foto: Fábio Nascimento/Greenpeace
Rio Tapajós, onde o governo planeja instalar a nova mega-hidrelétrica brasileira. Foto: Fábio Nascimento/Greenpeace

O consumo de energia elétrica no Brasil caiu 2,1% em 2015, uma decorrência direta da depressão econômica que o país atravessa. A queda foi puxada principalmente pelo recuo do consumo das indústrias (-5,3%), mas também pelo consumo residencial (-0,7%), segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética). Tal desempenho é frontalmente contrário às estimativas que haviam sido projetadas pela mesma EPE no ano anterior. Em janeiro de 2014, a empresa contemplava para o período de 2014 a 2023 um crescimento médio anual da demanda total de eletricidade de 4,3%. No mesmo período, a produção de energia elétrica no Brasil precisaria crescer 42.600 megawatts, o equivalente a mais de três usinas de Itaipu, a maior do país. Será mesmo?

É com base nas estimativas da EPE que o governo federal projeta a ampliação da geração de energia, via hidrelétricas, termelétricas e parques eólicos. O governo espera construir e colocar em operação 34 novas usinas hidrelétricas até 2030. Destas, 15 seriam instaladas na Amazônia, todas com elevados custos socioambientais.

As três maiores barragens em fase de construção, licitação ou projetos, todas na Amazônia, são as usinas de Belo Monte, no rio Xingu; de São Luiz dos Tapajós, no rio Tapajós; e a usina de Jatobá, também no Tapajós. Diante do quadro recessivo atual, com perspectivas nada otimistas para os próximos anos, será que elas ainda são necessárias?

“Faz 20 anos que as projeções do governo para o aumento da demanda ficam em torno dos 4% ao ano. São projeções exageradas, que jamais se confirmaram,” afirma Fernando Almeida Prado Jr., especialista em demanda energética e professor da Escola Politécnica da USP.

Prado enxerga no tombo atual no consumo de eletricidade no país uma oportunidade para repensar todos os projetos de ampliação de geração de energia. “É uma chance de o governo se redimir e rever a formulação de estimativas exageradas. Afinal, qual é a melhor opção de geração energética para o Brasil? De quanta energia o Brasil precisa?”, questiona o pesquisador, que publicou com colegas da Universidade da Flórida um artigo sobre essas questões no periódico Renewable and Sustainable Energy Reviews.

Se a demanda energética caiu e permanecerá reduzida nos próximos anos, a questão é saber quais projetos de usinas podem e devem ser repensados. O problema aí, como em quase tudo o que diz respeito à geração de energia, é a oposição entre o que seria estratégico em termos de segurança energética e o que é ideal do ponto de vista climático e de conservação.

Para alguns ambientalistas, o ideal seria a suspensão total da construção de barragens na Amazônia e sua substituição por novos parques eólicos e solares. Para os formuladores da política energética, o ideal seria construir usinas que maximizassem a capacidade geradora constante de eletricidade – a tal “energia firme”, ou geração sem intermitências relacionadas ao regime de chuvas ou à oscilação no volume dos reservatórios –, ao mesmo tempo minimizando os custos de construção e de geração. Agradar a um só tempo aos ambientalistas e à população afetada, de um lado, e aos técnicos, burocratas e políticos, do outro, é uma equação quase insolúvel.

Em relação ao regime militar, quando simplesmente se mandava fechar as comportas e encher o reservatório, o país avançou. “Hoje seria impossível construir usinas que provocaram desastres ambientais, como Balbina, Curuá-Una, Samuel e Tucuruí,” afirma Prado. À exceção da última, essas usinas têm capacidades questionáveis de geração, e todas elas alagaram imensas áreas de mata sem o devido manejo florestal. Décadas depois da formação de seus lagos, milhões de troncos continuam submersos e em decomposição, liberando gases de efeito estufa como CO2 e metano.

A polêmica usina de Belo Monte, projetada pelos militares, mas só agora executada, é um exemplo de como o tamanho final do reservatório e, por consequência, a energia firme, foram influenciados por fatores socioambientais. O projeto inicial previa uma usina maior que Itaipu, com potência de 18 mil megawatts, a ser lastreada por um lago de 1.200 km2 (300 mil campos de futebol), que inundaria terras indígenas. O projeto final reduziu o reservatório para 500 km2 de área inundada (120 mil campos) e potência nominal de 11 mil megawatts. A potência real a ser entregue, no entanto, será muito menor. Por operar a “fio d’água”, ou seja, com reservatório reduzido, e depender da extrema variação sazonal da vazão do Xingu, Belo Monte produzirá efetivamente 4.500 megawatts em média, 39% da sua capacidade máxima, ou um terço de Itaipu. Projeções feitas pelo estudo “Brasil 2040” com base em modelos climáticos do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) indicam que a entrega de energia poderá ser ainda menor no meio do século, aproximando Belo Monte do fator de capacidade (a energia efetivamente gerada) de usinas eólicas. Tudo isto ao custo de construção de R$ 30 bilhões.

Apesar das alterações do novo projeto, no fim das contas ninguém ficou satisfeito, nem os ambientalistas, nem os índios e ribeirinhos afetados pela obra, nem os formuladores da política energética e os operadores da usina.

Dito isto, será que as lições de Belo Monte estão sendo aplicadas nas outras três dezenas de usinas que estão em fase de construção, licitação ou projeto? “É realmente vantajoso para o país a substituição de uma usina de 18 mil megawatts de capacidade instalada por outra de 11 mil megawatts?”, questiona Prado.

A questão da entrega efetiva de carga pelas usinas é um dos pontos nos quais Prado mais bate. A diferença entre os 11.000 megawatts nominais e os 4.500 megawatts efetivos entregues por Belo Monte terá de ser necessariamente suprida, segundo Prado, por outras fontes na matriz energética brasileira.

A fonte ideal seria a eólica. Mas, segundo Prado, é uma fonte intermitente, que depende da constância e da quantidade dos ventos. “Na prática, a falta da carga de Belo Monte recairá sobre as termelétricas, cujo custo de geração é altíssimo, bem como o peso no bolso dos consumidores.” Sem falar no custo ambiental, devido à liberação de gases do efeito estufa, que no caso das termelétricas é proporcionalmente muito maior do que o liberado pelas hidrelétricas.

“Isto não é verdade. Há estudos que mostram que o potencial de geração de energia eólica no Brasil é muito maior do que o potencial de geração de novas hidrelétricas,” discorda o ecologista Philip Fearnside, pesquisador do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas) e crítico histórico das grandes hidrelétricas na região. “O Brasil têm um litoral enorme e o vento que vem do oceano é constante, sobretudo se as torres forem muito altas.”

A energia solar também é uma opção, no caso específico do Nordeste. “O problema são as nuvens. Há no Nordeste regiões com baixa produtividade [agrícola], muita insolação e poucas nuvens. São locais ideais para a instalação de grandes plantas de energia solar.”

Ricardo Baitelo, coordenador de clima e energia do Greenpeace, também discorda da necessidade do uso de térmicas para suprir a demanda não atendida por Belo Monte. “O Brasil precisa ser mais ambicioso na produção e uso das energias alternativas,” afirma. “O custo da geração de energia eólica e solar caiu muito, e ainda temos as térmicas de biomassa, que usam bagaço de cana e cuja geração não é intermitente, mas constante.”

Graças à queda no consumo de energia, que segundo Baitelo jogou para 2020 a demanda de energia antes esperada para 2017, abriu-se uma janela de oportunidade de cinco anos. Portanto, ainda há tempo de repensar a necessidade de futuras usinas. Mas quais projetos deveriam ser reavaliados? Segundo ele, as duas maiores barragens que estão em projeto ficam no rio Tapajós: São Luiz e Jatobá.

A usina de São Luiz do Tapajós, prevista em tese para entrar em operação em 2021 e que o governo quer leiloar ainda neste ano, poderá inundar 700 km2 de floresta (quase meia cidade de São Paulo) para gerar 8.000 megawatts nominais. Jatobá, que em tese seria ligada em 2023, poderá inundará 650 km2 para gerar 2.300 megawatts nominais. Ambos os lagos são maiores que o de Belo Monte. Uma análise do Ipam, divulgada em dezembro durante a COP21, prevê que o desmatamento na bacia do Tapajós pode subir 25% com as obras.

Vale a pena? “As usinas de São Luiz e Jatobá deveriam ser mais amplamente discutidas e reavaliadas. São obras muito grandes e que merecem maior atenção da sociedade,” diz Prado. Ainda há tempo para isso.

 

*Este artigo foi publicado originalmente no site do Observatório do Clima, republicado em O Eco através de um acordo de conteúdo. logo-observatorio-clima

 

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  • Peter Moon

    Peter Moon é um repórter científico, historiador da ciência e pesquisador da história natural da América do Sul

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Comentários 3

  1. George diz:

    Eólica e solar funcionam melhor pulverizadas, com milhares de pequenas instalações – no caso da solar, até mesmo milhões.

    A escala de cada empreendimento é pequena, e o lucro é dispersado por muitos. Não tem onde montar esquemas que acabem em "ão".


  2. sousa santos diz:

    Todo mundo que a finalidade de políticos e governos se interessarem tantos por essas mega obras : Hidrelétricas , portos ,rodovias , etc é a gigantesca possibilidades de sobrepreço , corrupção , desvio de verbas e etc.


  3. Roseane Martins diz:

    Sabemos que o brasil é um potencial tanto para eólica como solar, mas os políticos estão desprezando o conhecimento e a visão futurista dos especialista brasileiros.