Reportagens

Turismo ecológico é a nova indústria das baleias

Por séculos caçadas pelo seu óleo e carne, as baleias francas voltaram ao litoral catarinense para impulsionar atividades que as preservam.

Carolina Coral ·
30 de setembro de 2011 · 13 anos atrás
A baleia "Daiane dos Santos", campeã nos saltos. Foto: Enrique Litman
A baleia "Daiane dos Santos", campeã nos saltos. Foto: Enrique Litman
“Sou o mar! sou mar! meu corpo informe/ Sem dimensão e sem razão me leva/ Para o silêncio onde o Silêncio dorme.” Fonte de inspiração de poetas como Vinícius de Moraes, autor desses versos, a conexão do homem com o mar vai muito além das palavras. O neurocientista norte-americano, Wallace J. Nichols, coordenador do projeto BLUEMIND, da California Academy of Sciences, é um dos pioneiros em pesquisas que visam a compreender está relação entre o homem e o oceano, e seus benefícios a saúde. Nichols esteve presente neste mês setembro, no Travelmart Latin América em Florianópolis e em seguida partiu para Praia do Rosa, em Imbituba, para desfrutar da paisagem paradisíaca da única praia brasileira que faz parte do Clube das Baías mais Belas do Mundo. Em 2003, a praia do Rosa ingressou no clube sediado em Vannes, na França, e que conta com a chancela da UNESCO. Atualmente, são membros 30 países que unem em uma mesma entidade os mais lindos litorais do planeta.

Apesar do vento frio e do céu nublado Nichols está extasiado pela atmosfera da baía e observa atentamente os movimentos das ondas à espera de uma oportunidade de ver uma baleia franca, muito comum nesta época do ano no litoral catarinense. “Por que as pessoas pensam em preservar as baleias, se hoje elas não tem mais um valor comercial?”, indaga. E ele mesmo responde: “Por que estamos conectados emocionalmente a todos os outros seres”. Sentado de frente para o mar, o neurocientista revela as diferentes formas como este interfere no estado mental das pessoas, desde o aroma da brisa, o som emitido pelas ondas, a apreciação de sua paisagem, assim como um refrescante mergulho. Ele explica que todos estes fatores ajudam a conduzir a mente para estados meditativos e de relaxamento.

Quase extinção

Praia do Rosa, onde o Instituto Baleia Franca tem sua sede. Foto: Enrique Litman
Praia do Rosa, onde o Instituto Baleia Franca tem sua sede. Foto: Enrique Litman
Segundo o Instituto Baleia Franca (IBF), coordenado por Enrique Litman, argentino residente no Brasil há mais de 15 anos, grande apaixonado e atuante permanente pela preservação das belezas naturais do Rosa, a franca foi uma das espécies de baleias mais abundantes em águas brasileiras. Entretanto, na década de 70, o excesso de caça a tornou quase extinta por aqui. Com a proibição mundial de caça na década de 80, a qual aderiu grande parte da comunidade internacional, elas aos poucos começaram a se multiplicar e voltar ao litoral catarinense. Infelizmente, continua entre as espécies mais ameaçadas de extinção no planeta. Um dos objetivos do IBF é justamente garantir a sua sobrevivência e a recuperação populacional. “As baleias francas são dóceis e frequentam áreas muito próximas as praias, por isso eram facilmente mortas pelos baleeiros. Hoje, as baías frequentadas por elas são classificadas como Área de Proteção Ambiental (APA), o que possibilita que elas permaneçam sem que sejam ameaçadas pelas embarcações. Todos que fazem observação de baleia precisam respeitar o cumprimento da legislação presente que é manter a distância de 100 metros destes cetáceos”, conta Litman.

Por meio do Programa de Monitoramento das Baleias Francas do IBF, sete biólogos em formação e graduados saem diariamente para observá-las. Dependendo das condições climáticas às vezes pode ser por terra, mas sempre que possível em embarcações que os levam para próximo delas. A bióloga e coordenadora do IBF, Mônica Pontalti revela que neste mês de setembro foram avistadas aproximadamente 32 baleias francas, mães e filhotes entre as baías de Garobapa e o Siriu. O monitoramento possibilita que se levantem dados sobre suas características, e principalmente seus comportamentos, já que estas ficam em media um mês na mesma baía junto aos seus filhotes, que começam a aprender seus primeiros movimentos natatórios para depois acompanharem suas mães em direção as águas geladas da Antártida. Além disso, são realizados sobrevoos que permitem fotos de identificação para cada baleia presente na costa. Mônica ressalta que se sente realizada por trabalhar diariamente em contato com as baleias e que todos os problemas cotidianos são deixados de lado na presença delas, além de vivenciar um sentimento de paz que a envolve profundamente.

O contato constante dos biólogos com as baleias permite que distingam uma da outra por meio de características particulares. A coordenadora destaca apelidos dados para as baleias francas presentes na região como a “Charmosa”, chamada assim devido suas largas calosidades lábias que parecem batom; a “Michael Jackson”, pois tem a metade do corpo branca e outra negra e sempre que esta se aproxima do barco faz várias acrobacias; e a “Daiane dos Santos”, que é fera nos saltos!

A baleia franca pode chegar a 18 metros e pesar até 60 toneladas, medidas que a torna o maior cetáceo do sul do Brasil. Uma de suas características mais marcantes e que a distingue das outras espécies de baleias são suas calosidades, espessamentos de pele onde habitam pequenos crustáceos. Outra particularidade é o modo de identificar a presença delas no mar, seu borrifo é em formato de “V” e pode atingir até 8 metros de altura.

A caça

Museu da Baleia de Imbituba. Foto: Enrique Litman
Museu da Baleia de Imbituba. Foto: Enrique Litman
Hoje restam menos de oito mil indivíduos desta espécie de cetáceo em todo o planeta, sendo 550 delas são frequentadoras da costa brasileira para a reprodução e para os primeiros meses de criação dos filhotes. Uma das oportunidades para conhecer a importância da baleia na cultura e na economia da região é o Museu da Baleia de Imbituba, que foi viabilizado pela parceria do Projeto Baleia Franca com a Petrobrás. O Museu mostra a relação dos homens com estes animais desde os primórdios da civilização, passando pelo período das grandes navegações até o histórico da matança de baleias no litoral catarinense, pratica trazida pela colonização açoriana. Os açorianos utilizavam o óleo de baleia para a iluminação pública e para a produção da argamassa das construções, além de alimentarem-se da sua carne. No entanto, o histórico da caça as baleias é ainda mais antigo, remete ao século XVII, onde eram capturadas em grande número e dizimadas em diversos litorais do mundo.

O primeiro defensor das baleias no Brasil foi José Bonifácio, o Patriarca da Independência, que alertou o Rei de Portugal no período colonial sobre os perigos da matança e da importância de protegê-las. No entanto, o país somente aderiu seriamente à proibição determinada pela Comissão Internacional Baleeira em 1986, quando foi proibida definitivamente a caça comercial de baleias em território nacional. Apesar de o Brasil ter sido o último país da América do Sul a abandonar esta prática, atualmente se destaca como um dos mais importantes defensores das baleias no cenário internacional.

Estrelas do turismo

Ao alcance das mãos... Foto: Enrique Litman
Ao alcance das mãos… Foto: Enrique Litman
Na direção oposta das caóticas temporadas de verão, o período de turismo de observação de baleias francas no litoral catarinense ocorre de julho a novembro, meses em que elas procuram as enseadas e baías protegidas de águas tranqüilas e de temperaturas amenas para cumprir seu ciclo reprodutivo dando a luz a seus filhotes. Esta época coincide com a baixa temporada de turismo da região, e deste modo torna o turismo de observação de baleias um fator importante para a economia local. Pois, existe um número crescente de turistas vindos de várias regiões do Brasil, assim como estrangeiros de todo mundo que vem até o litoral catarinense na esperança de vê-las de perto.

Monica Pontalti destaca que o turismo de observação de baleias é uma importante ferramenta de educação ambiental. O Instituto Baleia Franca acredita que as pessoas que conhecem de perto estes mamíferos passem a respeitá-los e amá-los, pois é isso que ocorre com os biólogos do Instituto. Além disso, ajuda a ampliar a preservação do ambiente como um todo, pois uma mera “bituca” de cigarro na praia pode causar danos em todo o ecossistema.

Os operadores internacionais de turismo que estavam em meados de setembro na praia do Rosa uniram-se aos participantes do Encontro das Baías Americanas promovida pelo Clube das Baías mais Belas do Mundo para realizarem o passeio de observação de baleias. O evento teve como objetivo principal o intercâmbio de experiências entre os membros do Clube e a criação de projetos que tornem estas baías referências internacionais em gestão turística e ambiental destas áreas costeiras. Estiveram presentes representantes da Baía de Chaleur, do Canadá e da Baía de Maldonado, do Uruguai. A entrada nesse grupo implica “um compromisso permanente com a conservação e proteção da baía, ampliação na promoção turística e acesso a verbas de projetos governamentais”, disse Rodrigo Garcia, biólogo e membro da Organização da Conservação de Cetáceos (OCC) do Uruguai, que trouxe uma proposta para ingressar no Clube.

Uma das questões levantadas no evento foi como conciliar a valorização destes sítios frágeis, tanto terrestres quanto marítimo, sem que ocorra um confronto entre a estrutura de urbanização turística e as belezas naturais destas regiões. Preocupados com estas questões um grupo de empresários, associações locais e comunidade apresentaram no encontro um plano de gestão da Praia do Rosa, batizado de Rosa 2020. Enrique Litman, um dos responsáveis por este projeto e pelo próprio evento, começou a frequentar a Praia do Rosa décadas atrás como surfista, assim como muitos outros praticantes do surf, tanto do Rio Grande do Sul quanto da Argentina. Sendo que, com o decorrer dos anos foram estes mesmos surfistas amadores que acabaram fixando-se na região como pequenos empresários, pois o amor deles pela praia do Rosa era tamanha que a cada verão mais amigos vinham visitá-los, o que levou com que suas casas se transformassem em pequenos redutos de turistas. E há poucos anos atrás estas estruturas foram ampliadas e refinadas em pousadas e ecos-resort. O Encontro das Baías Americanas também celebrou a abertura oficial da 15ª Semana Nacional da Baleia Franca, e foi realizado no Eco Resort Vida Sol e Mar.

... e das câmeras. Foto: Enrique Litman
… e das câmeras. Foto: Enrique Litman
Com a mesma perspectiva de preservar e conscientizar as pessoas da importância do meio ambiente no cotidiano delas, o projeto BLUEMIND coordenado por Nichols visa questionar o estilo de vida das sociedades modernas, onde o ritmo acelerado e o estresse são a tônica. O neurocientista também destaca a importância do contato com a natureza propiciado pelo turismo sustentável. E conclui que apesar de ainda não ter encontrado todas as respostas cientificas, destaca que nesta busca permanente do homem pelo equilíbrio, a contemplação do mar e de seu ecossistema, sem dúvida, ajuda a estabelecer uma conexão maior com nossa essência.

Carolina Coral é jornalista e reside em Florianópolis.

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