Na última terça-feira (30/01), uma onça-parda (Puma concolor) se refugiou em uma jaqueira na periferia de Dourados, a segunda maior cidade de Mato Grosso do Sul, e levou cerca de 24 horas para ser capturada. O fato atraiu mais de mil curiosos e a imprensa ao local, o que tornou o resgate do animal um espetáculo midiático de altíssimo risco.
O comandante da Polícia Militar Ambiental (PMA) de Dourados, capitão Matheus Taniguchi, conta que recebeu a informação de que uma onça teria sido vista no quintal de uma residência por volta de 5h30. A onça teria se assustado e pulou muros das residências.
“Fizemos buscas em uma chácara na região onde ela fora avistada, mas não a encontramos. Passamos a manhã com uma equipe fazendo rondas, até que por volta de 13 horas chegou a informação de que ela havia se refugiado em uma árvore na rua Santos Dumont, em Vila Bela”, disse o oficial à reportagem de ((o))eco.
Chegando ao local, policiais e bombeiros isolaram o quarteirão e orientaram os moradores a fechar portas e janelas e não sair. “A prioridade era a segurança do animal e das pessoas. Solicitamos apoio ao Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS), de Campo Grande [a 200 km de distância], pois estamos acostumados a capturar gambás, serpentes, tamanduás… não um animal nocivo como a onça” explicou o capitão.
Em poucas horas, uma multidão de curiosos se formou no local. Muitos estavam com o celular a postos, prontos para fotografar ou gravar o animal encurralado.
Experiente no manejo de fauna, o médico-veterinário Namor Zimmermann, professor da Universidade da Grande Dourados, foi chamado para ajudar no resgate. Ele disse que possui um rifle para dardos com tranquilizante apropriado para usar em um animal de grande porte como o felino, mas o equipamento estava em Campo Grande, por isso teve de solicitar outro emprestado de uma propriedade privada que mantém um centro de reabilitação de animais silvestres, a cerca de 180 km dali.
“Fizemos algumas tentativas, mas era um equipamento destinado a animais de pequeno porte. No primeiro disparo a agulha entortou, o segundo foi errado e outros atingiram o animal, mas não eram adequados, não se fixavam no couro dele “, conta.
A noite chegou e nada da onça descer. As equipes continuaram monitorando o felino até que, durante a madrugada, por volta de 5 horas, ele passou a se movimentar nos galhos com mais frequência. As autoridades decidiram então inibir a descida do animal com ruídos, pois haveria risco de fuga, o que poderia piorar a situação.
Após o sol raiar, finalmente chegou a equipe de veterinários e biólogos do Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (CRAS), de Campo Grande, com mais dois rifles. Mais algumas tentativas de disparos foram realizadas. Um bombeiro militar subiu em um guindaste de um caminhão à altura da onça e fez o disparo certeiro, mas o dardo não se fixou no corpo, injetando uma dose menor do que a desejada.
“A onça ficou parcialmente sedada, desceu à meia altura da árvore e deitou em um galho. Com um cambão [ferramenta utilizada na captura de animais silvestres], conseguimos fazê-la cair na rede de contenção que policiais e bombeiros sustentavam”, disse Zimmermann.
Devido à queda, o animal tentou fugir, dando trabalho aos homens que tentavam contê-lo. Outro dardo foi disparado e após alguns minutos o tranquilizante surtiu efeito (veja o vídeo).
A onça-parda foi, então, posta em uma gaiola de metal e levada ao hospital veterinário da Unigran, onde passou por exames: “Ela tinha um ferimento, provavelmente ocorrido ao pular muros. Foi suturado, coletamos uma amostra de sangue, não havia lesões ocasionadas pela queda da árvore. Para não administrar mais anestésicos, optamos por suspender o efeito sedativo e encaminhamos à soltura, por orientação da equipe do CRAS”, contou Zimmermann.
Após as análises, constatou-se que a onça-parda é um jovem macho, com idade entre 3 a 4 anos, pesando cerca de 60 quilos. Ela foi devolvida à natureza por uma equipe do CRAS em uma área de reserva de uma propriedade rural, credenciada a receber animais silvestres nestas condições.
Onça comportada, espectadores selvagens
Ao longo das 24 horas em que a onça se manteve no centro das atenções, centenas de curiosos com smartphones em mãos tiraram fotos, gravaram vídeos e transmitiram ao vivo nas redes sociais, desobedecendo ordens de policiais, bombeiros e guardas municipais de evacuarem o local ou se manterem afastados, para a própria segurança.
Quatro pessoas foram presas. Uma delas agrediu um policial após insistir na tentativa de filmar o animal de perto. Duas casas foram invadidas por curiosos em busca do melhor lugar para assistir a captura.
“Por pelo menos 50 vezes, populares quebraram o perímetro de segurança. Chamei o efetivo de folga e até alguns policiais que estavam em férias para ajudar. Em determinado momento, o local foi isolado, porém, após o disparo do dardo que sedou parcialmente o animal, tive de chamar os policiais que cuidavam do isolamento, pois precisava do maior número de pessoas capacitadas para segurar a rede e estarem próximas ao animal, para evitar uma possível fuga quando caísse da árvore. Foi justamente o que houve”, explica o capitão Matheus Taniguchi.
“Mesmo com apoio da Guarda Municipal e da Polícia Militar para ajudar no isolamento, as pessoas não colaboraram, não nos permitiram um trabalho tranquilo. O mais difícil foi a população que não colaborou e depois ainda ficou criticando nosso trabalho nas redes sociais”, lamenta o comandante da operação.
“Tribunal do Facebook”
Nas cenas divulgadas em “lives” do Facebook e no WhatsApp, é possível ver pessoas, inclusive crianças, circulando a poucos metros da onça, zombando das autoridades por causa das tentativas de disparos, fazendo algazarra.
O chefe de comunicação da PMA, tenente-coronel Ednilson Queiroz, esclarece que a captura de animais silvestres não é atribuição da instituição: “Nossa função primária é prevenção e fiscalização ambiental, porém há 31 anos vamos fazendo a captura de animais por necessidade e ganhando a confiança da população para tal. Temos 362 policiais ambientais para fiscalizar todo o Mato Grosso do Sul”.
Ele questiona o fato de a maioria dos municípios que executam o licenciamento ambiental por convênio com o órgão ambiental estadual não disporem de equipes especializadas em manejo de fauna, sendo que arrecadam taxas de licenciamento ambiental e fiscalização.
“Querem o bônus, mas não o ônus. Temos de disponibilizar uma equipe em cada uma das 20 subunidades nos municípios para capturar animais silvestres que surgem em áreas urbanas. São 20 viaturas e 80 policiais que poderiam estar fiscalizando desmatamentos, incêndios na zona rural e outros crimes contra a flora e a fauna. Esses crimes geram desequilíbrio em cadeia, especialmente a fauna, pela perda de habitat. Quantos animais são afetados direta e indiretamente em um desmatamento ilegal de mil hectares, por exemplo?”, questiona ele.
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É triste ver um espetáculo desse! Cadê a consciência ambiental?
As onças-pardas só querem fugir… não querem nada com "humanos"… querem distância de nós! Têm muito medo de uma espécie que não as respeita… portanto declarações infelizes como a que foi citada acima "Animal nocivo, como uma onça"… só atrapalham! Numa sociedade especista, antropocêntrica e gananciosa… que não enxerga as outras espécies como irmãos sencientes de morada e de evolução, como deveria ser, melhor ficar em silêncio para não prejudicar mais ainda essas espécies! A maioria das pessoas não sabem nada sobre esses animais e têm uma ideia totalmente errada e distorcida!
Animal nocivo, como uma onça? Triste declaração…
Por outro lado, há uma carência enorme de profissionais para atuarem em manejo de fauna no País. Essa seria, certamente, uma excelente forma de criar mais oportunidades para profissionais em meio ambiente, proteger de forma mais adequada a fauna silvestre e garantir maior segurança à população.
Show de horrohorror e amadorismo
Quanto a ultima parte do texto que fala sobre a taxa de licenciamento ambiental e fiscalização.
A maior parte dos municípios pega esse dinheiro e gasta com TUDO , menos o meio ambiente .
Triste Brasil .
Falta respeito.
Falta educação.
Falta inteligência.
Falta boa consciência.
Falta…….
Situações como estas servem para detectarmos os erros e acertos. Ajudará certamente da próxima vez se houver um grupo grande de voluntários orientando este público curioso a ficarem afastados. Alunos da universidade local são um dos atores que podem ajudar nisso. Apresento aqui apenas uma ideia, que pode ser refinada. E é uma ideia relacionada a apenas uma das inúmeras faces da situação.
Concordo com você Christine,
Imagine se este animal após cair da árvore escapasse e pegasse apenas um dos muitos curiosos.
Entendo que a competência em controlar o animal foi eficiente, mas em controlar este numero de curiosos e a barulheira gerada é de uma irresponsabilidade sem tamanho.