O Brasil tem, oficialmente, 41 espécies de anfíbios ameaçadas de extinção, além de uma já considerada extinta: a perereca-verde-de-fímbria (Phrynomedusa fimbriata), que vivia no Alto da Serra de Paranapiacaba, a cerca de 1000 m de altitude, no município de Santo André, São Paulo. Preocupados com a atual situação desse grupo que compreende os sapos, rãs, pererecas, salamandras e cecílias, três biólogos criaram o projeto DoTS – Documenting Threatened Species (“documentando espécies ameaçadas” em português), que pretende buscar, documentar e estudar todas as espécies ameaçadas do país. A iniciativa foi idealizada por Pedro Peloso, professor da Universidade Federal do Pará, e conta com o apoio de diversas pessoas e instituições brasileiras e estrangeiras.
Embora a perereca-verde-de-fímbria seja o único anfíbio oficialmente extinto no Brasil, os biólogos acreditam que outros possam também ter desaparecido: “pelo menos outras quatro espécies de sapos brasileiros não são vistas há mais de 40 anos”, revela Iberê Machado, do Instituto Boitatá, ONG que promove pesquisa e educação ambiental sobre anfíbios e répteis. “Enquanto ainda houver alguma chance de encontrar essas espécies, não vamos desistir. Vamos procurar por esses sapos perdidos!”, conclama o biólogo.
O projeto DoTS tem como principal objetivo criar uma base de dados contendo imagens de todas as espécies ameaçadas, além de reunir informações sobre o estado de conservação de seus locais de ocorrência. Segundo Pedro Peloso, há poucas imagens dessas espécies e a compreensão das ameaças sobre elas é limitada: “diversas espécies de animais estão sendo extintas antes mesmo que as pessoas saibam da sua existência. O que esperamos é que, ao apresentar belas imagens das espécies ameaçadas e dos ambientes por elas habitados, passemos a nos preocupar mais com o futuro desses animais incríveis”, explicou.
Estimativas globais apontam que quatro em cada dez espécies de anfíbios estão sob risco de desaparecer. As razões para a maioria dos declínios ou extinções nesse grupo são a destruição do meio ambiente e a infecção deles pelo fungo quitrídio Batrachochytrium dendrobatidis (Bd), que vem dizimando até mesmo populações de anfíbios em ambientes aparentemente preservados. Guilherme Becker, professor da Universidade do Alabama, nos Estados Unidos, é especialista no estudo da ecologia e evolução do quitrídio, e analisará os processos relacionados aos declínios e extinções dos anfíbios brasileiros. “Nossos resultados preliminares apontam para uma forte relação entre o aumento da prevalência do fungo quitrídio e o desaparecimento de dezenas de populações de anfíbios nas cristas da Mata Atlântica no final da década de 1970. Muitas destas espécies nunca mais foram observadas na natureza; é possível que o fungo quitrídio seja um fator crucial na preservação de espécies ameaçadas. Por isto, compreender a causa dos declínios de anfíbios pode nos ajudar a prevenir que eles se repitam no futuro”, esclarece Becker.
Iberê Machado explica que o projeto é importante para conscientizar a todos sobre a preservação do meio ambiente e a conservação dos anfíbios, mas ele espera que o projeto dê maior visibilidade às espécies também junto aos órgãos ambientais: “algumas dessas espécies ameaçadas correm maior risco do que outras, pois elas não estão dentro de áreas de preservação ambiental”, alerta ele.
Primeiros resultados
O projeto já realizou duas expedições, uma no Sul (Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e outra no Sudeste (Rio de Janeiro e Minas Gerais) do Brasil. Nelas, Pedro Peloso e Ibere Machado foram acompanhados pelo biólogo e colaborador Marcelo Sturaro, professor da Universidade Federal de São Paulo. O grupo buscou por nove espécies, e encontrou oito delas, sendo que quatro estão incluídas na maior categoria de ameaça (Criticamente em Perigo – CR). “O resultado dessas primeiras viagens foi bastante estimulante. Pudemos começar a entender melhor as ameaças às espécies e conhecer os cientistas que vem estudando-as há anos”, comemora Peloso.
Em entrevista, Pedro Peloso dá detalhes sobre o Projeto e suas futuras ações:
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((o))eco – Como surgiu a ideia do Projeto?
Peloso – A fotografia e a biologia sempre andaram juntas pra mim. Com o tempo, fui entendendo que a fotografia pode ser usada como uma ferramenta poderosíssima para atrair a atenção das pessoas para causas importantes, como é o caso da conservação dos anfíbios. Embora eu já tenha publicado trabalhos científicos sobre a conservação desses animais e feito algumas postagens, achei que um projeto focado no tema seria uma maneira mais eficiente de auxiliar na conservação desses animais.
Além de constatar a presença desses anfíbios ameaçados nas suas áreas de ocorrência, avaliar sua situação e obter imagens, vocês pretendem coletar material biológico ou algum outro tipo de informação?
Sim. Nós estamos colhendo dados sobre a presença do fungo quitrídio (Batrachochytrium dendrobatidis) na pele das espécies ameaçadas e em outras espécies, não ameaçadas, que ocorram no mesmo ambiente. Queremos entender melhor a relação entre a presença do fungo nos anfíbios e os possíveis declínios de anfíbios.
Como funcionaria a parceria do Projeto, na prática, caso um pesquisador que trabalhe com uma espécie ameaçada de anfíbio viesse em busca de apoio?
Depende do apoio. Não somos, por enquanto, uma agência de fomento à pesquisa com as espécies ameaçadas — o pouco recurso que conseguimos está sendo usado para irmos até as localidades onde as espécies estão. O nosso projeto veio para suprir uma importante demanda, quando falamos de espécies ameaçadas ou raras — imagem e publicidade. Para a maioria das espécies ameaçadas existem pouquíssimas fotografias disponíveis, e queremos fazer com que todos conheçam melhor os anfíbios do Brasil, especialmente os ameaçados de extinção. Parece clichê, mas o fato é que damos mais importância a coisas que temos mais apego, que conhecemos melhor. Agora, pelo menos garantiremos que as espécies ameaçadas sejam conhecidas — os pesquisadores que desejem usar as imagens do projeto para a divulgação dos seus trabalhos, podem entrar em contato e teremos prazer de compartilhar o material que obtivemos das espécies ameaçadas. Por outro lado, a parceria com os pesquisadores que trabalham com as espécies ameaçadas é essencial para nós. Muitas dessas espécies tem a distribuição muito restrita ou são difíceis de encontrar — em todas as expedições até o momento, nós contactamos colegas que trabalham ou já trabalharam com a espécie para nos ajudar a encontrar e documentar as espécies. No caso da Aparasphenodon pomba (Criticamente em Perigo), por exemplo, não teríamos tido o mesmo sucesso sem a ajuda do Clodoaldo Assis (biólogo da Universidade Federal de Viçosa e descobridor da espécie) — ele conhece detalhes da ecologia do bicho e nos levou no ponto exato onde encontramos o animal.
Vocês pretendem trabalhar somente com anfíbios ou têm planos para incluir outros grupos de animais?
Da maneira como o projeto foi construído, deixamos as portas abertas para trabalharmos com outros grupos. Hoje temos duas vertentes do projeto, a plataforma e os projetos que alimentarão essa plataforma (gerando as imagens, por exemplo). Como iniciamos agora, o único projeto alimentando a plataforma será o de anfíbios, mas já estamos discutindo uma parceria para realizar o DoTS dos lagartos e de alguns grupos de aves. Quem sabe, no futuro, teremos uma plataforma bem mais diversificada.
O Projeto tem ou pretende ter alguma relação com os Planos de Ação Nacionais do ICMBio?
Sim. Tivemos uma reunião com o RAN (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios) e acordamos de auxiliar na divulgação dos resultados dos Planos de Ação. Um dos membros criadores do DoTS participa de diversas reuniões com sobre as espécies ameaçadas junto ao ICMBio, além de participar em alguns Planos de Ação. Queremos ter uma relação próxima, não só com o RAN e o ICMBio, mas com todos os pesquisadores que trabalham com as espécies-alvo do nosso trabalho.
Vocês já têm ideia de onde e quando serão as próximas expedições?
Pretendemos realizar duas expedições curtas em março, uma para buscar a salamandra do Pará (Bolitoglossa paraensis) e uma outra para o Ceará, onde existe uma rãzinha minúscula também ameaçada.
Sobre o Projeto O Documenting Threatened Species (DoTS) é um projeto ambicioso que busca documentar e estudar todas as espécies de anfíbios ameaçadas de extinção no Brasil. DoTS é liderado pelos biólogos Pedro Peloso (Universidade Federal do Pará), Iberê Machado (Instituto Boitatá) e Guilherme Becker (Universidade do Alabama, EUA) e recebe suporte de uma rede de colaboradores e instituições. Apoio financeiro ao projeto foi dado pelo Fresno Chaffee Zoo, The University of Alabama, Instituto Boitatá, Museu Paraense Emílio Goeldi, e o Instituto Nacional da Mata Atlântica. Serviço Site: www.projetodots.org Instagram: @projeto_dots Contatos: [email protected] / +55 91 99262 5130 |
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Como controlar o fungo? Não só o declinio. Como atacar o maldito fungo. O cultivo em cativeiro destes animais, não ajudaria a manter a genética até o possivel repovoamento com estes animais lindos?!
Não existe nenhuma maneira conhecida e efetiva para conter o fungo. O que temos é que entender como ele funciona e quais espécies são mais ou menos resistentes.