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A mudança

Ao se mudar do de uma casa no Cerrado para outra na Mata Atlântica, a colunista notou como os anos dedicados à causa ambiental não a transformaram numa pessoa menos consumista

26 de janeiro de 2007 · 18 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Depois de cinco anos morando em uma cidade pequena, no interior de Goiás, procurando tranqüilidade e procurando proteger um remanescente do Cerrado, abdicamos da luta contra o barulho, os incêndios florestais e a insegurança. Resolvemos, assim, viver em Florianópolis em uma parte da ilha que ainda tem um pouco de Mata Atlântica e até alguns animais silvestres como as belas gralhas azuis, que nos visitam diariamente.

Mudar nunca é fácil, embora seja estimulante. Mudar de bioma é mais estimulante ainda. Mas, o que aprendi com esta mudança, sob o aspecto ambiental, foi incrível, a começar pelo exagero de tralhas que se acumula ao longo da vida, do consumismo e do desperdício. E olha que o espírito da mudança foi principalmente o de viver mais simplesmente.

Tenho me perguntado como podem dois ambientalistas e muito mais eu do que meu marido ter conseguido acumular tanto desperdício ao longo da vida em comum. Tendo escolhido uma casa pequena como morada em Florianópolis tivemos que nos desprender de quase dois terços de nossos pertences mundanos e, apesar disso, continua sobrando muito, tanto que apenas a miraculosa presença de um amplo depósito nos permitiu “encaixar” na nova casa. Ao iniciar os procedimentos de guardar as bugigangas, me deparei com uma triste realidade: sou aprendiz de Imelda Marcos em termos de números de pares de calçados. Como não tenho onde colocá-los, a vontade que dá é de desfazer dos mesmos, pois mesmo que viva até os cem anos não vou conseguir usá-los até seu triste fim. O mesmo acontece com roupas, bolsas e outros artigos supérfluos.

Bem, o desperdício não pára por aí. Até as caixas e papéis usados fartamente pela empresa transportadora precisam ser reaproveitados, pois afinal papelão também vem de árvores! Eu ficaria mais tranqüila se fossem produtos de reciclagem de papéis já usados. E para que tantos pratos, copos, panelas, etc.? Só para ocupar espaço e mostrar que se tem muito, pois usar tudo é praticamente impossível, já que não sou dona de nenhum restaurante.

“Isso de viver em uma encosta de Mata Atlântica enquanto existir a vegetação é um privilégio dos deuses, mas a qualquer momento pode se transformar em outra selva de concreto, ou será que não?”

É um choque, podem acreditar. Porque tantas coisas supérfluas e inúteis? Será que a propaganda consumista atinge até ecólogos e ambientalistas? Que dá dor de consciência isso dá e um enorme arrependimento. Além do mais é muito dinheiro jogado no lixo. Mas outras coisas me consolam como o fato de que agora em diante se eu comprar mais calçados e roupas eu vou ter de arranjar outra casa e novos móveis para guardá-los e isso é evidentemente impossível. Assim, quanto mais não seja, vou deixar de ser consumista, por falta absoluta de espaço.

O mais triste foi ter que nos desprender de nosso bom cachorro que, graças a Deus, ficou guardando a nossa propriedade alugada; e da metade de nossos livros, os que não entram na categoria de desperdício e, nesse caso, constatar que são poucas as instituições acadêmicas ou ambientais que se interessam por eles. Felizmente, especialistas e amigos supriram a deficiência.

Na casa nova ou no novo lar sobram árvores nativas, orquídeas, epífitas e até eucaliptos, estes bem adaptados à floresta local. Nós precisamos viver perto do mato e ver bichos todos os dias, porém o que está me deixando mais feliz é um enorme número de lagartixas que coabitam conosco, pois elas comem as detestáveis baratas que, claro, existem até neste paraíso. Economizamos assim em inseticidas e em saúde.

Isso de viver em uma encosta de Mata Atlântica enquanto existir a vegetação é um privilégio dos deuses, mas a qualquer momento pode se transformar em outra selva de concreto, ou será que não? Preciso ver o nem sempre definitivo plano diretor desta cidade e checar se realmente vão obedecer as áreas de preservação permanente pelo só efeito da lei e até que não as “flexibilizem”, via norma do CONAMA, mais do que já foram enfraquecidas.

Que me perdoem os eventuais leitores, nesta semana tão importante para o meio ambiente, em que saiu o tal do PAC quando eu me disponho a falar de coisas tão pequenas com coisas tão grandes acontecendo… Mas falar de quê se o PAC pouco diz da área ambiental? Além do mais não gosto sequer do nome do PACote. Será que se esqueceram do tal desenvolvimento sustentável e nos impõem agora novamente o “crescimento”, nos remetendo para a década de 70 outra vez? O crescimento a qualquer custo, que também se esquece do desperdício dos recursos naturais, como eu tenho me esquecido na minha vida particular?

 

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