Sair do frio de Santa Catarina e chegar ao calor de Pernambuco é realmente muito gostoso. O novo aeroporto já agrada pelo conforto. A expectativa de passar dias muito agradáveis visitando as lindas praias e desfrutando das belezas naturais do estado povoa a mente de qualquer um. Ir à praia de Boa Viagem, Porto de Galinhas, Coroa do Avião, Carneiros, Itamaracá – onde se situa o projeto peixe-boi marinho, espécie drasticamente ameaçada de extinção – chegar a Olinda… Tudo excita um turista, ou uma aposentada como eu. Mas, aí começam as complicações para quem tudo vê com olhos de ambientalista.
Primeiramente, já desanima ter de nadar nas piscinas naturais da praia de Boa Viagem junto com latas de cerveja, garrafas de plástico, palitos do queijo coalho, papéis de sorvetes, sacos de papel e outros objetos que não devem ser mencionados, no meio do lixo displicentemente jogado no mar ou na areia. Desanima muito mais os sons dos diversos aparelhos potentes dos carros estacionados por ali, ou das barracas de praia, ou de restaurantes e bares.
Não importa, mudamos de endereço. Vamos a Porto de Galinhas que os pernambucanos, com muito orgulho, e certa razão, alardeiam ser a melhor praia do país. Até que realmente é bonita. Mas tentar usufruí-la, sem ter a sensação que estamos em uma churrascaria rodízio é impossível. Não param de oferecer bugigangas para tudo, de todos tamanhos e formas. Não há descanso. O “não muito obrigada” deveria ser gravado porque cansa. No final, por dó, a gente sempre acaba comprando algo que definitivamente não precisa.
Fazer os passeios de barcos até as piscinas naturais para ver corais e peixes, mesmo que bonito, revolta. A grande maioria dos turistas não obedece aos barqueiros, que avisam sobre aquelas piscinas proibidas de entrar, para dar chances aos corais e demais seres vivos de se recomporem e reproduzirem. O enxame de gente, barcos, pranchas, vendedores ambulantes, aparelhos de som, jetsky e outras coisas mais, nos dão só uma vontade: fugir dali.
A tal ponto a gente se enfada por não ter o tão esperado sossego que resolvemos mudar de estado. Vamos para uma de minhas praias prediletas : a de Coqueirinho, no estado da Paraíba. Ali se come a melhor agulhinha do pedaço e não há, pelo menos por enquanto, muita gente ruidosa. Para ir de Recife a João Pessoa, ou melhor, um pouco ao sul desta cidade, é necessário enfrentar a BR-101 que, como sempre, está em obras. Obras boas porque estão fazendo a duplicação tão almejada. “Estão fazendo”, quer dizer, o coitado do glorioso Exército Brasileiro e empresas terceirizadas. Tudo bem ter de enfrentar desvios e um trânsito perigoso, mas assistir à construção da outra pista, cortando o pouco que restou de Mata Atlântica no estado dá um frio na barriga, uma certa sensação de que não vai sobrar nadica de nada. Por que não contornaram o resquício de bela Mata Atlântica? A simples vista parece que seria fácil. Mesmo que não fosse. Preservar aqui é fundamental, os desenvolvimentistas que me perdoem. Quem será que autorizou esta barbaridade? Qual o insensível que deixou perder um pedacinho do que restava ali de Mata Atlântica no nordeste do Brasil?
Além do mais a região, como todos sabem, é de cana. Quanta cana. Aquela mesmo que acabou com a mata no nordeste, usa trabalho escravo e polui quando de sua queima. Os treminhões deixam cair canas na estrada, ninguém cata ou se preocupa e assim lá vamos por cima de mais lixo. Ainda nem é época da colheita da cana e a situação já é caótica. Imaginem depois. Que coisa triste que é essa cultura de cana. Triste e suja, mas é para produzir “ combustível limpo”. Lorota para boi dormir. Nada por aqui é limpo ou justo. O biocombustível não trouxe, pelo menos por enquanto, a melhor distribuição de renda. Pelo menos não à simples vista, e como não creio em pesquisas eleitoreiras, fico com a realidade que meus olhos ainda conseguem enxergar. Por menos que se goste do cultivo da soja é inegável que aonde chega a soja a região melhora em termos de pobreza. A cana não.
De fato a praia de Coqueirinho está mais limpa. Por pouco tempo é claro. Está mais limpa e mais tranqüila porque para chegar até ela há que se enfrentar um `enorme` trecho de uns 5 quilômetros de terra. Tomara que o DNIT não a descubra pelos próximos anos, ou qualquer outra autoridade que tenha dinheiro para asfaltá-la. Pena que a gente tenha que dizer tomara ou, Deus queira, porque acreditar na sensibilidade de nossos dirigentes não dá.
Regressando à bela Recife surgem outras aflições. Desde o mau cheiro até a absoluta falta de reciclagem do lixo. Mesmo em Boa Viagem, onde estou hospedada, o lixo nas ruas, os fétidos canais, tudo nos conduz a pensar: por que não mudar aquilo que não exigiria muitos gastos extras do Poder Público? Por que não fazer reciclagem e coleta seletiva de lixo, distribuir lixeiras pela cidade e praias? Por que não se fazer uma forte campanha de conscientização? Por que não impedir que os felizes possuidores de potentes aparelhos de som incomodem os demais, bem como as incessantes buzinas, a qualquer hora do dia ou da noite? Por que não empatar mais na disciplina e educação, que finalmente poderiam nos salvar de tantos atentados?
Creio firmemente que a região teria ainda mais turistas dispostos a nela gastar e menos turismo sexual, se o ambiente fosse mais seguro, limpo e saudável e se sua gente fosse menos pobre. Afinal, além das belezas naturais, Recife impressiona pela sua rica cultura, pelo carnaval e pelo belo artesanato. Parece que seria tão fácil começar a educar as crianças como meus netos, que ali vivem, para ressuscitar a cidade conhecida como Veneza brasileira, que da parente italiana só tem o mesmo mal cheiro causado (aqui) por descuido, falta de educação e omissão das autoridades responsáveis.
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