Nesse fim de ano tive o privilégio de voltar rapidamente a Portugal. Foi uma viagem vapt-vupt mas que me rendeu um fim de semana livre. Apesar do inverno europeu, não titubeei. Calcei as botas e voltei à Trilha E-9. Caminhei um pouco no sábado e outro tanto no domingo, sempre por picadas completamente inseridas no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, cujos 75 mil hectares são manejados de forma similar a uma APA no Brasil. Ao todo foram 19 quilômetros de pé no chão por este que é o trecho inicial da Trilha do Litoral Europeu.
Começa bem essa super-trilha de 5.000 quilômetros de extensão que atravessam vários países. Ali, logo após seu início no Cabo de São Vicente, o excursionista percorrerá uma paisagem de falésias majestosas e altaneiras que enfrentam com galhardia o mar bravio. E põe bravio nisso. Ondas de até quatro metros atravessam o Atlântico sem oposição, até estourarem estrondosamente contra as paredes da Costa Vicentina. Ao longo dos tempos o processo de água mole em pedra dura (nesse caso nem se trata de água tão mole assim) acabou por escavar grandes fissuras nas encostas, causando alguns desmoronamentos e cavoucando túneis e cavernas. O resultado é um litoral de contornos cinematográficos, cuja descrição deixo para as fotografias.
Dentro do Parque Natural, a trilha vai sempre junto ao litoral. Qualquer país preocupado com manejo, já a teria transformado em um dos melhores equipamentos nacionais de eco-turismo. Infelizmente esse não é o caso em terras lusas. A beleza cênica é excepcional e grande parte da infra-estrutura já está pronta. Ao longo dos mais de 100 quilômetros da Costa Vicentina, há diversas rotas de fuga para casos de emergência e existem pousadas, parques de campismo, supermercados e restaurantes acessíveis a partir de pontos da trilha convenientemente espaçados. Isso para não mencionar as fortalezas e faróis históricos que decoram o caminho. Ou seja, o trecho da E-9 na Costa Vicentina já pode ser percorrido hoje em sua totalidade.
Mas se a Natureza e a iniciativa privada fizeram a parte que lhes coube, o Governo ficou devendo o seu quinhão. Não há mapas, nem folhetos e, embora haja algumas placas educativas, não há nenhuma sinalização direcional. No que toca à trilha propriamente dita, não há manutenção alguma. Não há drenagem, não há escadas, não há pontes, não há mirantes, não há corrimãos. Não há preocupação com a remoção de exóticas nem com o recolhimento do lixo. Enfim, a trilha parece abandonada de qualquer cuidado ou intervenção dos poderes instituídos.
Para um caminhante experimentado e fuçador, isso não estraga a experiência. Pelo contrário, até a melhora, pois faz com que, mesmo na super populada Europa, seja possível palmilhar 19 km em total isolamento, tendo por companhia apenas o mar e sua brisa benfazeja. Apesar da formosura incomensurável e do fácil acesso, não há mais ninguém na E-9 no seu trecho da Costa Vicentina.
O problema talvez seja histórico. O Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina começa junto a Sagres, onde o Infante D. Henrique, criou a mais famosa escola de navegação da história mundial. Termina em Sines, cidade natal de Vasco da Gama, descobridor do caminho marítimo para as Índias. Com tanto oceano e tantas histórias de navios, parece que os olhos portugueses acabaram se acostumando a perscrutar apenas os “mares nunca dantes navegados”
É pena, Portugal é um país com alto nível de desemprego, sobretudo entre os setores menos qualificados da população. Justamente aqueles trabalhadores utilizados na faina de manter uma trilha. Com baixíssimo investimento seria possível franquear uma das trilhas de longo curso mais bonitas da Europa a grandes números de amantes do excursionismo, com evidentes ganhos econômicos para o entorno. Seria um bom começo, pois em nenhum outro lugar da Europa é possível caminhar tanto tempo sem conseguir tirar os olhos do mar nem sequer por um minuto.
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