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A Revolução Verde é insustentável

É inevitável rever a produção de alimentos e a agricultura orgânica é um dos caminhos. Alimentar a população humana não necessita de aumento contínuo da produção

16 de abril de 2009 · 15 anos atrás
  • Carlos Gabaglia Penna

    Professor de Engenharia Ambiental da PUC-Rio, pós-graduado em Gerenciamento Ambiental pela Universidade de Tufts (EUA) e mest...

Colheitadeira de soja. Maquinário deu um salto na produção de alimentos. Foto: Pixabay.

Desde o final da 2ª Guerra Mundial, o incremento da produção de alimentos do planeta superou o extraordinário aumento da própria população humana. De fato, entre 1961 e 2005, por exemplo, a população global cresceu 111%. No entanto, no mesmo período, a produção de cereais (grãos) – a base da alimentação global – subiu 154%, a produção total de carne 280%, a de peixes, crustáceos e moluscos capturados nos mares e criados em cativeiro 227% (FAO).

Toda essa elevação espantosa da oferta de comida deve-se à Revolução Verde, que tem como fundamento o uso de sementes de alto rendimento, fertilizantes, pesticidas, irrigação e mecanização. A verdade é que a fome renitente que assola o planeta é função da falta de recursos para comprar comida, ou seja, da enorme injustiça social vigente, não da falta de alimentos (no período 1969-1971 a população global subnutrida representava 29% do total. Em 2005, esse percentual havia caído para 14%, segundo a FAO).

Em que pese todos esses índices animadores, diversos fatos comprovam que a Revolução Verde é insustentável em longo prazo. Erosão e compactação do solo, poluição do ar e do solo, redução dos recursos hídricos (a agricultura é responsável por 70% do consumo humano de água), perda de matéria orgânica do solo, inundação e salinização de terras irrigadas, exploração excessiva dos recursos pesqueiros e poluição dos mares têm contribuído para a desaceleração da taxa de crescimento da produção alimentar.

É verdade que se pode ainda melhorar bastante a produtividade agrícola dos países em desenvolvimento – a solução mais promissora – e, em países como o Brasil, ampliar as fronteiras agrícolas (o que provoca inevitavelmente a destruição dos ecossistemas invadidos). Mas, mesmo os observadores mais otimistas reconhecem que o aumento da produção de alimentos está gradualmente se reduzindo, tendendo assim a ficar abaixo do aumento populacional.

Foto: Pixabay.

Nos últimos 20 anos, aproximadamente, o índice de crescimento da produção anual de grãos ora é maior, ora é bem menor do que o do crescimento populacional. Entre 1985 e 2005, a produção de cereais cresceu 22,5%, enquanto que a expansão demográfica foi de 34,2%. Outros alimentos vegetais, como sementes, raízes e tubérculos, conheceram igualmente aumento inferior ao da população.

Nesse intervalo de tempo (1985-2005), a única taxa de aumento de produção alimentar que superou a taxa demográfica foi a de carne (de todos os tipos). Contudo, a pecuária é totalmente dependente da produção agrícola, notadamente a de grãos. Inevitavelmente a oferta de carne cairá quando a produção de cereais sofrer retração.

A produtividade agrícola, que progrediu muitíssimo nas últimas décadas, não continuará a crescer indefinidamente. Entre outras razões, é obviamente limitada a quantidade de fertilizantes que as atuais variedades agrícolas podem assimilar. Estes e a disponibilidade de água para irrigação são as duas principais causas da explosão alimentar no pós-guerra. A água também é obviamente limitada. A irrigação está causando, no mundo inteiro, o rebaixamento, ou mesmo a secagem, de rios e aquíferos. Em diversos lugares, comunidades disputam, crescentemente, a água com fazendeiros.

As duas causas citadas não são as únicas. As melhores terras do planeta já foram ou estão sendo exploradas. A ampliação de terras destinadas ao plantio encontra, cada vez mais, obstáculos, desde cidades, barragens, estradas e unidades de conservação até a oposição  de comunidades que rejeitam os danos decorrentes de grandes áreas de monocultura. Sem falar nos custos crescentes dessas terras.

“Apesar da utilização crescente de agrotóxicos, o mundo vem conhecendo um aumento também expressivo de pragas agrícolas.”

Outra dificuldade para a contínua expansão é a aplicação crescente de pesticidas. No Brasil, o uso de pesticidas subiu de 0,3 kg por hectare (ha), em 1991, para 1,2 kg/ha dez anos depois, um aumento de quatro vezes. Na Argentina, em apenas cinco anos (1993-1998), a aplicação desses produtos químicos partiu de 0,9 kg/ha para 1,9 kg/ha (nos Estados Unidos, em 1997, usava-se 2,3 kg/ha).

Apesar da utilização crescente de agrotóxicos, o mundo vem conhecendo um aumento também expressivo de pragas agrícolas. No início do século XX, as pragas resistentes não chegavam a cinco, mas a partir dos anos 1950, elas conheceram um aumento acelerado, coincidindo com o uso generalizado desses defensivos. Em 1980, mais de 400 artrópodes (principalmente insetos) já tinham desenvolvido resistências à maioria dos produtos químicos, somados a mais de uma centena de organismos patogênicos de plantas. Além disso, um certo número de espécies de ervas daninhas tornou-se resistentes aos herbicidas.

Embora o uso de pesticidas tenha aumentado exponencialmente, mais de 30 vezes entre 1950 e o final dos anos 1980, um número crescente de ervas daninhas, insetos e doenças desenvolveram resistência a esses produtos. Em 1950, o total de pragas agrícolas era inferior a 100 e atualmente é superior a 700.

Os impactos de pesticidas já são bastante conhecidos. Eles liberam poluentes orgânicos persistentes (POPs), substâncias extremamente tóxicas que se espalham pelo meio ambiente e se acumulam nos tecidos orgânicos de peixes, aves e mamíferos, com sérios danos ao meio ambiente e à saúde humana (as primeiras vítimas são os que aplicam os pesticidas, principalmente nos países em desenvolvimento). Os POPs são “destruidores endócrinos”, prejudicando o sistema hormonal de seres humanos e de outros animais. Provocam também cânceres e danos ao sistema nervoso (neurotoxinas).

Operação de combate ao uso ilegal de agrotóxicos na Bahia. Produtos estavam vencidos. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama.

Os fertilizantes promoveram um acréscimo fantástico à produtividade agrícola. A colheita de milho nos EUA, por exemplo, tem atualmente uma produtividade cerca de quatro vezes maior do que a dos anos 1930. Entre 1961 e 2005, a quantidade de cereais colhida por hectare aumentou 141% (média mundial). No entanto, os fertilizantes químicos não absorvidos pelas plantas contaminam a água potável, provocam danos aos pesqueiros litorâneos devido às marés ‘vermelhas’ de algas, eutrofizam lagos e contribuem para a formação do poluente ozônio troposférico, com efeitos nocivos à agricultura e às florestas.

A par dessas consequências, os fertilizantes são os maiores produtores de óxido nitroso (N2O), um dos cinco gases do efeito estufa que mais contribuem para o aquecimento global.

Torna-se cada vez mais evidente que a Revolução Verde é insustentável. Ela polui o ambiente natural, com consequências graves à saúde humana e ambiental, degrada ecossistemas nativos, tende a esgotar os recursos hídricos e, do ponto de vista energético, apresenta um saldo negativo. Devido ao uso intenso de combustíveis fósseis em todas as etapas do seu processo, a agricultura em escala industrial utiliza, atualmente, de sete a dez calorias dessas fontes de energia para fornecer uma caloria de alimento.

Será inevitável rever – mais dia, menos dia – esse sistema de produção. O crescimento vertiginoso da agricultura orgânica aponta um dos caminhos. Alimentar a população humana de forma equilibrada não necessita de aumento contínuo da produção (uma impossibilidade física), mas sim de melhor distribuição global de riquezas e de um freio à expansão no consumo de carne em geral. Mundialmente, cerca de 40% dos grãos colhidos alimentam diretamente a pecuária (quase 80% da soja), o que significa uma grande perda de energia alimentícia.

*Editado às 07h04 do dia 07/01/2019, para acrescentar fotografias. 

 

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