Há décadas a comunidade internacional vem mantendo a crença em um mito, o de que é possível desenvolvimento econômico contínuo e irrestrito em um planeta com recursos limitados e que, para mensurá-lo, basta computar periodicamente o valor de todos os bens e serviços produzidos, num indicador denominado Produto Interno Bruto (PIB), sem atentar para os respectivos impactos sobre os recursos naturais utilizados.
A título de exemplo, o valor de uma floresta só é avaliado quando derrubada, ignorando-se quanto valeriam o ecossistema íntegro e os serviços ambientais por ele prestados, tais como produção de oxigênio, regulação do fluxo dos rios, captura de dióxido de carbono e tantos outros. Igualmente, o pescado só é considerado como valor quando retirado do oceano, sem considerar os danos causados à biota da massa d’água onde ele se encontra; os combustíveis fósseis, somente quando extraídos, sem levarem-se na devida conta o empobrecimento dos estoques ou redução das jazidas; e assim por diante. No que pesem suas óbvias impropriedades, o aumento do PIB, segundo seu conceito vigente, é meta prioritária de todas as nações, no que pese ser imprescindível criar-se um sistema de medição mais racional e significativo.
Esse sistema esdrúxulo de avaliar-se o desenvolvimento atendeu razoavelmente aos seus propósitos enquanto a população humana foi relativamente pequena e quando muitos acreditavam ingenuamente que os recursos terrestres eram inesgotáveis. Entretanto, com a explosão tecnológica acelerada e o crescimento demográfico persistente, e consequentemente o aumento descontrolado do consumo, o sistema demonstrou evidências óbvias de inadequação.
A revista científica Nature publicou um trabalho extremamente interessante, o qual indicou que pelo menos em três áreas de atividades humanas os limites aceitáveis já se encontram ultrapassados, no que se refere à qualidade de vida humana e sustentabilidade do ambiente: impacto sobre a biodiversidade, mudanças climáticas e ciclo de nitrogênio, este último devido essencialmente à agricultura.
O mesmo trabalho indicou outras seis áreas nas quais nos aproximamos perigosamente do inaceitável: uso do solo e da água, poluição, ciclo do fósforo, emissão de aerossóis e acidificação dos mares.
O reconhecimento gradativo de que nossa civilização embrenhou-se num rumo errado levou a ONU, em 1987, através de sua Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a divulgar o conceito de “desenvolvimento sustentável” como sendo aquele que “atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras alcançarem suas próprias necessidades”. O conceito é perfeito, mas, desde então, resta saber como amplamente concretizá-lo na prática.
Eficiência maior, consumo muito maior
Dos inúmeros recursos naturais utilizados na vida quotidiana, alguns, se bem geridos, podem ser considerados renováveis. A água é um exemplo típico, ainda que hoje seja escassa em muitas regiões. Mas, devidamente cuidada, pode ser reutilizada para sempre. Outros podem ser ou não renováveis, tal como a madeira; se seu uso for compatível com o limite de renovação das florestas nativas ou plantadas, ele o é, mas não o será quando o recurso for utilizado abusivamente. E lembre-se nesta oportunidade que boa parte das florestas mundiais já desapareceram. Muitos outros recursos, porém, só admitem ser usados uma única vez, a exemplo dos combustíveis fósseis. Nesse caso, a única solução para aproximar seu emprego da sustentabilidade é utilizá-los com parcimônia, coisa que jamais aprendemos a fazer. Em todos esses casos, a reciclagem, a grande lição da natureza, deve ser amplamente utilizada dentro do conceito de desenvolvimento sustentável.
Os conceitos de desenvolvimento sustentável e uso sustentável de recursos vêm sendo gradativamente assimilados e já resultados significativos, ainda que longe da completa sustentabilidade. Um interessante documento divulgado pela consultoria KPMG indicou que, tomando-se como referência os números de 1990, e considerando o PIB global de 2011, cada dólar nele computado foi alcançado com menos 23% de matéria prima e 21% a menos de emissão dos gases do efeito estufa. Mas, em contrapartida a esse êxito realmente notável, a produção e o consumo de bens em escala global aumentaram tanto que, nos últimos 20 anos, a extração de recursos da Terra cresceu 41% e o uso dos fertilizantes nitrogenados aumentou 135%. Portanto, o esforço de racionalização da utilização dos recursos não está impedindo um aumento total brutalmente exagerado.
Nos últimos tempos, tem surgido uma ampla discussão sobre o que seria uma possível nova forma de economia, a Economia Verde. Segundo a ONU, ela é aquela que resulta na melhoria do bem-estar humano, devido à preocupação maior com a equidade social, os riscos ambientais e a escassez de recursos naturais. Significaria fugir do sistema que gerou as crises mundiais dos tempos recentes, envolvendo clima, fome, crises econômicas e agressões ao ambiente. Essas intenções são magníficas, mas de que forma concretizá-las é uma profunda incógnita.
Face às condições do mundo atual, uma afirmação é possível: o futuro TERÁ que ser diferente, ou a nossa civilização irracional, cedo ou tarde, entrará em colapso. É inconcebível extrapolarmos suas tendências de esbanjamento de recursos naturais e de consumo descontrolado. Os limites físicos do planeta Terra não o permitirão por muito tempo.
A grande conferência internacional Rio+20 poderia ter resultado em um esboço do início de uma solução. As dezenas de líderes mundiais presentes, no entanto, esquivaram-se de fazê-lo, preferindo postergá-lo para um futuro mal definido. Enquanto isto, os grandes problemas ambientais já configurados não param de agravar-se.
*Conheça mais sobre o autor, Ibsen de Gusmão Câmara, nesta entrevista exclusiva de ((o))Eco
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É tudo muito intrincado e confuso. Parece que tudo e todos estão presos a um sistema autodestrutivo. Uns percebem que é autodestrutivo, outros não. Outros percebem mas acham que podem controlar. O problema são os valores que fundamentaram a criação do sistema lá atrás, no início. Lei de Say, Laissez-faire, propriedade privada e todo um arcabouço legal que foi adaptando direitos ao sistema. Infelizmente a visão que tenho é pessimista: ricos detém o controle de tudo – inclusive do governo – logo não temos a quem recorrer. É esperar chegar ao fundo do poço e não se sabe quantas décadas ou séculos isso pode demorar. Mas um dia os poderosos perderão o poder e a riqueza individual não fará sentido. As pessoas viverão para outros propósitos, produzindo e consumindo apenas o essencial.