Análises

Mudanças climáticas: ameaça silenciosa aos polinizadores

Mariposas, abelhas, borboletas, aves e morcegos estão em perigo e nós também, pois eles garantem a produção de um terço dos cultivos mundiais.

Rafael Loyola ·
21 de outubro de 2014 · 10 anos atrás
Abelha polinizando flor. Foto: Pixabay.

Polinizadores como abelhas, borboletas, mariposas, besouros, aves e morcegos garantem a produção de um terço dos cultivos mundiais e a reprodução de plantas em ecossistemas inteiros, como as florestas tropicais. Sem polinizadores, a maioria das plantas nativas e das cultivadas que consumimos não sobreviveria. Entretanto, o número de polinizadores está declinando em todo o mundo e seu declínio implica em uma ameaça à manutenção da biodiversidade e à saúde e alimentação humana.

As principais causas desse declínio são o uso indiscriminado de pesticidas e herbicidas, a existência de espécies invasoras, a perda e fragmentação de ambientes naturais e a degradação ambiental (quando habitats perdem sua qualidade). Esses fatores reduzem tanto o número de espécies de plantas com flor, que são fontes de alimento para os polinizadores, quanto o número de locais disponíveis para reprodução, abrigo e migração dos polinizadores. Mas, há pouco, uma ameaça silenciosa começou a ser observada: as mudanças climáticas.

Em um estudo recente publicado na revista científica PLoS ONE mostramos que as mudanças climáticas deverão diminuir em muito os locais adequados para a sobrevivência de mariposas, um dos grupos de polinizadores mais diverso e importante para a manutenção dos ecossistemas naturais. Pior ainda, nem as Unidades de Conservação serão capazes de conter essa redução. Locais que satisfaziam as necessidades dos polinizadores começam a se tornar inabitáveis à medida que a temperatura aumenta ou varia muito, as chuvas tornam-se imprevisíveis e a vegetação muda.

Mude ou… extinga-se

“A adaptação é um processo complexo que envolve desde a variabilidade genética encontrada na espécie até a mudança de seus padrões comportamentais.”

Na tentativa de acompanhar essas mudanças, as espécies podem fazer uma dessas três coisas: em primeiro lugar, elas podem migrar para outro local que tenha as condições adequadas para sua sobrevivência. Mas isso só é possível caso esse local exista e esteja dentro do alcance dos indivíduos. Porém, hoje, com o ambiente alterado, essa tarefa pode ser bem complicada. Imagine-se uma pequena borboleta, tendo que cruzar um “mar” de 10 km de plantação de soja ou cana-de-açúcar até encontrar abrigo em uma matinha ou floresta. Cansou? Pois é, eu também.

Além disso, elas podem se adaptar localmente. Isso é bem mais fácil de dizer do que fazer. A adaptação é um processo complexo que envolve desde a variabilidade genética encontrada na espécie até a mudança de seus padrões comportamentais. Há pesquisas sobre adaptação de espécies às mudanças climáticas, mas elas ainda são feitas para poucos organismos e os cientistas não conseguem extrapolar seus resultados para todas as espécies;

Finalmente, elas podem se extinguir. Ok, isso não é bem uma opção. Nenhuma espécie opta por desaparecer.

Tudo isso acontece com os polinizadores. O que a maioria das pessoas não entende é que a perda de polinizadores implica em uma perda econômica na agricultura, silvicultura e em um desequilíbrio na natureza.

Diversos estudos já mostraram a importância de se manter porções de habitat nativo dentro de propriedades particulares para garantir e inclusive aumentar a produção agrícola. Antes de tudo, o cumprimento da legislação ambiental sobre a proteção da vegetação nativa é uma questão de segurança alimentar (e hídrica), já que a maioria dos polinizadores, que garante e aumenta nossa produção de alimentos, vive em ambientes remanescentes como as reservas legais, áreas de proteção permanente e Unidades de Conservação.

Mas pelo menos dentro das Unidades de Conservação os polinizadores estão protegidos, certo? Errado.

Perigo maior na Mata Atlântica

“[Na Mata Atlântica] a perda de polinizadores é particularmente crítica, uma vez que ele possui 8.000 espécies de plantas que só ocorrem ali e que 95% da produção de sementes por plantas depende dos polinizadores.”

Nossos estudos na Mata Atlântica mostram que em 2080, a maioria das Unidades de Conservação da Mata Atlântica não terá um clima adequado para mariposas, por exemplo. Cerca de 4% desses polinizadores (20 das 507 espécies estudadas) deverão ser extintos na Mata Atlântica e muitos deles só ocorrem nesse bioma. De fato, apenas algumas poucas UCs ao sul da Mata Atlântica, em locais altos e mais frios, serão capazes de manter condições ótimas para esses animais. Neste bioma a perda de polinizadores é particularmente crítica, uma vez que ele possui 8.000 espécies de plantas que só ocorrem ali e que 95% da produção de sementes por plantas depende dos polinizadores. Isso sem mencionar que o que resta da Mata Atlântica (só resta cerca de 11% deste bioma) provê água às cidades ao longo do litoral brasileiro e sustenta inúmeras comunidades rurais cuja subsistência depende da conservação dos recursos da floresta.

Mas nem tudo está perdido. Ecólogos e cientistas da conservação têm concentrado esforços para entender melhor como espécies respondem às mudanças climáticas. Esse entendimento pode guiar e antecipar a tomada de decisão para conservação de polinizadores. Melhor ainda, ele permite que mais informação biológica seja incluída em estudos que estimam perdas econômicas advindas da extinção de polinizadores, tanto em áreas cultivadas como em ambientes protegidos, como nos Parques Nacionais.

Em outro estudo recente, a ser publicado na revista Oikos, pesquisadores norte-americanos investigaram como borboletas escolhiam onde colocar seus ovos nas plantas em função da temperatura do ambiente. Por meio de observações feitas em campo, eles chegaram à conclusão de que as borboletas colocam seus ovos próximos ao chão quando estão em locais mais quentes, e na parte mais alta das plantas quando estão em locais mais frios, como no alto de montanhas. Ovos colocados a menos de 50 cm do chão são, em média, 3o C mais frios que aqueles colocados à 1metro do chão. Assim, as borboletas estudadas minimizam os efeitos do aquecimento local e interferem no local onde os ovos serão depositados por meio de uma alteração em seu comportamento. Isso nos dá pistas de que há espécies que poderão ser capazes de minimizar os efeitos de um aquecimento generalizado, pelo menos nos locais onde vivem.

Com tudo isso, espera-se que cientistas, ONGs, governo e atores locais reúnam-se e definam políticas públicas que visem à conservação de polinizadores dentro e fora de Unidades de Conservação. Isso já acontece no Brasil dentro da Iniciativa Brasileira de Polinizadores, uma ação que integra um projeto sobre conservação e uso sustentável de polinizadores liderado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Ajude também

“Para o cidadão, essas iniciativas vão desde o cultivo de jardins nas cidades, com plantas nativas que atraem diferentes polinizadores (…), até a construção de pequenos hotéis para insetos”.

Para quem quer se envolver com a questão, há inúmeras iniciativas para prevenir a extinção de polinizadores. Para o cidadão, essas iniciativas vão desde o cultivo de jardins nas cidades, com plantas nativas que atraem diferentes polinizadores como abelhas nativas, mariposas, borboletas e aves, até a construção de pequenos hotéis para insetos, passando pela participação em eventos sobre polinização. Você pode se inscrever do XI Curso Internacional de Polinização, que acontece de 8 a 20 de dezembro de 2014. Há também um livro publicado no ano passado com o qual você pode aprender mais sobre a importância da polinização e dos polinizadores para a nossa saúde e a dos ecossistemas.

Se você é um pesquisador ou estudante da área, pode contribuir bastante divulgando resultados de suas pesquisas para o público geral por meio das redes sociais, blogs e da imprensa. Se é um gestor de Unidade de Conservação pode identificar se polinizadores na área sob sua supervisão será impactada por mudanças climáticas e estimular ações de restauração da vegetação nativa, além de fomentar programas de educação ambiental voltados para comunidades locais e visitantes.

Se é um agente do governo, pode levantar a questão em fóruns apropriados e impulsionar a discussão e implementação de estratégias de ação nas instâncias competentes por meio de oficinas, reuniões e comissões.

Como você vê, há várias oportunidades de se envolver com o assunto e ajudar no problema. Vamos agir agora para que os polinizadores fiquem a salvo antes que seja tarde demais para eles e para nós mesmos.

 

 

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  • Rafael Loyola

    Diretor Executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade, professor na UFG e membro da Academia Brasileira de Ciências

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