Análises

A visão do gargalo: a natureza está pronta para um grande retorno?

Uma nova teoria propõe que a urbanização, a queda da fertilidade e o fim da pobreza extrema podem resultar em um mundo muito mais verde do que aquele que herdamos

Jeremy Hance ·
26 de fevereiro de 2019 · 6 anos atrás
Bugio. Foto: Fabio Olmos.

Como jornalista ambiental, sou bombardeado todos os dias com manchetes como “O Apocalipse dos Insetos Está Aqui” ou “Metade da Vida Selvagem Global Perdida“. O fim da natureza, pelo menos como as gerações anteriores a conheciam, parece bem próximo.

Mas e se o que estamos realmente testemunhando não é o colapso generalizado da biodiversidade global, mas sim um momento curto, embora sombrio, no tempo geológico – um instante em que a saúde ecológica do mundo aparece em frangalhos, mas também em que, se você for corajoso o suficiente para vê-lo, o brilho de um mundo novo e melhor começa a surgir? Alguns cientistas agora dizem que existem padrões macro que apontam para um mundo que está mudando de maneiras quase impossíveis para nós, em 2019, nos envolvermos. Esses padrões mostram que, se apenas nos mantivermos, se os conservacionistas apenas permanecerem firmes e fortes, a natureza poderá fazer seu maior retorno na história humana.

De acordo com um estudo recente da Bioscience realizado por três cientistas da Wildlife Conservation Society (WCS), a história está no gargalo de uma garrafa agora – tudo parece desconfortável, apertado e claustrofóbico – mas há uma luz no fim deste túnel.

E é verde.

A Teoria do Afunilamento à Ruptura

No ano passado, Eric Sanderson, ecologista sênior de conservação da WCS; Joseph Walston, seu vice-presidente de conservação de campo; e John Robinson, vice-presidente executivo de conservação e ciência, publicaram um documento de livre acesso intitulado “From Bottleneck to Breakthrough: Urbanization and the Future of Biodiversity Conservation” (“Do Gargalo à Ruptura: a Urbanização e o Futuro da Conservação da Biodiversidade”). O artigo não recebeu muita atenção na imprensa e só foi citado três vezes desde então, de acordo com o Google Scholar. Mas aquela história de contornar o tempo que eles contam é radicalmente diferente da maioria das histórias contadas pelos cientistas conservacionistas de hoje – acredite em mim, porque eu já ouvi o suficiente a respeito enquanto compartilhamos cervejas.

Urbanização crescente na Índia. A taxa de fertilidade indiana caiu pela metade em menos de quarenta anos. Hoje, está pouco acima do nível que garante a substituição natural das gerações. Foto: WCS.

A teoria destes cientistas postula que se a sociedade global continuar se tornando cada vez mais urbanizada, as taxas de fertilidade declinam (e eventualmente chegam abaixo dos níveis de reposição) e a pobreza extrema desaparece. Nestas condições, a natureza teria a chance de recomeçar – não em escala global, nem mesmo enquanto estamos vivos (nós hoje em dia provavelmente ficaremos no gargalo), mas certamente os filhos de nossos filhos podem herdar um mundo muito mais promissor do que o que temos hoje.

“Não é inconcebível que, daqui a dois séculos, a população possa ser metade do que é hoje e as metas há muito acalentadas de um mundo onde as pessoas respeitem e cuidem da natureza possam ser realizadas”, escrevem os pesquisadores. “Especialmente se agirmos agora para promover essa eventualidade”.

A trindade aqui é população, pobreza e urbanização.

É fácil ver como o declínio da população beneficia a natureza: menos humanos significa uma pegada humana geral menor. Florestas e outros ecossistemas retornarão; espécies irão se recuperar. Tais ocorrências já foram vistas em áreas onde as populações humanas se estabilizaram ou decresceram.

A urbanização amplifica essa tendência. Segundo os pesquisadores, ela não apenas aglomera as pessoas em áreas menores e mais eficientes, mas os residentes urbanos também tendem a ter menos filhos. Isso se deve ao fato de que as mulheres nas cidades geralmente têm mais autonomia, educação e oportunidades, gerando menos filhos. Uma melhor assistência médica nas cidades também significa menores taxas de mortalidade infantil, resultando em casais decidindo ter menos filhos porque não temem pela sobrevivência destes.

A crescente aglomeração urbana humana não significa necessariamente maiores impactos ambientais, dizem os pesquisadores. Os moradores das cidades possuem uma tendência significativa de gastar mais sua renda em habitação, transporte e investimento. Eles também tendem a viver em um sistema mais eficiente, consumindo menos energia e água e produzindo menos resíduos per capita em comparação com as comunidades rurais. Hoje, mais da metade da população mundial vive em áreas urbanas.

“Não é inconcebível que, daqui a dois séculos, a população possa ser metade do que é hoje e as metas há muito acalentadas de um mundo onde as pessoas respeitem e cuidem da natureza possam ser realizadas”, escrevem os pesquisadores”.

Ao mesmo tempo, a porcentagem de pessoas que vivem em extrema pobreza continua a declinar. Embora a eliminação da miséria seja, obviamente, um nobre esforço, ela também beneficia a natureza, já que aqueles que vivem em extrema pobreza dependem, muitas vezes, diretamente da exploração da natureza para sobreviver. Ao mesmo tempo, os pesquisadores argumentam que “educação, regulamentação, política econômica ou normas sociais” podem ajudar a dissociar a riqueza crescente da extração de recursos naturais e dos impactos ambientais.

“Esse trabalho não é para acirrar os ânimos das pessoas”, diz Walston, “é que achamos que há uma enorme subestimação ou falta de consciência sobre esses macro impulsionadores”.

Ele acrescenta que as mesmas forças que estão “derrubando a natureza” hoje estão “formando as fundações das circunstâncias últimas [onde] a natureza pode se recuperar, se restabelecer”.

Os cientistas não estão de modo algum negando os atuais relatórios sobre a vida selvagem e a biodiversidade, mas veem um potencial futuro diferente se apoiarmos esses padrões macro, alguns dos quais estão ligados, ironicamente, ao desenvolvimento, à globalização e às forças do mercado.

“Essa é a razão fundamental por que as pessoas não conseguem entender isso porque, ao mesmo tempo, está chegando ao ponto mais sombrio”, diz Walston.

Do Japão à África Subsaariana

Em maio, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) anunciaram que as taxas de fertilidade no país tiveram seu nível mais baixo de todos os tempos: 1,76 bebês por mulher. Isso está aquém dos 2,1 nascimentos por mulher que é considerado como nível de reposição, ou seja, a taxa em que a população se mantém estável. É claro que os EUA não verão seu declínio populacional em breve por dois motivos: impulso interno de booms de nascimentos anteriores e imigração.

Mas a notícia mostra que mesmo os EUA não conseguem escapar da inevitabilidade do declínio da fecundidade. À medida que as nações emergem nas economias avançadas, a pobreza diminui, as populações se urbanizam e a taxa de fertilidade cai até que o nível populacional acabe se estabilizando.

A parte final desta transição, o declínio real da população, juntamente com baixa (mesmo inexistente) pobreza extrema e alta urbanização, tem sido observado em várias nações, como o Japão e Portugal. Com menos pessoas, os ecossistemas podem se recuperar.

O bisão-americano, que já esteve à beira da extinção, está fazendo um grande retorno, inclusive em áreas protegidas e em terras indígenas. Foto: Kelly Stoner/WC.

Mas a resposta política a essas mudanças demográficas tem sido negativa. Preocupados com o crescimento econômico de curto prazo, políticos e economistas parecem ter chiliques sempre que há uma onda de declínio populacional: no Japão, os políticos têm um histórico de culpar as mulheres por não terem mais filhos ou de implorarem para que elas se tornem “máquinas de parir”.

A mídia segue os economistas e políticos, porém, cobrindo o declínio da população como algum tipo de desastre natural (veja aqui e aqui). Tal jornalismo denuncia a queda das taxas de fertilidade, sem mencionar as mudanças climáticas, o meio ambiente, a extinção em massa ou a superpopulação. Em 2017, o então orador da Câmara – e pai de três filhos – Paul Ryan, implorou aos americanos que tivessem mais crianças, acrescentando: “Eu fiz a minha parte“.

Mas Walston diz que até agora, apesar de todos os seus esforços, políticos e economistas não conseguiram encontrar uma maneira de reverter o declínio da fertilidade: “Os governos tentaram de tudo, desde pagar a forçar as pessoas, e isso não funcionou”.

A única maneira de realmente aumentar a população, segundo Walston e Sanderson, é ir à guerra novamente. Acontece que a paz é muito boa para estabilizar a população global (segurança significa que você tem menos medo de perder um filho), enquanto a guerra tende a produzir “baby booms“.

Walston diz que os economistas “tendem a ir direto para” a transição de idade em uma sociedade onde a desaceleração demográfica significa mais idosos do que os jovens.

“Isso é um problema de curto prazo – o que significa algumas décadas – para a economia. Mas no longo prazo, eventualmente, aqueles idosos vão morrer como todos nós, e então a população será menor e a estrutura etária voltará a ser mais alinhada ”, diz ele.

Há uma região que até agora resistiu à tendência global: a África Subsaariana ainda sofre de pobreza generalizada (a Nigéria tem mais pessoas vivendo em pobreza extrema do que em qualquer outro lugar) e, vale destacar, tem uma taxa de fertilidade teimosamente alta. Atualmente, as mulheres da região têm pouco menos de cinco filhos cada – duas vezes a média global.

“Acho que as cidades africanas são o lugar mais importante para se trabalhar na conservação ou em quaisquer outras questões humanitárias, porque elas detêm o segredo da estabilização”, diz Sanderson.

O crescimento contínuo na África Subsaariana torna assustadoras as projeções atuais para a população global, potencialmente tão altas quanto 11,2 bilhões até 2100, embora Sanderson diga que esses números “maiores” “apenas pegam as taxas históricas e as projetam no futuro”.

Ele diz acreditar que a África passará por sua “transição demográfica de forma muito mais rápida” do que outras regiões.

Um gorila das montanhas. Foto: Liana Joseph/WCS.

Por um lado, já temos o conhecimento de como melhorar a saúde, bem-estar e educação, e fornecer acesso ao planejamento familiar. Em segundo lugar, Sanderson diz acreditar que a região em breve será inundada por capital de países estrangeiros, especialmente a China, em busca de novas oportunidades de investimento.

“A peça realmente crítica são os governos africanos. Façam com que esses governos trabalhem e sejam confiáveis por seu povo”, acrescenta ele.

Tanto Sanderson quanto Walston apontam para Ruanda, onde as taxas de fertilidade caíram pela metade nos últimos 30 anos, como um exemplo de uma nação africana que está chegando ao limite de seu gargalo.

“Você tem um governo que realmente funciona”, diz Sanderson. “Está tentando fazer com que suas cidades funcionem, e elas estão atraindo todo tipo de investimento, e isso está realmente se manifestando em incríveis tendências sociais que, mais uma vez, eram impensáveis há 30 anos. Ruanda é o garoto-propaganda”, acrescenta ele.

Conservação na garrafa

Vamos supor que Sanderson, Robinson e Walston tenham atingido uma teoria correta: que estamos em um estado de transição e que a futura Terra pode parecer muito mais verde e menor do que a atual. O que fazemos com esse conhecimento? Como os conservacionistas e os formuladores de políticas podem ajudar a sustentar essa transição e garantir que ainda haja vida selvagem depois que todos saírem do gargalo?

“Temos esse desafio incrível”, diz Walston, “temos a oportunidade de, ao longo das próximas [décadas], aproveitar o máximo possível da natureza desse gargalo, porque tudo o que fizermos para obter sucesso será o precursor para um incrível renascimento da natureza, e estamos vendo isso já em todo o mundo, em vários lugares ”.

De acordo com o artigo, há cinco ações que os conservacionistas devem focar nas nações que estão em meio ao gargalo ecológico: criar áreas protegidas, proteger a biodiversidade ameaçada, apoiar cidades melhores, impulsionar a migração rural para os meios urbanos e regularizar indústrias destrutivas de forma que os danos sejam minimizados.

Mesmo que diversos países experimentem o gargalo em momentos diferentes, as respostas primárias podem ser as mesmas. O principal é “garantir que algumas partes da natureza passem pelo gargalo”, diz Walston.

Isso aponta para um tipo de conservação antiquado, focado na criação de parques e na proteção de espécies.

Um tigre pego por uma armadilha fotográfica na Tailândia. Foto: WCS.

“[Áreas protegidas como fortalezas] é uma estratégia altamente eficaz, altamente rentável e de longo prazo, embora seja exatamente exemplificada como sendo o oposto”, diz Walston, que descreve o objetivo da conservação durante o gargalo como “literalmente aguentar firme”.

“A preservação tem sido uma das estratégias de conservação de longo prazo mais eficazes”, ele continua, “quando você relê sobre aquelas pessoas que estabeleceram o Parque Nacional de Yellowstone, eles pensaram que era isso. Eles achavam que o Ocidente estava perdido”.

Walston acredita que se os antigos campeões de conservação vissem o oeste americano hoje – o retorno dos lobos, a recuperação dos ursos pardos, a reconexão dos parques através das Montanhas Rochosas – “eles chorariam de felicidade”.

Um foco em áreas protegidas alinha-se bem com outra ideia ousada que rodeia os círculos de conservação hoje: Half Earth. Desenvolvida pela primeira vez pelo renomado cientista E.O. Wilson, a teoria afirma que os humanos devem separar metade do planeta para a natureza, tanto na terra quanto na água, para evitar a extinção em massa.

Walston diz que adora a “ousada declaração de ambição” em Half Earth, mas diz que acha que a conversa ficou atolada em minúcias e pessimismo.

“[Do Gargalo à Ruptura] nos oferece um mecanismo melhor para alcançar a Half Earth do que qualquer tipo de processo de priorização analítica baseado em mapas que apareça no momento”, diz ele, acrescentando: “No momento, todos falam sobre a impossibilidade de Half Earth – mas nós realmente achamos que poderia ser mais da metade.”

Walston, que começou sua carreira como conservacionista na Tailândia, aponta para o país como um ponto de vista de sua visão e teoria. “A Tailândia era motivo de chacota. Ela foi o bicho-papão na conservação do Sudeste Asiático quando eu estava começando minha carreira. Nós chegamos ao fundo do poço”.

Mas com o declínio da pobreza e da fertilidade, o aumento da urbanização e uma melhor governança, a Tailândia está “começando a retornar” em termos de natureza, de acordo com Walston. Agora, as necessidades de conservação tailandesas devem se voltar para a conexão da crescente classe média com sua herança natural, diz ele.

“Precisamos conectá-los para que eles se sintam proprietários destes locais”, diz Walston. “Eles são os únicos que estão garantindo que seu governo pague mais por esses lugares, faça mais para protegê-los, para permitir novas formas de conservação inovadoras, para contorná-las e expandi-las.”

Walston ressalta que até mesmo o tigre pode estar começando a se recuperar lentamente na Tailândia, com uma segunda população descoberta em 2017.

Os países que emergem do gargalo não perdem repentinamente a natureza para logo recuperá-la; o processo é lento, leva décadas e não é direto. Mas isso pode significar que as paisagens naturais ganham espaço para respirar, conseguem mais apoio público e estão menos ameaçadas.

Walston diz que os níveis de ambição pós-engarrafamento devem crescer de forma que se assuma “compromissos ousados”, incluindo o estabelecimento de parques transnacionais, áreas de conservação comunitárias e interconexão de parques, e a expectativa de uma possível restauração.

Walston e Sanderson dizem que sua organização, a WCS, já incorporou a teoria do gargalo à ruptura em seu trabalho diário. Há um foco maior em áreas urbanas na WCS, enquanto ao mesmo tempo a organização está muito focada nos lugares onde este gargalo é mais apertado: a África Subsaariana e partes da Ásia.

A Floresta Amazônica. Foto: Marcio Isensee e Sá.

Mais recentemente, os pesquisadores usaram sua teoria para analisar o futuro potencial dos tigres no sudeste da Ásia.

Walston novamente aponta para Ruanda e como a conservação de gorilas teve um sucesso inimaginável. “Deus, o que Ruanda passou nos últimos 30 anos!”, diz ele. Mas “alguém protegeu aqueles gorilas da montanha apesar de tudo isso. Agora é o programa de conservação de maior sucesso fenomenal, dirigido por ruandeses, apoiado pelo governo ruandês e… fornecendo uma base financeira forte para a economia local e nacional.”

Hoje, a população de gorilas das montanhas de Ruanda está em ascensão. “[Os conservacionistas] ainda se mantiveram nos piores momentos. Essa é a principal estratégia [no gargalo] ”, diz Walston.

“No máximo, vemos o nosso trabalho exatamente como o motivo para trabalhar na conservação e no planejamento urbano, porque ele agora pode ter uma recompensa enorme a longo prazo”, diz Sanderson.

Eucatástrofe

J.R.R. Tolkien inventou a palavra eucatástrofe. Refere-se à reviravolta repentina e feliz, tão comum nos mitos e na literatura: o protagonista chega ao limite da ruína total e depois, de alguma forma, vira as coisas. A quase destruição se transforma no felizes para sempre.

Tolkien empregou essa ideia com grande efeito em seu trabalho seminal, “O Senhor dos Anéis”, mas, como cristão, ele também acreditava em seu poder na vida real: que, mesmo quando alcançamos a borda do perigo, a humanidade tem a capacidade para reverter o curso.

“Estamos nos aproximando do ponto de inflexão maior”, diz Walston sobre a teoria do gargalo para a ruptura, “é o ponto em que as coisas podem parecer mais terríveis”.

A teoria de Walston e seus colegas é baseada em resmas de evidências e dados, mas também exige conclusões particulares sobre o que tudo isso significa. Em última análise, leva a uma possível previsão sobre o nosso futuro.

A construção prossegue 24 horas por dia em Forest City, que já é o maior empreendimento de uso misto na Malásia. A Country Garden diz que vendeu 16.000 unidades residenciais, a maioria delas em torres residenciais altas montadas a partir de componentes pré-fabricados de concreto e aço. Imagem de Keith Schneider para a Mongabay.

Não é destino. É uma ideia. É tentadora, mas pode ser que não seja de todo verdade. “O sucesso não é inevitável”, escrevem os pesquisadores. “Mas… agir para acelerar essas dinâmicas agora oferece a melhor oportunidade que a humanidade terá para recuperar a natureza em escala global” – para, em uma palavra, completar uma eucatástrofe.

Ainda assim, os pesquisadores reconhecem que uma das ameaças que podem afetar tudo é o aquecimento global. Sanderson chama isso de “wild card” devido a discussões sobre “pontos de inflexão e criação de feedbacks positivos que levarão o sistema terrestre a passar muito tempo para se recuperar”. Se permitirmos que nosso clima ultrapasse o limite, a extinção em massa pode se tornar inevitável.

Mas Sanderson também enfatiza que a ação em sua teoria produziria um mundo mais frio. Uma das melhores – e menos faladas maneiras – de combater as mudanças climáticas é que as sociedades façam a transição mais rapidamente para famílias menores.

As cidades também são fundamentais.

“Um dos aspectos menos valorizados do combate às mudanças climáticas é a urbanização”, diz Walston, citando a iniciativa climática C40 Cities. “Esqueça os Estados, esqueça, em muitos aspectos, os governos federais, são as cidades do mundo que estão se unindo, tanto porque estão sentindo o impacto da mudança climática, como também porque estão sentindo o poder”.

Ainda assim, qualquer previsão vem com um monte de hipóteses: E se a tendência populacional na África Subsaariana não seguir a desaceleração no resto do mundo? E se passarmos 2 graus Celsius (3,6 graus Fahrenheit) de aquecimento? E se o consumo e o materialismo sobrecarregarem nossa capacidade de salvaguardar os ecossistemas? E se os insetos desaparecerem, porque escolhemos não fazer nada?

Os pesquisadores querem deixar claro que não estão defendendo a ideia de não fazer nada para alterar a situação. Longe disso. Eles também não estão dizendo que as tendências atuais vão nos salvar sem que ninguém levante um dedo.

“Pode-se imaginar o gargalo fechando, ou porque a população cresce muito rápido e a pobreza a supera, ou porque demos as costas à natureza por meio de uma ideia de que apenas tecnologia e progresso farão todo o trabalho”, diz Sanderson.

Mas ele se opõe ao que ele chama de “versão Twitter” do pessimismo ambiental.

“O fato de que a situação caminha para um desastre inexorável sugere que não há razão alguma para fazer qualquer coisa, porque tudo o que fizermos inevitavelmente falhará. Eu acho que ambos [Walston e eu] acreditamos que criar as perspectivas para o futuro que queremos será enormemente difícil, mas nosso artigo sugere como isso pode realmente acontecer, ao invés de – como grande parte da literatura de conservação faz – apenas apontar como as coisas podem ou não dar certo”.

Em janeiro deste ano, um centro de estudos patrocinado pelo Estado na China anunciou que esperava que a população do país, a maior do mundo, se estabilizasse em uma década. O relatório prevê que a China atingirá um pico de 1,44 bilhão em 2029 e depois cairá. Os meios de comunicação em grande medida reagiram com os freakouts habituais.

Mas não se engane: isso é uma boa notícia, uma ótima notícia, na verdade, para o clima, a biodiversidade e a sustentabilidade não apenas da humanidade atual, mas também para o bem-estar das gerações vindouras.

Walston e Sanderson apontam para uma recente projeção demográfica que diz que a população global pode cair para 2,3 bilhões em 2300 – menos de um terço da população atual.

“Dois bilhões e três bilhões, onde ninguém é pobre e todo mundo tem acesso a toda a tecnologia que já temos, além daquilo que vamos inventar de hoje em diante: um mundo completamente diferente em termos de conservação”, diz Walston. “Conservação não é mesmo a palavra certa nesse ponto.”

No final da indústria baleeira, as baleias jubarte caíram para alguns milhares. Hoje a população está em torno de 80.000. Foto: Júlio Cardoso/Baleia à vista.

Qual seria a palavra então? Talvez abundância. Talvez eucatástrofe.

Eu sou jornalista ambiental há muito tempo para ser totalmente ingênuo sobre as várias teorias ecológicas ou sociais que surgem no topo. Mas tenho dificuldade em discordar de muitos dos pontos de Sanderson e Walston.

Então me pego imaginando outro mundo, diferente daquele que herdei, um que nunca verei, mas que os netos de meus netos poderão desfrutar: onde orangotangos estão se mudando para plantações abandonadas em Bornéu, onde leões estão habitando novos territórios e as pessoas estão dizendo “Bem, o que fazemos agora?”. Um mundo onde os rinocerontes de Sumatra estão sendo transportados de volta para a Ásia continental, onde os cientistas perderam a noção de quantos bebês de baleias-francas nascem todos os anos porque são simplesmente muitos.

Um mundo onde as temperaturas globais são 1 grau Celsius (1.8 graus Fahrenheit) mais frias do que agora, onde as pessoas estão plantando florestas tropicais em terras de pousio longo, e onde lobos uivam em quase todos os 50 estados dos EUA (eu não defendo trazê-los para o Havaí). Este é um lugar onde os indígenas estão caçando macacos em suas terras legais na Amazônia, enquanto alguém em Cuba está criando solenodontes cativos para retorná-los à natureza, e os insetos ainda dominam o mundo.

Existem 2,3 bilhões de humanos neste mundo. Ninguém imaginaria queimar carvão ou petróleo para energia (que coisa mais primitiva!). A pobreza extrema é uma coisa do passado. As cidades são torres verdes, as áreas rurais estão cheias de florestas e campos, e as regiões selvagens estão a apenas uma hora de distância de praticamente qualquer lugar.

Eu sei que este mundo é um sonho, uma ilusão. Mas também sei que não é impossível. E não apenas nossa geração tem o poder de iniciar a eucatástrofe, mas já existem forças que podem ser aproveitadas. Nós apenas temos que escolher fazer isso.

*Tradução: Nanda Fernanda.

Saiba Mais

W. Sanderson, J. Walston, J. G. Robinson, From bottleneck to breakthrough: Urbanization and the future of biodiversity conservation. Bioscience 68, 412–426 (2018). 10.1093/biosci/biy039pmid:29867252

Eric W. Sanderson, Jesse Moy, Courtney Rose, Kim Fisher, Bryan Jones, Deborah Balk, Peter Clyne, Dale Miquelle, Joseph Walston. Implications of the shared socioeconomic pathways for tiger (Panthera tigris) conservation. Biological Conservation, 2019; 231: 13 DOI: 10.1016/j.biocon.2018.12.017

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    Jornalista, correspondente sênior do Mongabay, além de ser um blogueiro do The Guardian e freelancer

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Comentários 2

  1. José diz:

    Interessante e otimista. Mas, para que essa visão se concretize as cidades vão ter que ser capazes de maximizar a produção do que consomem, e produzirem de forma limpa, e também de absorverem os resíduos que gera. Não é tarefa fácil e, confesso, tenho dificuldade de aceitar essa visão. Uma cidade considerada limpa, verde, não necessariamente está deixando de consumir produtos de degradação e também de exportar o que degrada. O que a maioria dessas cidades são é eficientes em mandar pra longe suas externalidades negativas. Não acredito num futuro promissor enquanto as pessoas não se responsabilizarem pelos danos provocados pelo que consomem e geram, terceirizando a conta para um ente superior: estado, cidade, empresa, etc. Difícil saber qual utopia está mais distante: o de pessoas conscientes ou o cidades (realmente) limpas. Exercício fascinante, mas dificílimo.
    Mas desafiador do que pensar em cidades (realmente) sustentáveis é pensar no fim da pobreza, que seria o pressuposto para o empoderamento feminino e redução das taxas de natalidade. A existência da pobreza é imprescindível para sustentação da forma que nos organizamos para produzir. Pouquíssimos (sendo otimista, pra não dizer nenhum) empreendimentos sobreviveriam à internalização das consequências negativas sociais (e ambientais) das suas ações.
    Outra forma seria dizer que as empresas são tão eficientes, quanto melhor conseguirem mandar para longe as externalidades negativas que produz (ou são produzidas na geração do que consomem), por consequência os países, a sociedade e o próprio só sobrevivem com pobreza e/ou degradação ambiental. O sucesso ou fracasso na verdade se refere a quão perto ou longe esses sistemas conseguem manter essas externalidades.


  2. Fabio diz:

    Maior urbanização, êxodo rural, agricultura mais eficiente e mulheres com melhor educação (o que reduz tanto a miséria quanto a natalidade) ajudam a Natureza. Pontos que devem constar das políticas de longo prazo.