A pandemia do coronavírus, que pode atingir proporções alarmantes no Brasil em abril e maio, conforme já admitiu o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, vai exigir uma mudança de postura da sociedade. Um aspecto pouco discutido até o momento é que essa e outras pandemias sejam decorrentes, em parte, de desequilíbrios na saúde planetária.
Ebola, HIV, dengue, Sars, gripe aviária, Zika, vírus do Nilo Ocidental, Mers e, agora, a Covi-19 são faces da mesma moeda. Quando falamos em ética para a vida, que inclui a sustentabilidade, não podemos deixar de avaliar o desconhecido que ainda habita a inesgotável antessala do Gênesis.
A humanidade, além de proteger a biodiversidade, deve avaliar os riscos inerentes à riqueza natural em toda a sua complexidade, cujos efeitos nocivos se deram, ora em função da destruição de ecossistemas, como o caso do ebola, ou na periculosidade liberada a partir de organismos vivos, como o caso do Covid-19.
O Brasil discute saúde ambiental há um bom tempo, com sanitaristas internacionalmente reconhecidos. Em 2002, ocorreu a discussão inicial para elaboração do Termo de Referência de Saúde Ambiental por meio da Organização Panamericana de Saúde (Opas). Os enfoques foram prioritariamente voltados à contaminação química, já que o Brasil enfrentava a fase de áreas contaminadas, ou “brownfields”, com riscos às populações atingidas.
Uma das maiores preocupações no Brasil são as populações concentradas e sem possibilidade de isolamento. Sem saneamento e em sub-habitações, instaladas principalmente nas áreas periféricas metropolitanas, como farão para controlar a expansão do vírus?
O Brasil conta com expressivo acúmulo de conhecimento na área de epidemiologia ambiental, mas vamos ter que evoluir mais. É preciso discutir saúde pública, nos aspectos preventivos e em sua interação com os determinantes ambientais. Este desafio se impõe cada vez mais, em função da destruição de ecossistemas e com a liberação de organismos fora de seus habitats.
Além disso, há indícios de potencialização de efeitos nocivos à vida em função de sinergias provocadas, por exemplo, com a interação entre cianobactérias, cianotoxinas e Zika, potencializando as causas da microcefalia. Sem falar dos agrotóxicos nas águas dos reservatórios, que são ameaça silenciosa, bioacumulativa, com muitas substâncias já banidas no exterior, mas que o Brasil ainda utiliza. Há também evidências científicas que apontam níveis de tolerância em termos de teratogenicidade muito menores do que os padrões hoje adotados.
Saúde pública e meio ambiente precisam dialogar mais, já que as vulnerabilidades de nossa sociedade, em grande parte hipossuficiente, se tornaram mais que evidentes. Além disso, a crise nos traz lições importantes. Uma delas é que nossas atividades estão acima dos limites das alterações aceitáveis dos ecossistemas. O Brasil parou e o ar tornou-se mais limpo com a Covid-19, enquanto em Veneza, na Itália, que mais sofre com a disseminação da doença e mortes, os cardumes de peixes são visíveis em seus canais.
Há um novo modus vivendi para aflorar, que passa pela inovação, pela energia limpa, pelo saneamento, pela infraestrutura para a sustentabilidade, pela justiça social e pela ética para com a vida e sua sobrevivência.
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