A CoP-27 da Convenção sobre Mudança Climática foi recentemente concluída e nos próximos dias se inicia a CoP-15 da Convenção sobre Biodiversidade. Esta última será tão ou mais importante em termos de seus impactos na sociedade e nas políticas públicas. Ambos os temas estão muito interligados na realidade, mas ainda distantes nas decisões e nas implementações. Precisamos de soluções baseadas na natureza, em todas as frentes. Mas, estamos preparados para as decisões necessárias na CoP-15 e os desafios que virão a seguir?
Considerada por alguns como uma das CoPs mais importantes, talvez a 27ª Conferência das Partes (dos países e outros signatários) da Convenção sobre a Mudança Climática (CQNUMC) tenha a sua relevância associada à condição de urgência climática que caracteriza o momento atual da sociedade contemporânea. Já ultrapassamos em muito a validade de falar a respeito e agora já estamos perdendo o momento de enfrentar as mudanças climáticas. Mas os modelos de sociedade e de desenvolvimento, insustentáveis, predatórios e baseados no excessivo uso de combustíveis fósseis e na transformação dos ecossistemas, ainda resistem. E, pior, predominam.
Além de reforçar a necessidade urgente de evitar a mudança climática, a CoP-27 do Clima teve alguns destaques importantes. O mais evidente foi, em seu final, a decisão sobre um processo para o estabelecimento de um mecanismo financeiro para a compensação de perdas e danos, no sentido de contribuir com o enfrentamento das consequências das mudanças climáticas pelos países especialmente vulneráveis.
Também no Brasil conhecemos bem algumas das consequências graves das mudanças climáticas. As recorrentes enchentes e deslizamentos de terrenos instáveis, tendo como resultado inúmeras mortes, doenças, prejuízos de toda ordem e danos econômicos. Eventos que vêm ocorrendo e se agravando a cada ano, variando apenas o local. Ainda que todas as classes econômicas sejam atingidas, as pessoas que mais sofrem são, invariavelmente, os mais pobres, relegados às zonas precariamente urbanizadas, principalmente das grandes e médias cidades e, em geral, abandonadas pelo Poder Público. Curiosamente, mesmo cientes da importância de participação de todos os setores, parece que damos mais atenção a propostas e compromissos de empresas, no sentido de reduzir os impactos ambientais – compromissos que parecem se renovar permanentemente, mas nem sempre eticamente responsáveis ou levados a sério – do que aos danos recorrentes aos grupos socialmente mais vulneráveis às consequências das mudanças climáticas, que já chegaram.
Nesse sentido, na CoP-27 houve avanços em reconhecer as sinergias entre biodiversidade e clima, isto é, sobre a importância dos ecossistemas, inclusive das florestas, para o clima.
Tanto em termos de redução da presença de gases do efeito estufa na atmosfera, reduzindo emissões e absorvendo carbono, mitigando as tendências das mudanças, como para a nossa adaptação, no enfrentamento das consequências dessas mudanças. E isso vale para produção de alimentos, para a estabilidade do ciclo hidrológico, inclusive as condições de abastecimento de água, e para o bem-estar nas cidades, entre outras. No entanto, as decisões das duas convenções e as suas implementações nos países ainda mostram uma distância muito grande entre esses dois temas – clima e biodiversidade – que temos que superar.
Outro destaque nesta CoP-27 se refere à exposição das posições defendidas pelo novo governo eleito, entre as quais, o compromisso de combater os crimes ambientais e zerar o desmatamento – especialmente na Amazônia, mas, também, como fundamental, a eliminação da conversão em todos os ecossistemas de todos os biomas. Foi lembrada a cobrança aos países desenvolvidos sobre os compromissos financeiros, necessários para as ações em combate, tanto ao aquecimento global, quanto à perda da biodiversidade, nos países em desenvolvimento. Outro elemento fundamental foi o destaque para o indissociável vínculo entre mudança climática, biodiversidade e o combate à fome, que, junto com a falta de água, as migrações forçadas e as consequências das catástrofes, são temas sociais indispensáveis de serem considerados em um caminho mais ético.
Durante a CoP-27 houve uma importante cobertura da mídia e atenção das redes sociais sobre os debates em curso, inclusive para além da presença marcante do presidente recém-eleito. E, como é de praxe, se dá maior atenção ao tema da mitigação das mudanças climáticas do que ao enfrentamento das suas consequências. Isso poderia se justificar décadas atrás, quando começou o esforço de reduzir as mudanças climáticas. Mas, como não conseguimos evitar o aumento das emissões de gases de efeito estufa, daqui para a frente, no mínimo com a mesma prioridade, precisamos assegurar os caminhos para enfrentar as consequências do aquecimento global.
Normalmente se dá maior atenção às conferências globais vinculadas às mudanças climáticas, mas muito pouca atenção é dirigida às conferências globais sobre biodiversidade. Esse parece ser também o caso no momento atual, pois estamos às vésperas da CoP-15 da Convenção sobre Diversidade Biológica, a mais importante da década, mas a atenção sobre essa importante conferência parece muito reduzida. Não queremos diminuir a importância da consideração das mudanças climáticas. Ao contrário. Mesmo para o enfrentamento à emergência climática precisamos da biodiversidade e do maior envolvimento da sociedade.
Essas relações – entre clima, biodiversidade e sociedade – são fundamentais para a saúde (inclusive o enfoque da “One Health”), para a produção sustentável de alimentos e para a estabilidade da disponibilidade de água.
As soluções baseadas na natureza, que aproveitam os serviços dos ecossistemas e beneficiam tanto a biodiversidade quanto as pessoas, são mais eficientes e resilientes, e, portanto, representam um dos caminhos essenciais, indispensáveis.
Assim como as mudanças climáticas, a degradação da natureza faz mal à sociedade. Mais que isso, essa degradação piora as condições climáticas, gerando um ciclo vicioso, com impactos negativos a todos. O desmatamento e a degradação florestal e as mudanças no uso do solo (conversão de ecossistemas) amplificam o efeito negativo das mudanças climáticas.
A natureza tem valores intrínsecos, essenciais para o conhecimento e o desenvolvimento sustentável da sociedade. O equilíbrio dos ciclos e processos ecológicos é fundamental à nossa saúde e bem-estar e é garantia, também, para assegurar a economia em bases sustentáveis. Assim como no caso dos efeitos das mudanças climáticas, a distribuição dos benefícios advindos da natureza conservada, ou dos prejuízos do ambiente degradado, não são distribuídos de forma equitativa na sociedade e esse processo, eticamente questionável, vem agravando as desigualdades sociais, um drama nacional que precisa ser enfrentado, como enfatizado pelo presidente eleito, no seu contundente discurso.
Não se pode deixar de considerar que a agenda socioambiental, com ênfase nas áreas protegidas e conservadas (inclusive parques urbanos) e nos territórios dos povos indígenas e comunidades tradicionais, é essencial para o país. Inclusive para as questões climáticas, como a mitigação e a adaptação – na Amazônia e nas demais florestas tropicais, nos manguezais e zonas costeiras, nas áreas úmidas e outros ecossistemas relevantes. Esses reconhecimentos e estratégias são fundamentais no respeito aos direitos humanos, inclusive nas cidades, na conservação da natureza e no acesso da sociedade aos seus benefícios, servindo como marcos referenciais em conhecimento e depositários de recursos para assentamentos humanos e economias do presente e do futuro, por exemplo, por meio da proteção das bacias hidrográficas e da promoção de parques lineares e outras áreas verdes e azuis urbanas, de forma a minimizar os impactos de aquecimento global e a poluição nas cidades, reduzir os riscos e as consequências de enchentes, deslizamentos e outras consequências de manifestações climáticas que vem se tornando mais intensas e frequentes.
Assim, para o benefício da sociedade, do clima e da biodiversidade, uma das importantes decisões que esperamos sejam tomadas durante a 15ª Conferência da ONU de Biodiversidade, entre 07 e 19 de dezembro deste ano, em Montreal (sede da Convenção sobre a Diversidade Biológica), no Canadá, sob presidência da China, é o novo Plano Estratégico Global de Biodiversidade, com horizonte de 2030, com metas definidas inclusive sobre dois conteúdos fundamentais:
- a ampliação da cobertura global em termos de sistemas áreas protegidas e conservadas, eficazes, ecologicamente representativos e socialmente equitativos, para 30% de todos os ecossistemas – respeitando os direitos aos territórios dos povos indígenas e comunidades tradicionais e incentivando as reservas privadas e os sistemas de áreas protegidas e conservadas locais; e
- a distribuição equitativa dos benefícios da biodiversidade conservada e utilizada de maneira sustentável.
Para conseguir essas decisões e viabilizar sua boa implementação, precisamos que os países desenvolvidos confirmem suas promessas de apoio financeiro e técnico.
Além disso, a única forma de termos sucesso nessas agendas é por meio do reconhecimento do papel e dos interesses desses e outros grupos sociais e dos governos subnacionais, apoiando sua participação ativa.
(Este é o primeiro de três artigos sobre a Conferência da ONU sobre Biodiversidade em dezembro de 2022. Neste primeiro artigo apresentamos (i) as relações entre os temas de clima e biodiversidade e a necessária aproximação entre as respectivas convenções. Nos próximos 2 artigos apresentaremos: (ii) a nossa avaliação sobre a evolução dos resultados nos últimos 12 anos, considerando a importância do Brasil; e (iii) retomaremos com a importância das decisões na CoP-15 da Convenção sobre Diversidade Biológica.)
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