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Por que com a chegada da Grande Reserva Mata Atlântica, o Brasil ganhou um destino de natureza internacional?

Abrangendo 60 municípios e correspondendo à metade da área da Costa Rica, a Grande Reserva conta com uma enorme e diversa vida selvagem, montanhas, cavernas, cachoeiras, baías, manguezais e praias

Marcos Cruz Alves ·
20 de julho de 2022 · 2 anos atrás

Se até alguns dias atrás alguém nos questionasse sobre os grandes destinos internacionais de turismo de natureza, com certeza, na lista constariam o Pantanal e a Amazônia. Agora, é necessário atualizá-la, pois temos mais um grande player nesse espaço, que vem se estruturando para enriquecer a oferta turística brasileira: a Grande Reserva Mata Atlântica.

E seu apelo é muito bom. A Mata Atlântica, uma das florestas tropicais mais exuberantes do planeta, que à época do Descobrimento cobria de forma densa e exuberante grande parte da costa brasileira, foi reduzida a menos de 13% de seu tamanho original. Felizmente, ainda há um último grande remanescente em bom estado de conservação: a Grande Reserva Mata Atlântica, um território com 2,7 milhões de hectares de floresta tropical contínua, que se estende entre o sudeste de São Paulo e o nordeste de Santa Catarina.

Abrangendo 60 municípios e correspondendo à metade da área da Costa Rica, outro grande destino internacional de turismo de natureza, a Grande Reserva Mata Atlântica conta com uma enorme e diversa vida selvagem, montanhas, cavernas, cachoeiras, baías, manguezais e praias do oceano Atlântico. Esse território abriga cidades coloniais das mais antigas do Brasil, além de comunidades indígenas e históricas, todas a uma curta distância de dois dos maiores centros urbanos do país: São Paulo e Curitiba, e seus aeroportos internacionais. A combinação de riquezas culturais e naturais em áreas densamente povoadas oferece a rara oportunidade de conservar e usufruir desta paisagem única.

Note-se ainda que as áreas naturais protegidas são a base de uma economia inovadora, que pode beneficiar todas as pessoas que vivem na região, bem aos moldes das principais tendências mundiais do turismo pós pandemia, conforme apontado no Relatório de Viagens Sustentáveis da Booking.com para o ano de 2021, onde os viajantes afirmam a intenção de fazer mais viagens sustentáveis, tendo experiências autênticas, compreendendo outras culturas e preservando o patrimônio cultural, além de garantir que o impacto econômico seja distribuído em todos os níveis da sociedade.

Município de Morretes, no PR. Foto: Reginado Ferreira.

E por que acreditar no turismo de natureza? O setor do turismo contou com décadas de crescimento contínuo até ser interrompido pela COVID-19, e há de retomar seu crescimento tão logo a crise seja resolvida. Antes da pandemia, a movimentação financeira das viagens internacionais e respectivas receitas do turismo ultrapassou a economia mundial. De acordo com a Organização Mundial de Turismo (UNWTO), em 2018 o setor gerou US$ 1,7 trilhão em receitas de exportação de turismo internacional e transporte de passageiros, com 1,4 bilhão de viagens de turismo internacional, figurando como a terceira maior categoria de exportação do mundo, atrás apenas das indústrias de combustíveis e química. Nesse cenário, as áreas protegidas receberam anualmente cerca de 8 bilhões de visitas de turismo de natureza, gerando aproximadamente US$ 600 bilhões por ano em gastos diretos nos países envolvidos. Além disso, segundo o Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC), o turismo da vida selvagem – uma das modalidades do turismo de natureza, contribuiu com 4,2% das despesas diretas nos países envolvidos e 6,8% do emprego global. Para melhor ilustrar a magnitude desses números globais, vejamos alguns exemplos pormenorizados.

A 3ª edição do “Relatório de Contribuições do Turismo em Unidades de Conservação (UCs) Federais para a Economia Brasileira – Efeitos dos Gastos dos Visitantes em 2018”, produzido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), informa que a visitação em UCs em 2018 foi de mais de 12,4 milhões de visitas, um aumento de 16% (1,7 milhões de visitas) em relação ao recorde anterior de 10,7 milhões, em 2017. O relatório estima que os visitantes gastaram cerca de R$ 2,4 bilhões nos municípios de acesso às UCs, sendo que a contribuição total desses gastos para a economia nacional foi de cerca de 90 mil empregos, R$ 2,7 bilhões em renda, R$ 3,8 bilhões em valor agregado ao PIB e R$ 10,4 bilhões em vendas.

A iniciativa Nature4Climate (N4C), fundada em 2017 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em parceria com 19 das principais organizações de conservação, multilaterais e empresariais do mundo, fez um apanhado dos principais números de turismo de natureza no mundo.

  • Na região da Ásia-Pacífico, mais de 10 milhões de empregos dependem do turismo da vida selvagem. Na China, a recreação florestal e o turismo em parques florestais geram cerca de US$ 3,3 bilhões apenas em taxas de entrada. No Vietnã, um estudo de 2013 estimou o valor do turismo nos manguezais em mais de US$ 100 milhões por ano.
  • Na Europa, o setor do turismo emprega 12 milhões de pessoas. Destes, 3,1 milhões têm ligações a áreas protegidas.
  • Nos Estados Unidos, o turismo de vida selvagem sustenta 500.000 empregos. Os parques públicos locais e agências de recreação geram US$ 154 bilhões em atividade econômica e sustentam 1,1 milhão de empregos todos os anos. Os parques nacionais geram US$ 21 bilhões em gastos com visitantes e sustentam 340.500 empregos. Quase 2,4 milhões de pessoas estão empregadas no turismo oceânico no setor de recreação, ganhando aproximadamente US$ 58,7 bilhões em salários anuais. Em 2016, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA informou que 103,7 milhões de americanos participaram de alguma recreação relacionada à vida selvagem, gerando US$ 156,9 bilhões.
  • No Canadá, os parques nacionais e locais históricos receberam 25,1 milhões de visitantes em 2019. O turismo em terras indígenas gerou CAD$ 1,9 bilhão de PIB direto, com taxa de crescimento anual de 20%, 40.000 empregos e 19.000 negócios em 2019.
  • Na África, estima-se que 80% das viagens turísticas sejam de turismo de natureza. O Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC) estima que 8,8 milhões de pessoas estavam empregadas na indústria do turismo de natureza, que gerou US$ 29 bilhões em 2018.
  • No Quênia, o setor de turismo, que é quase exclusivamente focado na vida selvagem, gerou uma média anual de US$ 1 bilhão. As receitas do turismo internacional contribuem com 2% para o PIB e contribuem significativamente para o emprego.
  • Na Namíbia, o turismo de natureza baseado na conservação comunitária contribuiu com US$ 488 milhões em 2018 e criou 5.147 empregos entre 1990 e 2016.
  • Em Uganda, o turismo de natureza baseado na observação dos gorilas contribui com US$ 34 milhões para a economia local.
  • Em Botswana, o turismo de natureza é a segunda indústria mais importante, correspondendo a 3% do PIB e 76.000 empregos – 7,6% do emprego total.
  • Na Tanzânia, o turismo de natureza emprega 467.000 pessoas diretamente e mais de 1 milhão indiretamente, constituindo 12% do emprego total.
  • Na Costa Rica, as florestas sustentaram o crescimento da indústria de turismo do país, com ecoturistas representando mais da metade dos 2 milhões de visitantes internacionais ao país a cada ano.
  • No México, os ecossistemas marinhos do Golfo da Califórnia e da Península da Baixa Califórnia (GCBP), apoiam as atividades turísticas em muitas comunidades – a cada ano, o turismo marinho de natureza resulta em 896.000 visitas, US$ 518 milhões em gastos e pelo menos 3.575 empregos diretos de operações formais.

Pelos exemplos listados não faltam razões para otimismo, pois nosso potencial para o turismo de natureza é reconhecido mundialmente. No relatório “Competitividade do Setor de Viagens e Turismo”, produzido em 2019 para o Fórum Econômico Mundial, o Brasil é mencionado pelos seus excepcionais recursos naturais (2º no ranking) e culturais (9º no ranking) para atrair visitantes. Além disso, outros rankings mundiais colocam o país em primeiro lugar em biodiversidade e em turismo de aventura.

Praia em Superagui. Foto: Reginado Ferreira.

Entretanto, sabe-se haver um descolamento entre o potencial e a realidade, indicando haver muito espaço a ocupar. Apesar do potencial brasileiro para o turismo, o relatório “Barômetro Mundial do Turismo 2019” produzido pela Organização Mundial de Turismo (UNWTO), coloca o Brasil 47º lugar em Receitas de Turismo Internacional (US$ 5,9 bilhões) e 50º lugar em chegadas de turistas internacionais (6,6 milhões), atrás de países com potencial de recursos naturais e culturais muito menores.

Mas, se há tanto potencial, deveria ser feito algo a respeito, alguém diria. E é aí que entra a Grande Reserva Mata Atlântica, que nasce justamente de olho na oportunidade de converter esse potencial em realidade. Fazendo parte de um dos biomas mais biodiversos do mundo e com uma acessibilidade que a diferencia dos demais destinos de natureza, tem por visão ser reconhecida nacional e internacionalmente como um destino turístico pautado na conservação da natureza e valorização cultural e histórica.

A iniciativa fundamenta-se na abordagem de Produção de Natureza, um modelo de desenvolvimento que favorece a convivência entre atividades econômicas com a preservação de ecossistemas, tendo por base as áreas protegidas como ativo para o benefício de comunidades que vivem no seu entorno, especialmente por meio do ecoturismo. Para fazer frente ao desafio de envolver os mais diversos atores do território na estruturação de um destino turístico dessa magnitude, a iniciativa utiliza a metodologia de Impacto Coletivo, uma abordagem estratégica de colaboração intersetorial, oportuna para cenários complexos onde iniciativas individuais são importantes, mas insuficientes para atingir os objetivos desejados. Seus trabalhos estruturam-se a partir de uma rede colaborativa, que facilita e estimula ações em conjunto, envolvendo representantes das mais diversas áreas de atuação e também de diferentes regiões, que até então não vislumbravam possibilidades para a união de forças. Fazem parte deste grupo instituições públicas, empresas privadas, organizações da sociedade civil e indivíduos que atuam para divulgar e promover o desenvolvimento sustentável, sempre de forma voluntária. A atuação de todos os membros é horizontal, sem níveis hierárquicos, onde todos são tratados igualitariamente e se encontram mensalmente para acompanhar o progresso das ações definidas em conjunto.

Falando assim, parece ser tratar de um sonho inatingível. Mas não é. Em seu crescimento orgânico, a Grande Reserva Mata Atlântica ainda tem muito a crescer, mas já é uma realidade e vem abrindo portas por onde se apresenta. Seus materiais gráficos são de alta qualidade e lhe concedem identidade, seus processos são transparentes e inclusivos. Para quem quiser conhecer um pouco mais, há um website e um canal no Youtube com uma série de 30 episódios sobre suas histórias, que também estão sendo reprisados em TV aberta e canais pagos. Para quem quiser experimentá-la, há uma vitrine de vendas onde se pode adquirir os roteiros já disponíveis. Sem contar que acaba de ser lançada a sua campanha de inverno: Grande Reserva Mata Atlântica Emoções o Ano Todo.

As opiniões e informações publicadas nas sessões de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Marcos Cruz Alves

    Turismólogo e coordenador da rede de portais da Grande Reserva Mata Atlântica.

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Comentários 1

  1. Allana Cristina Araújo diz:

    Sensacional essa matéria.

    Orgulho de fazer parte deste destino turístico maravilhoso.