Análises

Um oceano de diversidade: Navegando pela inclusão e equidade na Década do Oceano

Se quisermos alcançar um oceano mais saudável e resiliente, temos de identificar e remover sistematicamente barreiras à diversidade geracional, geográfica, de gênero e de conhecimento

Malu Nunes · Julian Barbière ·
13 de setembro de 2024

Se o mar é constantemente usado nas artes como metáfora para descrever os complexos sentimentos humanos, o oceano pode ser visto como um símbolo de diversidade e inclusão.  Esse gigante abriga a maior biodiversidade do planeta, é responsável pela regulação do clima, acolhe culturas tradicionais ao longo das suas costas e sustenta atividades econômicas vitais. Conecta continentes, atuando como um elo natural que une as nações.

Contudo, a situação dos vastos e intrincados ecossistemas do oceano está mais crítica que nunca para a saúde do nosso planeta e para o nosso futuro. Face aos crescentes desafios ambientais, a ciência que procura compreender e proteger os ambientes marinhos e as comunidades que deles dependem tem sido historicamente moldada por um estreito leque de vozes.

A Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável da ONU para 2021-2030 (Década do Oceano), liderada pela Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO (UNESCO-COI), tem o ambicioso objetivo de “catalisar soluções transformadoras da ciência oceânica para o desenvolvimento sustentável”. Mas a pesquisa no ambiente marinho enfrenta obstáculos consideráveis. Disparidades históricas e crescentes no acesso a recursos financeiros e infraestrutura científica limitam a capacidade de muitos países em participar plenamente da ciência oceânica. A escassez de financiamento, a falta de embarcações e equipamentos adequados e a dificuldade de acesso a áreas remotas são barreiras significativas.

O Relatório Global da Ciência Oceânica 2020 da UNESCO-COI revela disparidades gritantes na produção da ciência oceânica. De acordo com a publicação, as mulheres têm participação inferior a 40% nos trabalhos científicos globais sobre oceano, número que cai significativamente em cargos de liderança. Além disso, a ciência oceânica está predominantemente concentrada nos países desenvolvidos, com a grande maioria dos centros de pesquisa localizada na Europa e na América do Norte.

O emblemático Relatório sobre o Estado do Oceano 2024 destaca ainda mais essas desigualdades, trazendo que comunidades indígenas e locais, apesar do seu conhecimento profundo e tradicional sobre os ecossistemas marinhos, seguem sub-representadas diante da ciência oceânica. Essa exclusão não só prejudica a inovação científica, mas também enfraquece nossa capacidade coletiva de responder aos desafios relacionados ao oceano com estratégias culturalmente sensíveis e eficazes.

Segundo as pesquisadoras brasileiras Jana Menegassi del Favero e Mariana Martins de Andrade, em artigo na revista “Ciência e Cultura”, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), para transformar essa realidade é preciso adotar uma abordagem que priorize a equidade, implementando uma governança inclusiva e um planejamento de longo prazo que considere a justiça geracional.

Promover maior participação das mulheres é um exemplo do que podemos fazer para garantir a diversidade e a inclusão na cultura oceânica. Quando tratamos de algumas das principais atividades econômicas no mar – geração de energia, exploração mineral, pesca e aquicultura, construção e reparação naval –, vemos novamente ambientes majoritariamente masculinos. No que diz respeito à pesca, embora a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estime que 79% dos pescadores no mundo sejam homens, no Brasil, levantamento recente do Governo Federal mostrou que 49% são mulheres. Em cinco estados, elas são maioria (Maranhão, Pernambuco, Sergipe, Bahia e Alagoas).

Vale destacar também que, na costa brasileira, que se estende por 8.500 quilômetros, há uma rica diversidade de comunidades pesqueiras tradicionais, incluindo indígenas, quilombolas, marisqueiros e catadores de caranguejo.

Passos concretos para a inclusão, diversidade e equidade na ciência oceânica

Se quisermos alcançar um oceano mais saudável e resiliente até 2030 e, mais além, sem deixar ninguém para trás, temos de continuar identificando e removendo sistematicamente barreiras à diversidade geracional, geográfica, de gênero e de conhecimento.

Embora tenham sido feitos bons progressos desde o lançamento da Década, em 2021, são necessários esforços adicionais. Todas as partes interessadas – cientistas, tomadores de decisão, comunidades costeiras, indústria, setor privado e sociedade civil – devem estar ativamente envolvidas na definição e implementação de soluções. Nesse espírito de colaboração, representantes de cerca de 30 fundações globais reuniram-se no Rio de Janeiro, em setembro, sob as premissas da Década do Oceano, para definir ações práticas para potencializar recursos a favor da saúde oceânica, tapando lacunas de financiamento, apoiando vozes sub-representados e promovendo soluções equitativas para a conservação do oceano. Somente adotando uma abordagem verdadeiramente inclusiva poderemos aproveitar a experiência coletiva e o compromisso necessários para criar um oceano próspero e resiliente que beneficie a todos.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Malu Nunes

    Engenheira florestal, diretora-executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e e membro da Rede de Especialist...

  • Julian Barbière

    Coordenador Global da Década do Oceano e Chefe da Seção de Política Marinha e Coordenação Regional da UNESCO-COI

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