A soja está cozinhando em fogo alto uma safra recorde de más notícias para a ministra Marina Silva. Dá para apostar que 2004 fechará com 30 mil quilômetros quadrados de desmatamento. São 7 mil a mais do que a média já insensata que o país vinha mantendo desde a virada do milênio. E um salto de cinco mil quilômetros quadrados sobre o índice escabroso de 1995, que até agora marcou na região o maior estrago de todos os tempos.
Quem avisa é o Modis, o conjunto de sensores orbitais que passou este ano a alimentar para o INPE o Sistema de Detecção de Desmatamento, um banco de informações em tempo real que o governo, com seu talento para compor siglas otimistas, chama de Deter. O satélite deveria avisar lá de cima o Ibama aqui embaixo cada vez que flagrasse na Amazônia um sinal suspeito de incêndio ou desmatamento. Mas, na prática, o que ele conseguiu nesta primeira temporada foi fazer 2004 fechar mais cedo.
Os dados oficiais, tirados do Landsat, só entrarão nas estatísticas lá para abril do ano que vem. Mas os dados do Modis começaram a chegar em Brasília esta semana. No dia 1 de dezembro têm visita marcada na Casa Civil. E vão carregados de sombras agourentas. Eles mostram que o desflorestamento, além de ultrapassar todas as expectativas, está disparando logo onde dói mais no governo. Avançou muito no eixo da BR-163, que o Ministério do Meio Ambiente apelidou de “estrada verde”. Antes do asfalto e dos programas de desenvolvimento sustentável, os incêndios passaram a acelerar como nunca na Cuiabá-Santarém. Dois anos atrás, a rodovia mal entrava no mapa de áreas críticas para o ambientalismo brasileiro.
Outro embaraço vem da Terra do Meio, o coração das florestas ainda preservadas do Pará, onde o governo ensaiava há vários meses um programa de vigilância ambiental e regularização fundiária. Paradoxalmente, foi bem ali que os focos de calor se mulplicaram, salpicando a floresta com manchas vermelhas à primeira vista desconexas, cujo desenho só se torna compreensível para quem é capaz de ligar no mapa os pontos esparsos com a rede de estradas clandestinas que costuram por dentro a Terra do Meio.
Aí fica visível aonde essas clareiras pretendem chegar. Por enquanto, são queimadas esparsas no meio da selva, às vezes em terras indígenas. Do alto, não passam de roçados quase insignificantes, retalhos de trinta metros por trinta, perdidos na imensidão da floresta amazônica. Mas, de perto, quase sempre querem dizer que entre as árvores alguém começou a preparar, na seca de 2004, os incêndios de 2005. É assim que as grandes derrubadas começam.
A ministra do Meio Ambiente já sobreviveu a outras derrotas. Mas essa é na Amazônia, o terreno onde a ministra Maria Silva sempre pisou com mais segurança. Este ano, ela se preparou para mostrar tudo o que sabia sobre os problemas ambientais de sua terra. Montou em julho, antes da estiagem, uma operação contra o desmatamento orçada em 50 milhões de reais, para controlar o fogo com a ajuda de 20 helicópteros do Exército, navios da Marinha e 200 funcionários do Ibama, ajudados de longe pelos olheiros orbitais do INPE.
No chão, ela investiu pesado na parceria com assentamentos da reforma agrária, convocados a formar uma espécie de aceiro humano contra a política de terra arrasada dos grileiros. Publicou um manual da queimada “controlada”. Promoveu 274 cursos de queimada comunitária entre os assentados. Gastou cerca de 4 milhões de reais com 421 kits de fogo amigo, com óculos, luvas, capacete, cospe-chama e bomba d’água. Tudo em regime de urgência.
Arrancar dinheiro do ministro Antônio Palocci não é tarefa para qualquer um. Claro que não bancou a empreitada sozinha. Ele foi discutido por nada menos de 14 ministros e coordenado pelo chefe da Casa Civil, como manda o figurino do governo Lula. Mas foi a ministra quem sacou o trunfo irrefutável: não dá para falar indefinidamente em ocupação sustentável de uma floresta que estava perdendo um estado de Sergipe por ano. Esse tempo passou. A Amazônia acaba de perder uma Alagoas.
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