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Com um rei na barriga

Na Duchy Originals, linha pioneira de nobres produtos orgânicos fundada há 13 anos, o príncipe Charles prova que tem visão do futuro e bom gosto.

18 de março de 2005 · 19 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

O casamento com Camilla Parker Bowles não se discute. Mas o gosto do Príncipe Charles tem um longo e próspero reinado pela frente, garantido pelos chocolates, chás, salsichas, pastas de arenque defumado, biscoites, sabonetes, xampus e até móveis de jardim, que ele gerou em suas terras de Highgrove, em Gloucestershire, sob a marca Duchy Originals.

O ducado a que se refere o nome Duchy Originals é naturalmente o de Charles, que além de príncipe de Gales vem a ser o 24º Duque da Cornualha. Em Highgrove, uma propriedade senhorial comprada há mais de 30 anos da família Macmillan, o herdeiro do trono começou a fazer ensaios de agricultura orgânica em meados da década de 80, quando a novidade ainda soava a conversa de hippie em feira de artesanato.

Hoje, a concorrência é grande. Na Inglaterra, os campos cultivados por produtores orgânicos avançam quase 10% ano desde 1993. E agora mesmo, através da Soil Association, o lobi dos fazendeiros que abjuraram os pesticidas e em nome do aquecimento global querem abolir o transporte de produtos agrícolas em longas distâncias, está em campanha para converter ao credo ambiental o país inteiro.

Mas a Duchy Originals tem uma coisa que os outros não têm – o brasão ducal, selo de uma nobre linhagem de produtos orgânicos carimbado em nada menos de 130 artigos, todos eles feitos como se fosse em casa. Ou melhor, na casa do príncipe Charles. As armas do Duque da Cornualha atestam, por exemplo, que o aroma cítrico dos sabonetes, cremes e xampus da marca vem de laranjas, limões e tangerinas que amadureceram ao sol da Andaluzia ou nos terraços dourados da Sicília. “Sabemos que os consumidores se preocupam tanto com o que põem na pele quanto com o que comem”, diz o site da Duchy Originals. E por isso criaram uma linha exclusiva de cosméticos “em parceria com o cabeleireiro das celebridades Daniel Galvin Junior”.
Tudo lá tem pedigree, além de sangue azul. Os pães passam pelas mãos da Walkers Shortbread, que ligou seus fornos escoceses em 1898. Os presuntos e salsichas devem o sabor aos porcos livres que vivem na brisa marinha do Canal da Mancha, aquecem-se em leitos de palha no inverno, banham-se em “lama refrescante” no verão e passam à posteridade como bacon sob os auspícios das Denhay Farms, em Dorset. São bichos que “desfrutam um estilo de vida natural e saudável”, garante a firma.

As conservas da Duchy Originals passam obrigatoriamente pelas tradicionais panelas de cobre de Somerset, aos cuidados da Tacklements de Wiltshire. Seus “bronzeados” perus de Natal levam a assinatura da família Kelly, de Essex. Os queijos, cremes e sorvetes contêm o leite dos rebanhos Ayereshire, de Highgrove. A cerveja, o venerando lúpulo Plumage Archer. Os patês de peixe, os arenques pescados na Cornualha com redes que deixam passar entre suas malhas os peixes menores de 20 centímetros. As garrafas de mineral, a água da fonte Pannamich, em Aberdeenshire. O chá, as folhas do vale de Brahmaputra, no noroeste da Índia.

Assim como o anel de noivado no dedo de Camilla, esses produtos orgânicos gerados pela perseverança do príncipe Charles foram parar ultimamente nas melhores lojas de Paris, Nova York, Copenhagen, Osaka, Milão e outras cidades do mundo onde se costuma provar o que, mais cedo ou mais tarde, o resto do planeta achará bom ou mesmo indispensável. Na Inglaterra, podem ser achados em endereços coroados pela freguesia da casa de Windsor, como a Fortnum & Mason.

E tem mais: o sucesso da Duchy Originals foi parar ultimamente no currículo de Charles, como um sinal de que, apesar das aparências, ele enxerga muitos palmos adiante do nariz. Ou não teria fundado essa dinastia de alimentos orgânicos em 1992, com um biscoito de aveia que exigiu um ano e meio de testes antes de receber, em cada bolacha, o brasão do Duque da Cornualha. Dez anos depois, discursando no aniversário da empresa, o príncipe resumiu numa frase a receita de todos os seus produtos: fazer comida da mais alta qualidade, com métodos tradicionais e tecnologia de ponta, respeitando ao mesmo tempo o meio ambiente e os costumes do campo.

E não é que deu certo? Desde 1999, a Duchy Originals dá lucro. De lá para cá, rendeu o equivalente a 18 milhões de reais, limpos, que foram integralmente recolhidos ao fundo de benemerência que Charles distribui entre escolas públicas e outras instituições de caridade. Em 2003, lançou uma linha de móveis de carvalho, feitos em madeira certificada dos bosques de Herefordshire e desenhados pelos arquitetos Leon Krier e Stephen Florence a partir dos bancos, mesas e cadeiras dos jardins privados de Highgrove.

Para esta Páscoa, a marca criou especialmente um ovo de chocolate amargo com recheio de laranja que promete transformar a Semana Santa numa “extravagância” de “luxo decadente”. Sai por 50 euros a caixa. Mas, ao contrário do que acontecerá no dia 8 de abril com a cerimônioa reservada do casamento com Camilla, pelo menos para esta festa ninguém pode dizer que não foi convidado.

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