Colunas

Falta argumento, Marina

A ministra Marina Silva jogou fora o Programa Pantanal, dizendo que ele é “contra os interesses do país”. Agora quer salvar a região, mas é um pouco tarde.

17 de novembro de 2005 · 20 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, resolveu primeiro classificar o Programa Pantanal de “herança maldita” e agora, dois anos e lá vai pedrada depois, o classifica de “contra os interesses do país”.

Como, senhora ministra, um programa que levou quatro anos de elaboração, com o governo brasileiro, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e uma plêiade de consultores, finalmente é classificado contra os interesses da nação? Um Programa que era para fazer saneamento básico em vários municípios pantaneiros, para limpar o Cuiabá da poluição orgânica, um programa para proteger as nascentes dos rios que fluem para o Pantanal, um programa para implementar várias unidades de conservação e áreas protegidas e para preparar esta região única para o ecoturismo, pode ser assim classificado?

Talvez seja assim denominado pelo atual governo pelo montante dos recursos, pois dizem que seria o mais caro e ambicioso projeto ambiental da história do Brasil, o que absolutamente não é verdade (ou a despoluição do Tietê e o Programa Nacional de Meio Ambiente, do Banco Mundial, não tratam de meio ambiente?), ainda mais considerando que seria realizado em quatro anos. Interessante, pois o programa foi orçado para um empréstimo de US$ 82,5 milhões e considerando-se a necessária contrapartida do governo brasileiro chegaria em US$ 165 milhões. Talvez, também, algumas exigências do órgão financiador, o BID, fossem, como sói acontecer, consideradas draconianas, mas para isso existem, tão propalados pelo atual governo, diálogo e negociações. Além do mais o Brasil poderia negociar critérios que mais lhe aprouvessem.

Mas não, o atual governo matou o Programa Pantanal e pronto! É verdade que ele fora idealizado e preparado pelo governo anterior e este fato, por si só, poderia ser recebido pelo atual governo como algo contra os interesses da nação.

Enganou-se o atual governo em muitas coisas. Começando pelo aspecto político: o próprio governador de Mato Grosso do Sul, do mesmo partido governista, no começo abraçou o Programa Pantanal.

Se tivesse sido implementado, mesmo que parcialmente, nestes quase três anos do atual Governo, o Programa Pantanal já poderia ter trazido grandes avanços, como o estabelecimento de unidades de conservação, infra-estrutura turística, treinamento, educação ambiental e até talvez já apresentar uma melhoria de qualidade das águas que fluem para o Pantanal, a maior área úmida da Terra, objeto de interesse do mundo ambientalista, do comércio, da indústria do turismo e do social.

Oportunidade perdida

Agora os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul discutem a necessidade de uma moratória para a pesca, esquecendo-se que só a moratória não trará nem mais peixes, tampouco mais turistas. Para se ter mais peixes é necessário que se protejam as nascentes dos rios, que se evitem o assoreamento e a erosão, os incêndios, a poluição, principalmente a orgânica, que se evitem barramentos, que se garanta a vazão natural dos rios e finalmente que se fiscalize a pesca predatória.

Assim o Pantanal, tão cantado em músicas e versos, tema de novelas e filmes, perdeu uma enorme e oportuna chance de começar a proteger seus atributos naturais, motivo de tamanha fama e riqueza.

Agora o Governo e a ministra Marina parecem que querem começar a ressuscitar o Programa Pantanal. Um pouco tarde demais, diga-se de passagem. Mas, por que será que estão querendo recomeçar de novo? Será pelos enormes incêndios que a região vem assistindo? Será para contrabalançar as dezenas de hidroelétricas previstas? Ou ainda o estabelecimento de usinas de cana-de-açúcar? Ou a enorme seca que deixa como rastro animais mortos para todos os cantos e uma feiúra sem precedentes nessa região outrora tão bela?

Seja qual for o motivo ou os motivos, é um pouco tarde depois que o país já gastou US$ 4,5 milhões em consultorias e não sei mais o quê, sem que o Programa saísse do papel.

O Programa Pantanal preparado no governo anterior foi considerado faraônico pelo atual, suponho que pelo custo. Mas este mesmo Governo comprou um avião presidencial caro de US$ 56 milhões de dólares, que tem uma vida útil definida, enquanto o Pantanal, se fosse protegido, lá estaria para sempre. Faz hidroelétricas de bilhões de dólares e nos faz ir para um referendo de US$ 200 milhões para referendar o que já estava decidido.

Caro ou barato, a curto ou médio prazo, salvar o Pantanal é tarefa para estadistas e para visionários que podem perceber que, se a região fosse protegida, garantiria por séculos uma entrada de recursos muito superior aos míseros US$ 165 milhões de dólares previstos para os quatro anos do Programa Pantanal, ora morto e enterrado, Senhora Ministra, graças aos senhores.

Leia também

Notícias
19 de dezembro de 2025

STF derruba Marco Temporal, mas abre nova disputa sobre o futuro das Terras Indígenas

Análise mostra que, apesar da maioria contra a tese, votos introduzem condicionantes que preocupam povos indígenas e especialistas

Análises
19 de dezembro de 2025

Setor madeireiro do Amazonas cresce à sombra do desmatamento ilegal 

Falhas na fiscalização, ausência de governança e brechas abrem caminho para que madeira de desmate entre na cadeia de produção

Reportagens
19 de dezembro de 2025

Um novo sapinho aquece debates para criação de parque nacional

Nomeado com referência ao presidente Lula, o anfíbio é a 45ª espécie de um gênero exclusivo da Mata Atlântica brasileira

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.