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Biodiversidade: por que se preocupar?

Para se convencer da importância da natureza, vale olhar para o cotidiano e perceber como plantas e animais são vitais para agricultura, pecuária e biomedicina.

13 de julho de 2006 · 18 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Fico matutando como defender a nossa biodiversidade, ou melhor, como convencer que a sua proteção é fundamental para o nosso bem-estar. Ela é de importância vital por muitas razões, mas eu queria concentrar esta matéria no benefício da sua proteção para a agricultura, pecuária e biomedicina. Isso porque acredito que nem sempre é fácil para quem não tem um interesse especial na conservação da natureza entender o que ela representa em termos de seus benefícios diretos e incontestes para a nossa espécie. E digo inconteste porque outros benefícios ou atributos da biodiversidade podem ser de compreensão ou aceitação mais complexa, difícil ou relativa, como no caso da ética e estética.

A ética depende de cada indivíduo, embora eu acredite que manter vivas as outras espécies no planeta, ao invés de extingui-las ou dizimá-las, deva ser um dever intrínseco da nossa espécie. Afinal não somos deuses para acabar com as outras formas de vida e acreditar que não pagaremos por isso. A estética também depende de cada ser humano. Conheço muitos que não conseguem apreciar ou reconhecer um ambiente natural, nem gostar de uma planta, e que são indiferentes até à beleza de pandas e tigres e que só gostam das formas humanas e das máquinas produzidas pelo homem. Também há, claro, os que gostam de ver natureza somente na TV ou na internet.

Que o Brasil possui a maior biodiversidade do planeta é do conhecimento geral. Que as taxas de extinção no Brasil e no mundo apresentam números assustadores, também tem sido fartamente divulgado pela imprensa, bem como a velocidade, cada vez mais célere, de extinções. Mas, parto do pressuposto que muita gente não sabe quais são as espécies silvestres ou selvagens que estão em nosso território e que direta ou indiretamente, através dos seus genes, são usadas no dia-a-dia de nossa agricultura, para nos alimentar. Tampouco creio que se saiba muito daquelas espécies silvestres fundamentais para estudos biomédicos ou para a indústria da biomedicina. Claro está que a lista é enorme e eu não tenho espaço para dá-la. Ou este talvez não seja o caso. Assim vamos dar alguns exemplos mais gritantes.

Cotidiano

Só para brincar, eu começaria com o abacaxi silvestre do Cerrado, ou, como dizem os cientistas, a forma selvagem do abacaxi, que foi domesticado pelo homem. Poucos, vendo essa planta nada conspícua e com frutos diminutos, podem imaginar que ela é o parente mais próximo dos abacaxis que se produzem aos bilhões no mundo todo. Para adoçar um pouco o paladar, temos na Amazônia o mamão, igualmente agora cultivado em todas as zonas tropicais e subtropicais do globo, também o cacau e seu parente próximo, o cupuaçu, que há tempos agradam paladares bem mais exigentes e sofisticados. Temos ainda a indispensável mandioca, bem como a batata doce e o amendoim, sem os quais a África de hoje passaria ainda mais fome; o maracujá, atualmente parte da paisagem de qualquer área rural tropical; o urucum, tão usado para pintar nossos índios e cablocos, tingir artesanatos e para a exportação para a indústria de cosméticos, em especial as asiáticas, e tantas outras, como guaraná, mate, açaí, camu-camu, tabaco, pimenta, palmito, castanha-do-Pará, etc.

Outras, embora menos conhecidas, estão adquirindo grande importância, como muitas do Cerrado, Amazônia e da Mata Atlântica, dentre elas o espinhento pequi, tão usado na comida goiana; o caju, usado em todo país e em muitos outros da face do globo, mangaba, araticum, buriti, jatobá, pitanga, goiaba, jabuticaba, araçá, cagaita, jenipapo, ingá, umbu do nordeste, entre tantos. Muitas plantas potencialmente alimentícias ou úteis ainda esperam sua vez. Outras plantas nativas úteis não produzem alimento, como a seringueira, o que não significa que sejam menos importantes para a humanidade.

A biodiversidade não se resume às plantas alimentícias ou de uso industrial. Ela inclui belas flores, como as das primaveras e, especialmente, muitas espécies de orquídeas, que movimentam milhões de dólares a cada ano e muitas outras maravilhas. Da fauna silvestre no Brasil foi domesticado o pato selvagem, o tal que além de ter o nome científico de Cairina moschata era a base do delicioso prato amazônico: “pato ao tucupi”, mutum, macuco, os preás e mocós.

As espécies brasileiras mais importantes que temos no nível mundial são: batata doce, mandioca, cacau, amendoim, urucum, seringueira, mamão, abacaxi e caju. Isso porque esses cultivos, que têm sua origem no Brasil ou na América do Sul, são bases da economia e da alimentação popular de numerosos outros países tropicais ou subtropicais. Do algodão silvestre regional, seus genes podem ser usados para melhorar os algodões mais extensamente cultivados, que são de origem egípcia.

Dependência da natureza

Todos os que trabalham com agricultura e pecuária sabem que a ciência sempre vai precisar dos genes das espécies silvestres para melhorar variedades domesticadas que se tornaram suscetíveis a pragas e doenças, porque já não funcionam os agrotóxicos aplicados, ou a variações climáticas, pelo aquecimento global e efeito estufa. Muitas espécies ou variedades domesticadas têm uma vida muito curta, de apenas décadas. Assim, se não se pode dispor de espécies silvestres protegidas na natureza, a situação fica extremamente grave, como vem acontecendo com o milho hoje em dia, que é nativo da América Central e infelizmente não teve adequada proteção das variedades silvestres, atualmente indisponíveis, portanto, para a ciência.

No que concerne à biomedicina é quase impossível escolher exemplos, pois 50% dos remédios hoje produzidos dependem da flora nativa ou da fauna silvestre. Assim, só a título de curiosidade ou de aspectos pictóricos vamos lembrar que só o tatu e o homem têm lepra ou hanseníase, o que faz desse animal um elemento essencial para a pesquisa sobre tal enfermidade; que há criadouros de cobras no Brasil, em especial de cascáveis e jararacas somente para atender a demanda de laboratórios que produzem remédios para tratamento de doenças circulatórias e cardíacas e que, a cada ano, se investem milhões de dólares em pesquisa sobre plantas medicinais, todas elas extraídas de ambientes naturais.

Além do mais, muitas plantas superiores são usadas na preparação de pesticidas e inúmeros animais, fungos, nematóides, bactérias servem para controle biológico de pragas e doenças, tanto quando reproduzidos massivamente, como quando preparados na forma de biocidas, fartamente usados na agricultura e pecuária. De outra parte, muitas plantas ou animais têm uso ornamental garantido como as orquídeas, samambaias e os peixes para aquários.

Enfim, acabar com a natureza ou extinguir espécies silvestres tem um preço difícil de pagar pela nossa espécie ou, às vezes impossível. E, por incrível que possa parecer, apesar de ser tão diretamente dependente da natureza, a agricultura é a que mais destrói os ecossistemas naturais dos quais depende a biodiversidade, que lhe permite existir.

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