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O Grande Encontro

Está para começar o IV Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, nosso maior e mais animado encontro de especialistas e gestores de áreas protegidas.

8 de outubro de 2004 · 20 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Dentro de poucos dias começará, em Curitiba, o IV CBUC, ou Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. O evento reunirá os responsáveis e interessados pelo acervo natural mais espetacular do Brasil: suas unidades de conservação públicas e privadas, federais, estaduais e até municipais. É o ápice bianual das carreiras de mulheres e homens que dão sua vida e seus melhores esforços para preservar o verde e o azul do Brasil.

Pode não parecer, mas os CBUCs não são chatos como tantos outros eventos. Não são encontros de “ecochatos”, como um distinto curitibano, ex-prefeito e promotor das artes e do turismo, costuma chamar os ecologistas. São reuniões onde se expõem e discutem, de forma amena e dinâmica, temas às vezes inusitados, mas sempre de transcendental importância para o país.

Lembro-me de um dos Congressos passados, onde se discutiu a ética religiosa em relação ao entorno natural. Um dos expositores lembrou a todos, e para espanto de muitos, que o Cristianismo da Idade Média transformou as florestas em albergues do demônio disfarçado de animais ferozes, justificando o desmatamento e as matanças. Outro, falando sobre um tema mais científico e moderno, demonstrou que a saúde de um ecossistema pode ser medida com base na presença de grandes predadores, como a onça. Um jornalista deixou preocupados os participantes, ao explicar por que o ambiente raramente ganha espaço na mídia, mas lhes devolveu um pouco de confiança quando ofereceu dicas de como transformar um fato aparentemente banal em notícia de primeira página.

No CBUC nunca faltam, claro, sonoras brigas entre os ambientalistas e os sócio-ambientalistas. Nem, claro, denúncias aos gritos contra as torpezas ambientais dos governantes, das quais não escapa nem o ex-governador Jaime Lerner, reputado ambientalista. A animação é garantida quando se reúnem os entusiastas do verde e do azul.

O que realmente importa é que, com esse evento, o Brasil sozinho faz competição a toda América Latina e demonstra que, mesmo não sendo o campeão regional da preservação de amostras de ecossistemas, é o país que mais tem feito para expor seus problemas e procurar soluções coletivas aos mesmos. Nenhum outro foro sobre áreas protegidas da região é tão bem organizado, tão concorrido e tão freqüente como este.

Os trabalhos apresentados nas três edições prévias do CBUC (Curitiba, Campo Grande e Fortaleza) somam milhares de páginas de centenas de autores e constituem, por si só, a maior coleção latino-americana de referências científicas e técnicas sobre unidades de conservação. Cada evento é uma cuidadosa combinação de famosos palestrantes internacionais e nacionais e de centenas de experts locais, que aportam sua vivência de campo, como cientistas ou como gerentes de áreas protegidas. Os Congressos também significam uma grande oportunidade para que os mais jovens conheçam seus futuros colegas e chefes e demonstrem seus talentos e ações. De quebra, esses encontros se transformam numa assembléia da juventude.

A iniciativa dos Congressos Brasileiros de Unidades de Conservação partiu do professor doutor Miguel Milano, diretor executivo da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, que aporta grande parte de suas doações para as unidades de conservação. Milano não só concebeu os Congressos como foi o motor central de todas as edições anteriores. Se ele não tivesse feito mais nada na vida, já mereceria ser lembrado entre os que deram grandes contribuições à causa da conservação da biodiversidade nas áreas protegidas. Ele faz muito mais, mas não caberia mencioná-lo agora.

Da tarefa de preparar os CBUCs, essencial embora não exclusivamente patrocinados pela Fundação O Boticário, participa a Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, que Milano e o Almirante Ibsen Gusmão Câmara organizaram anos atrás para contribuir com uma melhor administração e um manejo eficiente das áreas protegidas no Brasil.

Na quarta edição do Congresso, novamente em Curitiba, grandes figuras mundiais de todos os continentes trocarão opiniões e experiências com os responsáveis pelas áreas protegidas, procurando melhorar o difícil trabalho de salvar uma parte pequena porém significativa do Brasil natural para as gerações futuras. Assistir ao CBUC é um privilégio. Perder essa oportunidade é um erro. Se o leitor se interessa pela natureza, não pode deixar de comparecer a um evento como este, que fornece tantas ferramentas para passar do dito ao fato.

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