Estava atravessando a rua em Copacabana, no Rio de Janeiro, quando notei que dois pombos disputavam a chegada até a calçada comigo. Fui recuando, já naquela posição de proteção, com as mãos esticadas no ar, como se eles fossem voar a qualquer segundo em minha direção. Por quê? Não sei. Os pombos urbanos nunca voam em nossa direção. Normalmente fogem da gente. Mas sem usar as asas. Os pombos urbanos não voam mais. Agora eles correm como galinhas.
Já perceberam que raramente um ser humano está interessado em lhes amassar a cabeça. Portanto, não precisam mais bater asas quando sentem nossos passos. Economizam energia. Os que habitam os grandes centros são menos “avoados” que os de bairros residenciais. Como no centro a movimentação é intensa, se eles resolvessem voar a cada aproximação teriam um estresse que lhes mataria de enfarte – se é que pombo enfarta.
Me lembro da época em que as pessoas viajavam para Paris, Veneza ou Lisboa e não deixavam faltar no álbum uma foto com pombos espalhados pelos braços e cabeça. Naquela época, era bonito dar migalha de pão aos pombos. Eles faziam parte da decoração do cenário. Mas isso já tem muito tempo, porque já faz um tempo que a versão urbana do pombo passou a ser chamada de rato alado.
Essa ave de origem asiática, que convive há mais de 10 mil anos com o homem, ocupa hoje o quarto lugar em números de chamadas para combate a pragas da Divisão de Controle de Animais Sinantrópicos (aqueles que vivem próximos aos humanos e prejudicam-nos de alguma maneira). Só perdem para ratos, escorpiões e pulgas.
Entraram para a categoria de pragas miseráveis, sem qualquer glamour. São considerados transmissores de doenças e já perderam o título de símbolo da paz há muito tempo. Em Veneza, por exemplo, repelentes específicos e sistema de eletrificação nos monumentos e prédios evitam a aproximação da espécie.
Ao contrário do que muita gente pensa, a abundância de alimentos não é a principal causa da proliferação da ave nas cidades e seu conseqüente rebaixamento à condição de peste urbana. Segundo a bióloga Mônica Schüller, que estuda o comportamento dos pombos em São Paulo, uma espécie – animal ou vegetal – passa a ser uma praga, em um dado ecossistema, quando o número de animais que se alimentam dessa espécie diminui, permitindo sua proliferação exagerada.
“Nas cidades, esse desequilíbrio ocorre porque alguns animais conseguem se adaptar a vida urbana, mas seus predadores não. Longe de riscos, a espécie encontra condições de se reproduzir descontroladamente, tornando-se uma praga”, explica. Além de não ter sérias ameaças pairando sobre suas asas, o pombo achou nas cidades outro grande agente para sua proliferação: buracos que viabilizam a formação de ninhos aos milhares.
Como uma série de outros animais, incluindo o homem, eles constroem ninhos em qualquer canto, ou melhor, buraco. Como o que não falta nos grandes centros são buracos, os pombais se reproduzem quase que infinitamente.
De todos as pestes da cidade, a mais esperta é o rato, que anda escondido, passa por tubulações que circulam debaixo, por cima e ao lado dos que se consideram decentes. Ratos comem o lixo que o homem dispensa e prefere acreditar que evaporou. O pombo ainda não desenvolveu habilidades subterrâneas, não percebeu que para sair da mira, basta se esconder.
O homem se sai bem em qualquer canto. Produz e come lixo em cima e debaixo da terra, invade e devasta todos os campos, se mete em todos os cantos, briga por um pedaço de terra, sonha com um canto para construir seu ninho, se multiplica de forma descontrolada, destrói seus predadores (avanço de medicina), se aglomera em grandes centros porque ali é que sobram mais migalhas (dinheiro). Enfim, o homem também age como praga, faz exatamente o que fazem os pombos.
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