Colunas

Sem rodeios

As cartas, contra e a favor, sobre a proposta de boicotar novela por causa de rodeios provam que a maioria dos ambientalistas não enxerga um palmo a frente do nariz.

29 de abril de 2005 · 19 anos atrás

Por conta do que escrevi na minha coluna anterior, sobre a tentativa de ambientalistas em pegar carona na novela América e propor um boicote aos rodeios, recebi várias cartas. Os leitores realmente encrencaram com a história do rodeio e a maioria deles (dos que se pronunciaram) partiu em defesa dos bois, touros e bezerros, como se eu os tivesse atacado.

O ponto central da coluna era criticar a mania dos ambientalistas de só aparecerem para a grande massa do público levantando bandeiras pontuais, associadas a temas que estejam sendo objeto de marketing espontâneo na mídia, como é o caso da idéia de boicotar uma novela que trata de rodeios. Em geral, esse tipo de ação não leva a absolutamente nada de concreto, a não ser fazer crescer entre a maioria das pessoas uma forte rejeição a discursos de proteção e preservação do meio ambiente.

O resultado está aí. Fez-se o protesto e nada, absolutamente nada aconteceu, a não ser dar à preocupação com animais uma cara de coisa de gente chata. Coisa de gente muito bem informada e sem capacidade alguma de discernimento. É uma pena. E quem diz isso não sou eu, mas a capa da revista The Economist da semana passada. Seu editorial afirma que a inabilidade dos ambientalistas em lidar com o lado popular da política está, gradativamente, condenando o movimento à irrelevância.

Uma das cartas que recebi apontava justamente para isso. O sujeito esculhambou com os ecologistas. Insinuou que a maioria deles se coloca de forma ridícula e, portanto, não convincente. Comparou-os a quem defende os direitos humanos sem colocá-los em prática. Enfim, fez do “touro bandido” sua ponte e largou o verbo, expurgou suas indignações em relação às atitudes hipócritas (ou descabidas) dos “salvadores do planeta Terra”.

Desde sua origem, O Eco já estava atrás de leitores menos “viciados” em ambientalismo. Não queria ser um site de ambientalistas, mas de jornalismo ambiental, capaz de atrair gente que não tivesse intimidade ou afinidade com o assunto. A idéia era justamente propagar o tema para além das fronteiras habituais. Esta propagação só se torna possível quando o leitor se identifica ou se incomoda com o que lê e sente vontade ou necessidade de se manifestar. Para quem escreve a coluna, as cartas enviadas valem ouro (incluindo os esculachos).

Nos Estados Unidos, veio à tona há dois meses, num artigo intitulado A Morte do Ambientalismo, o caminho percorrido pelo ambientalismo desde o fim dos anos 60. Os autores afirmam que o movimento se afastou de suas origens contra-culturais e de massa. O ambientalista de hoje é um sujeito que opera em gabinetes, diz coisas tecnicamente incompreensíveis e prefere gastar seu tempo colocando pressão no Executivo e Legislativo para fazer mudanças de regulamentação. Em bom português, virou um lobista. Sérgio Abranches fez longa análise sobre o assunto numa de suas últimas colunas.

No Brasil, a defesa da natureza nunca foi movimento de massa. Apesar do Partido Verde, na verdade uma legenda onde se abrigam políticos de várias cores, nossos ambientalistas sempre preferiram agir fazendo pressão nos gabinetes. Parecem não ter interesse em mobilizar ninguém fora do círculo de entendidos no assunto.

A lei dos transgênicos é ótimo exemplo disso. Ficou mais de um ano na berlinda e, em nenhum momento, seus opositores conseguiram traduzir em termos mais populares do que realmente se tratava a discussão. Centraram-se num debate técnico, impenetrável para a maioria dos humanos, e foram para o embate nos corredores do Congresso. Perderam.

Esse distanciamento, como se meio ambiente fosse coisa que só os entendidos pudessem captar, é que deixa claro o oportunismo político por detrás da idéia de pegar a deixa dada por Glória Perez e pedir o boicote dos rodeios. Diante do tamanho de outras crueldades que cometemos contra animais, justificadas ou não, o movimento soa ou ingênuo ou, como insinua meu missivista, calhorda. Por que o objeto de protesto é um rodeio e não um matadouro? Talvez porque não haja mídia, o interesse precisa ser criado e o público mobilizado. Dá um trabalho danado. Melhor descer o pau na Glória Perez.

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