Sustentabilidade é um conceito chave na consciência ambiental moderna. Fala-se na sustentabilidade, por exemplo, das finanças, do manejo florestal ou do desenvolvimento, como objetivos a serem alcançados. No entanto, faltam até aqui definições mais rigorosas do que isso quer dizer, e direções para chegar ao objetivo.
A definição clássica de “desenvolvimento sustentável” é de 1987. Foi elaborada pela Comissão Brundtland, cujo relatório teve papel importante na mobilização de líderes para a conferência Eco 92. Segundo a comissão, desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de futuras gerações de satisfazer suas próprias necessidades.
A definição é concisa, mas pouco útil como guia para a ação (não sabemos, no fundo, quais serão as necessidades das futuras gerações…). Ao nível local, a exploração sustentável de recursos naturais é um conceito sedutor, mas de difícil aplicação. No agregado, em escala nacional ou global, o problema tem atraído a atenção de grandes economistas, e não é difícil entender por quê. Segundo o historiador J.R. McNeill, a população do mundo cresceu mais de quatro vezes no século XX, chegando a um total de 6 bilhões, e a produção industrial cresceu 40 vezes. Nos últimos 100 anos o uso de energia cresceu 16 vezes, o volume da pesca cresceu 35 vezes, e as emissões de dióxidos de carbono e de enxofre cresceram 10 vezes. Diante de números como esses, é natural perguntar se o nível de consumo atual é sustentável; é natural o alarme de organizações como o World Wildlife Fund, que recentemente divulgou estudo que afirma que a humanidade consome recursos naturais 20% mais rápido do que a natureza é capaz de renovar.
Por outro lado, os otimistas – entre os quais há muitos economistas – argumentam que o gasto atual (em capital físico, educação e conhecimento) é um investimento que resultará em nível de vida mais elevado no futuro. Argumentam ainda que a acumulação de capital humano (ou seja, conhecimento) e o avanço da tecnologia compensarão a diminuição de recursos naturais. Prova disso seria, segundo eles, a ausência de crises de escassez de matérias-primas, cujos preços só parecem se mover para baixo no longo prazo.
Vários economistas buscaram resolver essa contradição. O mais recente, e um dos mais ilustres, é Kenneth Arrow, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1972. Em um texto publicado no Journal of Economic Perspectives ele (e mais dez co-autores, entre economistas e ambientalistas) procura conciliar esses pontos de vista respondendo à seguinte questão: Estamos consumindo em excesso? Vale a pena tentar seguir o raciocínio, pois ele produz resultados surpreendentemente úteis.
Para responder à pergunta, é preciso em primeiro lugar estabelecer um critério de avaliação. Arrow usa dois critérios diferentes. Um deles, o da maximização do bem-estar social intertemporal, exprime uma abordagem econômica convencional. Por esse critério, a escolha entre consumo e investimento deve ter como base a comparação entre utilidade corrente e o valor presente das utilidades futuras até o infinito. Ou seja, se é melhor consumir agora ou poupar de maneira a aumentar o consumo futuro. Em outras palavras, o consumo é considerado excessivo quando sua redução (e portanto aumento do investimento) leva a um aumento das utilidades futuras. Ora, é o tipo de modelo que agrada economista—elegante, e capaz de produzir insights interessantes na medida em que se estabelecem ligações com outros modelos.
Mas a coisa fica mais interessante quando se introduz um critério de sustentabilidade. O produto é um modelo que procura estimar “investimento genuíno” e “riqueza genuína” de uma sociedade. Essa medida de riqueza inclui recursos naturais que contribuem de maneira direta ou indireta ao bem-estar da sociedade. Uma economia sustentável é aquela onde a riqueza genuína é crescente, e portanto o investimento genuíno é maior do que zero. Isso não implica na manutenção desse ou daquele recurso específico; pelo contrário, o critério de sustentabilidade pode ser satisfeito através da substituição ao longo do tempo de recursos não renováveis por outros ativos.
O conceito é elegante, mas Arrow e seus co-autores admitem que a implementação implica em desafios. Um deles é determinar quanto de um tipo de ativo é preciso para substituir outro tipo de ativo, pois determinados recursos naturais não têm substitutos. Incorporar crescimento populacional e mudança tecnológica no modelo é outro.
Ainda assim, é possível estimar taxas de crescimento de riqueza genuína para vários países do mundo. O resultado é negativo para a África ao sul do Saara e para o Oriente Médio e África do Norte, altamente positivo para a China (cujos números talvez não estejam avaliando corretamente o custo ambiental da sua industrialização) e moderadamente positivo para o resto da amostra (que não inclui nenhum país da América Latina). É um sinal de alerta para os países em desenvolvimento que vivem da exportação de recursos naturais e não têm sido capazes de transformar este capital em outras formas de riqueza (conhecimento e capital físico manufaturado). Ou seja, que destroem a riqueza que têm sem conseguir usar seus frutos para gerar nova riqueza.
Um fator de distorção que pode afetar os números de Arrow é o preço de mercado dos recursos naturais, que muitas vezes não corresponde ao seu custo social. Isto acontece por pelo menos três razões:
1 – Direitos de propriedade mal definidos ou inseguros podem estimular a exploração excessivamente rápida de recursos naturais;
2 – Falha de mercado, quando externalidades negativas não são incorporadas ao preço do bem;
3 – Subsídios governamentais podem levar a preços abaixo do custo para recursos naturais.
A primeira das três é fácil de entender. Por que preservar algo que não é seu? O caso dos subsídios também é bastante simples. Quanto à falha de mercado, é o que acontece, por exemplo, com o consumo de combustíveis fósseis, na medida em que o estrago que esse consumo causa no meio ambiente tem um custo para a sociedade que não está incorporado no preço pago pelo consumidor.
Arrow e seus co-autores sugerem que é provável que a transferência de recursos naturais dos países produtores para os países consumidores com preços que não refletem seu custo social é uma transferência de renda que subsidia os ricos. E que tende a estimular a exploração excessiva dos recursos dos países pobres.
Esses efeitos não se verificam apenas nas trocas internacionais, e são claramente aplicáveis ao caso brasileiro. A fragilidade e baixa aplicabilidade dos direitos de propriedade é um dado, especialmente nas áreas de fronteira. As falhas de mercado também são claras, desde a destruição da paisagem por empresas mineradoras até os impactos climáticos globais do desmatamento à base de queimada. E não pode haver dúvidas de que o subsídio ao óleo diesel contribui para o avanço da fronteira agrícola rumo ao interior. Essa constatação indica que os instrumentos de política pública para promover um padrão de desenvolvimento mais susutentável do que o atual existem. É deprimente pensar em toda a destruição que poderia ter sido evitada, mas ao mesmo tempo está dada uma agenda de ação robusta para o futuro.
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