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Petróleo bom é petróleo caro

As crises do petróleo provocam redução do consumo e investimento em energias alternativas. Altas controladas poderiam nos conduzir a um modelo sustentável.

5 de novembro de 2004 · 20 anos atrás

Petróleo caro é bom para o meio ambiente? A pergunta não é teórica. O petróleo é uma “commodity” muito particular, por que não tem substitutos no curto prazo. Se houvesse um problema com o suprimento global de café, por exemplo, que levasse o preço do grão às alturas, muita gente passaria a consumir chá e os mercados se ajustariam. Haveria alguma redistribuição de renda, mas a vida seguiria em frente.

Com petróleo é diferente. Como no curto prazo não há substitutos para os seus derivados (não há alternativas imediatamente disponíveis para a gasolina, o diesel e o óleo combustível), qualquer problema de oferta tende a provocar uma alta acentuada nos preços. No médio e no longo prazos as economias se adaptam. Passa a fazer sentido investir em conservação, eficiência e energias alternativas: exatamente o mesmo movimento que os governos tentam estimular através dos impostos sobre combustíveis. É razoável esperar que os ganhos de eficiência e o uso de tecnologias avançadas impliquem em impacto ambiental menor.

Os resultados do mundo real tendem a confirmar a validade desse raciocínio. Um estudo recente da Agência Internacional de Energia (AIE) — órgão criado pelos países ricos para lidar com as conseqüências da crise do petróleo na década de 70 — fala das tendências de emissão de CO2 nas ultimas décadas. O documento analisa as emissões dos países ricos nos períodos 1973-90, que compreendeu a primeira e a segunda crises do petróleo, e 1990-2001, marcado por crescentes preocupações ambientais e políticas públicas de proteção ao meio ambiente; o dióxido de carbono é o principal gás do efeito estufa e sua produção está intimamente relacionada ao nível de atividade da economia.

O estudo conclui que a redução de emissões por unidade de produto em 11 países ricos foi maior no primeiro período do que no segundo. Esse resultado não surpreende, por duas razões. Em primeiro lugar porque a primeira crise do petróleo pegou no bolso dos consumidores, sabidamente a parte mais sensível da anatomia humana. A elevação dos custos de energia levou à eliminação de muito desperdício, reduzindo-se assim a intensidade energética de muitas atividades econômicas. E em segundo lugar por uma questão de políticas energéticas. A primeira crise do petróleo estimulou governos a investir em energia nuclear e gás natural, tecnologias menos carbono-intensivas.

A natureza do ajuste ocorrido fica mais clara na análise por país e por setor. Os países membros da OCDE – os ricos do mundo – são responsáveis de longe pela maior parte das emissões de CO2, e suas emissões no agregado vêm subindo quase continuamente desde 1982. Mas a China já aparece como o segundo maior emissor do mundo, depois dos Estados Unidos. Os níveis de emissões per capita dos países ricos ainda são muito mais altos do que os dos países pobres – três vezes a média mundial – mas o crescimento populacional dos países em desenvolvimento deve continuar a pressionar para cima a sua demanda por energia.

A maioria das economias dos países membros da AIE passou por mudanças estruturais no primeiro período, reduzindo a sua intensidade energética. Mas os padrões de consumo ainda são muito diferentes nos vários países, devido a fatores como infra-estrutura de transportes, fontes de energia elétrica e mesmo clima. Países de grande extensão territorial – Estados Unidos, Austrália – produzem mais emissões nos transportes, enquanto países mais frios (como os nórdicos) emitem mais no aquecimento doméstico. O uso crescente de eletrodomésticos tem estimulado a demanda por energia elétrica, o que tende a gerar mais emissões naqueles países que usam a queima de carvão na geração.

A AIE projeta para os próximos anos a seqüência das mesmas tendências do passado recente: uso crescente de energia nos países em desenvolvimento, dificuldades geopolíticas cada vez maiores na exploração e transporte de petróleo, necessidade de investimentos maciços em infra-estrutura para trazer os recursos ao mercado. Um cenário visto por eles mesmos como insustentável, pois implicaria em crescente vulnerabilidade a interrupções de fornecimento — seja por terroristas, seja por acidentes — e em emissões crescentes de dióxido de carbono, contribuindo para o efeito estufa. A boa notícia, no entanto, é que haveria uma alternativa. Se os governos do mundo colocarem em prática medidas de economia que hoje se encontram em consideração e incentivarem a aplicação de tecnologias avançadas, será possível chegar ao ano 2030 com uma demanda global por energia 10% inferior àquela projetada para um cenário normal.

As tecnologias necessárias estão aí – energia nuclear, substituição de carvão por gás natural, e fontes renováveis. Mas a maior parte dos ganhos viria do uso de técnicas para reduzir o consumo de energia, aumentando a sua eficiência. Os técnicos da Agência acreditam que o investimento necessário para isso é equivalente àquele que seria necessário para expandir a infra-estrutura energética no cenário central. Até aqui tudo bem. O problema é que as fontes de financiamento para o cenário central existem, mas o mesmo não pode ser dito com certeza para o cenário alternativo. Finalmente, esse segundo cenário implicaria em preço de energia mais alto para o consumidor, preço que incorporaria o seu custo ambiental.

Ou seja, no final das contas o mecanismo de preço faz parte do instrumental que seria usado para colocar a economia mundial numa trajetória sustentável. A questão é saber se é possível usá-lo de forma preventiva para realizar essa transição de maneira suave e mais ou menos controlada. No curto prazo, a resposta parece ser negativa.

Fontes dos documentos:
www.iea.org
www.worldenergyoutlook.org

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