Dia 12 de outubro de 2006, a estátua do Cristo Redentor no alto do Corcovado, dentro do Parque Nacional da Floresta da Tijuca, completa 75 anos de idade. A idéia de construir um monumento a Jesus no Rio de Janeiro, entretanto, é muito anterior. Remonta a 1859, quando o padre Pedro Bos imaginou o Corcovado como um gigantesco púlpito feito pela natureza. Sua vontade de ver seu sonho transformado em realidade era tanta que chegou a persuadir a Princesa Izabel a apoiar o projeto. Com a Proclamação da República, contudo, o sonho do Padre Bos perdeu força, sendo retomado somente em 1917 pelo engenheiro Eduardo Limoeiro, ainda que com um projeto arquitetônico muito diferente do atual.
A idéia, então, passou por um processo de indecisão sobre onde localizar o monumento, havendo sido sugerido também o Pão de Açúcar. Em 1921, o Corcovado foi escolhido definitivamente. A partir de 1922, o projeto deslanchou impulsionado pelo futuro Cardeal Leme que o transformou em uma cruzada de prestígio para a Igreja Católica, então sob pressão e questionamento intenso dos movimentos tenentistas da década de 1920, de orientação anti-clerical. Seguiu-se um problema com a Procuradoria da República, que negou licença para a construção do monumento com base na Constituição vigente que determinava a separação entre o Estado e a Igreja. O impasse só foi solucionado com a intervenção pessoal do Presidente Epitácio Pessoa.
Resolvido isso, foi iniciada uma enorme campanha em 1924 para arrecadar fundos entre a população, que contribuiu com a soma de cerca de US$ 400 mil, uma fortuna para a época. A partir de 1925, Heitor da Silva Costa, engenheiro responsável pela obra, empreendeu viajens pelo mundo em visita a outros monumentos. Em paralelo, o artista plástico franco-polonês Paul Landowski começou em Paris a esculpir em tamanho natural a cabeça e as mãos do Cristo, além de fazer várias maquetes de gesso da estátua inteira.
Em 1926, iniciou-se a obra, sob a orientação de Heitor da Silva Costa, agora coadjuvado por um arquiteto judeu, Heitor Levy, dando desde o início o tom de ecumenismo que caracterizaria a estátua desde então.
Cinco anos depois, em 12 de outubro de 1931, com festividades que duraram uma semana inteira, foi entregue à população a estátua do Cristo Redentor. Pela manhã, houve cultos comemorativos: no topo do Corcovado, junto ao monumento em espaço exíguo, apenas as eminentes autoridades; ao mesmo tempo no estádio do Fluminense, nas Laranjeiras, campo amplo – e glorioso nunca é demais dizer –, uma missa campal para o grosso da população. Às quatro da tarde a estátua foi oficialmente inaugurada, sendo iluminada por um telégrafo sem fio, diretamente da Itália, pelo cientista italiano Marconi (na verdade o experimento falhou e acabou sendo substituído a contento pelo telegráfo de Jacarepaguá, mas pouca gente ficou sabendo).
Desde então, o Cristo tornou-se não só o símbolo do catolicismo, mas do Rio de Janeiro como um todo e o cartão postal mais conhecido do Brasil. Sua visibilidade e fama tornaram-se tão grandes a ponto de a estátua hoje ser uma das favoritas na eleição que se realiza ao redor do planeta para escolher as sete maravilhas do mundo moderno.
Talvez de olho nisso, o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, D. Eusébio Oscar Scheid, determinou em dezembro último a criação de um sistema de atendimento aos visitantes ao redor do monumento. Excelente idéia que, embora tardia, sempre é bem vinda. Ainda é pouco, todavia.
O monumento e os atrativos que o cercam permitiriam ao Parque e à cidade terem uma exposição ainda maior e uma renda diversas vezes superior à atual. Para ficarmos apenas na seara de D. Eusébio, cito o circuito sacro que poderia ser implantado no Parque Nacional da Floresta da Tijuca, onde o monumento está inserido.
Para citar apenas alguns templos e marcos religiosos, no seio e arredores do Parque podemos encontrar a Capela Mayrink, o Alto do Cruzeiro, a Capela do Silvestre, a Capela centenária de Nossa Senhora da Cabeça, a Igreja da Nossa Senhora da Luz, a Igreja de São Judas Tadeu no Cosme Velho, a Capela de São Conrado e a Capela profana do Parque da Cidade.
Todos esses marcos da religião e da cultura já são hoje interligados por estradas e por trilhas. No início do terceiro milênio da era cristã, não é demais sonhar com um Cristo Redentor que sirva de centro convergente para alguns circuitos da fé, a exemplo – em escala reduzida – de Santiago de Compostela.
Um trabalho sério de turismo poderia desenvolver um caminho, por trilha ou por estrada de ferro e de automóveis, que incorporasse esses e outros locais de fé. Não é necessário grande investimento. Uma boa sinalização, segurança e a dose certa de publicidade alçariam o circuito, cujo principal atrativo é o Cristo, à categoria de atração internacional.
Pelo menos seis roteiros curtos, sempre terminando no Cristo Redentor, são facilmente implantáveis, com benefícios imediatos para a indústria turística carioca. 1) Via bondinho de Santa Teresa, com visitação ao Mosteiro de Santo Antônio, à Catedral do Rio de Janeiro e à Capela do Silvestre, terminando no Cristo, após conexão com a ferrovia do Corocovado na estação Silvestre; 2) à partir do Cosme Velho, pela ferrovia, com visitação à Igreja de São Judas Tadeu; 3) de automóvel, à partir de São Conrado, com visitação à Capela de São Conrado e a igreja de Nossa Senhora da Luz; 4) a pé, desde o Alto da Boa Vista, com visitação ao Alto do Cruzeiro, onde no século XIX eram rezadas as missas para escravos, à capela Mayrink e à Igreja Nossa Senhora da Luz; e 5) por trilha, à partir do Jardim Botânico, com visitação à histórica e multi-centenária Capela de Nossa Senhora da Cabeça, 6) por trilha, à partir do Parque da Cidade, com visitação à Capela profana da antiga propriedade do Marquês de São Vicente.
Seja qual for o caminho adotado, parafraseando o poeta, a Cidade de cristãos e leigos seguirá com o maravilhoso privilégio de ser abençoada pelo Cristo Redentor de “Braços Abertos Sobre a Guanabara”…
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