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O Velho e o Novo Oeste

Nos EUA, caubóis, mineiros e lenhadores cederam lugar a ambientalistas, ecoturismo e desenvolvimento limpo. Mecanismos de mercado facilitam a transição.

9 de setembro de 2005 · 19 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Os americanos são os reis do marketing. Hollywood contou a colonização do oeste americano transformando personagens e histórias reais em caricaturas. Os filmes venderam pistoleiros invencíveis, onde a regra era assassinos baratos e arruaceiros que cometiam crimes banais. Os índios eram os selvagens sanguinários, enquanto o exército os dizimava pela civilização. Enquanto isso, os caubóis, mineiros, lenhadores e magnatas das ferrovias arrasavam a natureza em busca do lucro fácil.

No livro The not so wild, wild west: property rights on the frontier , os economistas Terry Anderson e P.J. Hill defendem que, no meio do caos aparente, havia mais método do que parecia. No Velho Oeste, vários sistemas de direito de propriedade existiam ou emergiram no processo de colonização. Eles facilitaram a administração dos recursos naturais, já que evitaram que se tornassem abertos a todos. Quando isso acontece, há uma corrida até o esgotamento dos mesmos.

Por exemplo, na bacia do rio Klamath, no Oregon, as tribos indígenas locais dividiam os direitos de pesca entre clãs, cada qual dono de uma área. No caso das minas, como as de ouro, na Califórnia, e prata, em Nevada, os direitos sobre as jazidas eram dados àqueles que provavam ter chegado lá primeiro. As fontes de água também eram alocadas assim, tanto para os mineiros quanto para os agricultores que colonizavam a região. Os criadores de gado estabeleciam direitos de propriedade sobre a terra colocando placas e publicando notas nos jornais. As associações de criadores aceitavam e garantiam esses direitos.

A mistura de direitos de propriedade bem definidos, com a possibilidade da venda dos mesmos, permitia que os produtores mais eficientes acumulassem e, portanto, gerenciassem mais riquezas. Essa mesma flexibilidade fazia que mudanças na demanda redirecionassem o uso dos recursos. Por exemplo, a expansão agrícola aumentava a necessidade de água, cujas fontes podiam ser compradas de mineiros.

Primeiro se faz o faroeste, depois vem o xerife. A chegada do governo formal reforçou a organização e a garantia dos direitos de propriedade. Desde os títulos de terra e jazidas minerais até a proteção do gado. Nesse caso, os criadores marcavam os rebanhos e recorriam ao governo para registrá-los e protegê-los de roubo.

Mas, com o tempo, o que era governo local foi mudando gradativamente para Washington, e as decisões e regulações sobre o uso dos recursos naturais se tornaram distantes, rígidas e perdulárias. Dados de 1995 mostravam que as florestas administradas pelo governo federal geravam 50 centavos de prejuízo para cada dólar gasto. Já nos estados, a administração de florestas davam 2 dólares de retorno para cada dólar gasto.

Eis que o Velho Oeste virou o Novo Oeste. Saíram de cena os caubóis e entraram negócios que dependem da beleza e saúde da exuberante natureza da região. Nessa nova fase, os mercados novamente estão sendo chamados para conciliar as demandas de diferentes grupos pelo uso dos recursos naturais. Esse processo mostra, igualmente, que as atividades tradicionais estão perdendo valor. Por isso, estão sendo substituídas por uma nova onda de desenvolvimento limpo. Desde empreendimentos imobiliários cercados de florestas, ao ecoturismo, até a simples e pura proteção da natureza financiada por associações de ambientalistas, como a Defenders of Wildlife.

Milhões de acres de terra pertencem ao governo federal americano. Esse, por sua vez, concedeu parte dessas terras para criadores de gado que as usam como pasto. Vários grupos ambientalistas querem reduzir a criação de gado e aumentar a quantidade de terras para florestas e habitat. Uma saída seria o conflito político entre os dois grupos. Outra é a saída de mercado. Ela está ocorrendo com a compra por fundos ambientais do direito de uso dos criadores, retornando a terra ao seu estado natural.

O mesmo se dá com a água. Os agricultores historicamente obtiveram do governo direito ao uso de quantidades grandes de água contidas em represas ou desviadas dos rios para irrigação. Os protetores dos salmões do oeste estão comprando esses direitos, recuperando o traçado original dos rios e destruindo barragens para que os salmões possam voltar a se reproduzir em abundância nessas águas.

No parque Yellowstone, os lobos foram recentemente reintroduzidos na fauna local. O problema é que eles atacam as ovelhas dos ranchos vizinhos ao parque. Grupos ambientais se mobilizaram para compensar os criadores, removendo uma forte barreira política ao retorno dos animais que, antes de extintos por caçadores e rancheiros, faziam parte da paisagem e do equilíbrio ecológico local. Os únicos a reclamar são, entre outros, alces, veados e búfalos, com a volta das matilhas desses implacáveis e ferozes predadores.

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