Nos acostumamos a pensar em indústrias convencionais como poluidoras e o campo como vítima ou refúgio. Ocorre que, hoje, o campo busca a intensidade e a produtividade de uma fábrica. Não é a toa que a palavra indústria é usada cada vez mais como sinônimo de ramo ou atividade. A agropecuária moderna é uma indústria. E com suas máquinas, fertilizantes, agrotóxicos e rebanhos confinados, polui cada vez mais.
O município de São Joaquim, na Califórnia, é um lugar tranqüilo, sede de uma região onde prosperam criações de gado leiteiro. Mas, nos últimos seis anos, foi o campeão em poluição do ar nos EUA, rivalizando com as metrópoles Los Angeles e Houston. Parte da situação é explicada por duas largas highways que cruzam a região. A geografia também não ajuda. São Joaquim fica num vale formado pelas montanhas da Sierra Nevada e a cordilheira da costa.
A surpresa é que, possivelmente, as 2,5 milhões de vacas locais poluem mais que os carros. Na estimativa das autoridades, cada vaca emite o equivalente a 9 kg de poluentes por ano. Os produtores retrucam dizendo que esse número não tem boa base científica. O debate ficou conhecido como fart science, ou, vamos dizer, ciência da flatulência, o que é uma injustiça com as vacas. Na realidade, elas liberam os gases metano, metanol e etanol durante parte essencial do seu processo digestivo: a ruminação da comida. Esses gases se misturam com outros poluentes formando smog, uma névoa escura e suja que estamos acostumados a ver e respirar nas grandes cidades e distritos industriais.
O caso acabou parando nas mãos de um pesquisador da Universidade da Califórnia. Ele colocou oito animais dentro de uma eco-bolha, estrutura de aparência espacial, totalmente fechada e dotada de instrumentos de medição muito precisos (veja a foto). As vacas passaram dois dias lá. Os resultados iniciais surpreenderam por mostrar que a maior parte do problema é causado durante o processo de digestão, e não pelos dejetos dos bichos. Quando as vacas eram retiradas do ambiente, as emissões se reduziam a menos da metade.
Os moradores de São Joaquim estão bastante mobilizados em torno do assunto, já que o município tem um índice de asma três vezes maior que a média nacional. Uma em cada seis crianças é vítima da doença. Eles formaram grupos como a Associação dos Residentes Irritados, cujo líder declarou: “Nossos pulmões estão sendo usados como subsídios agrícolas”.
Por outro motivo, o Brasil também precisa estar atento à questão. O metano é um dos gases causadores do efeito estufa. Apesar da sua produção mundial ser menor que o dióxido de carbono, ele é 20 vezes mais potente. O rebanho bovino nacional é de 195 milhões de cabeças, gerador de 10 milhões de toneladas de metano, no período entre 1990 e 1994. O que equivale à poluição do setor energético, segundo a Embrapa.
O caso de São Joaquim é apenas um exemplo da poluição que a agropecuária moderna pode causar. Entre os animais, não só o gado, mas grandes criações de suínos e frangos são problemáticas. Na Carolina do Norte, estado com maior produção de suínos, a cada ano se produzem 2,5 toneladas de excrementos por habitante. Na agricultura, os resíduos do uso intensivo de fertilizantes e agrotóxicos acabam contaminando o lençol freático, rios e baías. O uso de fertilizantes nos EUA cresceu 30 vezes desde 1940. Mas, medido por hectare, americanos perdem para os europeus, que usam 50% mais, e para os japoneses, que usam o dobro.
A expansão agrícola com técnicas primitivas, como a que é praticada largamente na África, acaba exaurindo o solo e levando ao desmatamento de áreas vizinhas. Já os efeitos da agricultura moderna não são sentidos pelos próprios agricultores. Eles protegem a capacidade de suas terras com o uso de fertilizantes. E repassam a conta para a sociedade na forma de mais poluição.
Pastos e plantações tomam hoje 26% das terras do mundo. Metade da quantidade acumulada de fertilizantes usados até hoje foi aplicada desde 1984. Tudo indica que a poluição gerada na agropecuária é séria, mas as soluções não virão logo. A percepção do assunto é recente e faltam estudos que mensurem com precisão o tamanho do problema. O público ainda tem uma visão romântica da atividade. E, freqüentemente, os produtores são politicamente influentes. Eles resistirão a regulações ambientais, que vão lhes custar milhões em equipamentos de controle e perda de produtividade. Também não será popular apoiar medidas que tornem a comida mais cara.
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