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Qual é a ética do consumo?

Use, abuse, deseje, mas não deixe no armário ou ocioso. Dê ou troque seus pertences encostados ou esquecidos. Eis uma maneira simples de consumir menos.

29 de setembro de 2006 · 18 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Consumimos demais? Nas minhas aulas na PUC-RJ, volta e meia um aluno levanta o assunto. Em geral, pelo ângulo de que as empresas criam as necessidades que não temos para vender seus produtos. Claro, é chutar o óbvio negar que as empresas tentam oferecer produtos que sejam desejados. Os anúncios, além de informar, são peças de persuasão. Mas penso que somos nós, consumidores insaciáveis e competitivos, que governamos o comportamento das empresas, e não o contrário.

Por isso, da última vez que um aluno abordou o argumento das necessidades criadas, me saí com essa:

– Escolhemos o que consumimos. E assim como é preciso ética nos relacionamentos, nos negócios e no trabalho, também precisamos debater qual é a ética do consumo.

Em seguida, pensei comigo. E se perguntarem que ética é essa, o que respondo? Não dá pra ficar na posição da piada sobre os economistas da universidade de Chicago. Você sabe quantos deles são necessários para trocar uma lâmpada queimada? Nenhum, afinal o livre mercado fará a troca sozinho. (em Harvard, por outro lado, são necessários dois economistas. Um para chamar o eletricista, enquanto o segundo prepara os dry martinis.)

Mas ninguém na sala fez a pergunta seguinte. Mesmo assim, passei o resto do dia pensando no assunto. Ética, palavra com origem do grego ethikos, significa “com origem no hábito”. Qual é a ética do consumo, que hábitos são saudáveis na hora de escolher o que comprar? Depois de matutar e consultar o meu oráculo favorito, e sem pretensão de chegar a respostas definitivas, cheguei a três critérios.

1 – A regra de ouro

Em economia, na área de crescimento econômico, existe o conceito da regra de ouro. Ela é uma metáfora do conceito bíblico “não faça aos outros o que não gostaria que fizessem a ti”. Em macroeconomia, isso significa que a taxa de poupança deve ser tal que maximize o consumo da atual e de todas as gerações subseqüentes. Se a geração atual consumir toda a sua renda e poupar zero, as gerações futuras serão muito pobres. Se, ao contrário, poupar perto de 100% da renda e consumir zero, a geração atual se sacrificará em relação às futuras. Existe uma taxa de poupança que maximiza o consumo ao longo do tempo e ela satisfaz a regra de ouro.

A leitura ecológica diz que o nível de consumo ideal de recursos naturais é o teto que pode ser mantido para todas as gerações através do tempo. Sem que as próximas sejam obrigadas a consumir menos que as atuais.

2 – Abaixo o consumo exibicionista

Em outras palavras, não sejamos fúteis. Evitemos o consumo exibicionista, ou conspícuo nas palavras do pioneiro no assunto, o sociólogo e economista Thorstein Veblen. Pelo menos, devemos maneirar nesse impulso, que faz parte da natureza humana. Que o digam os faraós egípcios, as monarquias européias, os reis incas e africanos e…todos nós que gostamos de um enfeite ou um brinquedo caro.

Para atingir esses dois primeiros critérios, precisamos da ajuda de políticas públicas. A meta macroeconômica de só consumir em um nível que não empobrece as gerações futuras envolve medidas de conservação pertinentes aos governos, porque muitos recursos naturais são públicos ou abertos.

O consumo conspícuo também tem uma dimensão coletiva. Se uma pessoa pára de comprar para se exibir, o que garante que as outras farão o mesmo? De outra forma, o virtuoso pode sair prejudicado. Em uma coluna antiga, escrevi sobre Robert Frank, economista americano que estuda como sanar o problema. Ele propõe taxar progressivamente o consumo (leia um interessante artigo de Frank). Se fizéssemos isso, competiríamos menos com a carteira e, em conseqüência, poderíamos trabalhar menos e passar mais tempo com os amigos.

3 – Só compre ou mantenha aquilo que você de fato usa

Bem, essa é a mais simples, porque fica na esfera individual. Significa não desperdiçar e não deixar nada ocioso. Se você for comprar alguma coisa, pense bem se vai usar. Se a resposta for sim, compre. Mas se a nova aquisição ficar encostada, dê de presente ou venda. Vale pra tudo, de CDs a roupa, de eletrônicos a equipamentos esportivos. Só não pode ficar guardado e sem uso.

Uma maneira de aplicar esse critério é fazer uma limpa nos pertences pessoais num período pré-definido. Por exemplo, a cada ano vistoriar os objetos pessoais e passar pra frente tudo aquilo que estiver à toa. Não vale o artifício paralisante “puxa, mas e se eu precisar”. O critério mais objetivo é “você usou?”. Se não, bye, bye. Aposto que assim teríamos armários e vidas mais leves. As aquisições diminuiriam também. Quem se impõe esse corte periódico ficará também mais atento na hora de comprar.

Antes de escrever essa coluna, conversei com a editora, Carolina Elia. Ela tentou derrubar a minha teoria.

– Pegurier, isso não vai funcionar com as mulheres.
– Como assim?
– Por exemplo, tenho uma amiga que tem dezenas de pares de sapato e jura que precisa de todos eles.

Pôxa, quando a gente pensa que está fazendo alguma coisa certa, as mulheres sempre aparecem com um complicador. Mas meninas, pensem bem. Mulher se veste para mulher. Essa competição tem pouco impacto sobre os homens. Podem dar as roupas em excesso, não será essa a diferença que nós vamos notar.

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