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O consenso de Copenhague

Em 2004, oito famosos economistas e um ambientalista cético se reuniram em Copenhague e rebaixaram o efeito estufa como prioridade internacional. Foram criticados. Com razão?

31 de outubro de 2006 · 18 anos atrás
  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

Em um ensaio recente sobre o efeito estufa publicado pela revista The Economist, Emma Duncan, a autora, coloca bem a grandeza do problema que temos pela frente. O acordo de Kyoto, diz ela, foi uma tentativa heróica de criar um mecanismo global para resolver um problema de longo prazo. Eis duas coisas difíceis: 1- fazer um grande número de países cooperarem e 2- tomar medidas para prevenir um problema que se tornará sério décadas à frente.

A solução do efeito estufa não passa só pelo corte de emissões nos países ricos. Embora os EUA sejam o principal emissor, em dez anos, serão ultrapassados pela China. Ela hoje já queima mais carvão que Estados Unidos, Europa e Japão juntos. Índia, Indonésia e Brasil vão dar trabalho também. O maior vilão do efeito estufa é o setor de geração de energia, soma 24,5% do total das emissões. Em segundo lugar, vem o desflorestamento com 18%. Carros e transporte são responsáveis por 13,5% das emissões.

A quantidade de CO2 na atmosfera era de 280 ppm (partes por milhão) até a Revolução Industrial. De lá para cá, subiu para 380 ppm. Os cientistas acreditam que quando cruzarmos a barreira 550 ppm o aquecimento será crítico. Mas a conta para ficar abaixo desse nível é alta. Ao longo deste século, estima-se que sejam necessários 200 bilhões de dólares por ano para manter a concentração de gases do efeito estufa em níveis toleráveis.

No meio disso tudo, um grupo de oito economistas, entre eles os prêmios Nobel Robert Fogel, Douglas North, Thomas Schelling e Vernon Smith, se reuniu em Copenhague em 2004 e concluiu que mitigar o efeito estufa não é uma das mais altas prioridades para a humanidade. Apesar do prestígio do grupo, não precisa dizer que choveu crítica de todo lado. Os ânimos ficaram ainda mais quentes porque a reunião foi organizada por Bjorn Lomborg, contundente crítico do movimento ambientalista.

O encontro foi chamado de Consenso de Copenhague e teve como ponto de partida as metas do milênio da ONU. Em 2004, o total da ajuda internacional gasto para alcançá-las foi de US$ 57 bilhões. Mas o Banco Mundial avaliou que seriam necessários outros US$ 40 a US$ 70 bilhões.

O exercício do grupo de Copenhague foi usar a análise de custo-benefício para decidir como alocar US$ 50 bilhões extras em dez categorias nevrálgicas para o mundo. Entre elas, fome, desnutrição, doenças transmissíveis, educação, saneamento e, claro, mudança climática. Foram apresentadas na reunião 32 propostas concretas para as dez categorias. Ao final, os participantes produziram um ranking das 17 propostas mais importantes. As demais foram consideradas inclusivas.

Quatro propostas foram consideradas de ótimo custo-benefício. A mais bem colocada foi a prevenção da AIDS. Gastos de US$ 27 bilhões evitariam 30 milhões de novas infecções até 2010. Em seguida, vieram políticas para reduzir a fome e a desnutrição, que receberam uma alocação de US$ 12 bilhões. Em terceiro lugar, veio a liberalização do comércio internacional, por custar pouco e acelerar o crescimento econômico. A quarta foi o controle e tratamento da malária que recebeu uma alocação de US$ 13 bilhões.

As demais 13 propostas foram classificadas como boas, razoáveis e fracas. O protocolo de Kyoto e duas outras propostas da taxar a emissão de gases do efeito estufa ficaram na rabeira desse ranking.

Foram muitos os opositores do Consenso de Copenhague. Mas a melhor crítica veio de Jeffrey Sachs, economista especializado em desenvolvimento econômico. Em síntese, ele perguntou por que falar de apenas US$ 50 bilhões. Isso é somente 0,1% da renda mundial ou 0,5% da renda dos países desenvolvidos.

Os demais críticos tentaram desautorizar o grupo de Copenhague ou denegrir os métodos usados. Tal painel não poderia ser formado só por economistas. Foram levantadas muitas das complicações ligadas à análise de custo-benefício, como informações duvidosas e cifras inferidas.

Essas colocações me escapam à compreensão. Por que a abordagem custo-benefício é ruim? Por que não chamar seus experts para fazer as contas? Afinal, é preciso escolher o que fazer com os recursos disponíveis. O que deve vir primeiro? Quanto cada programa deve receber? Para responder essas perguntas é preciso uma bela dose de utilitarismo.

Alguém acredita que será possível convencer os pobres do mundo a mobilizar-se contra o efeito estufa antes que eles tenham comida, saneamento e alguma educação? Parece uma tarefa impossível.

Para que o mundo possa focar em um problema de longo prazo é preciso resolver as emergências de boa parte da humanidade. A meu ver, a qualidade do consenso de Copenhague foi ajudar a ressaltar exatamente isso. Não conseguiremos acordo para conter o efeito estufa, se não atacarmos os problemas decorrentes da miséria antes.

Lomborg respondeu a Sachs que a cifra US$ 50 bilhões foi usada no exercício, porque é viável. É uma resposta. Mas um grupo do porte do que se reuniu em Copenhague em 2004, não deveria se comportar como contadores. Deveria, sim, jogar a peteca para cima e se desafiar a acabar com os principais gargalos para o desenvolvimento mundial sustentável. A cifra total deveria ser conseqüência e não ponto de partida. Ela deve ser próxima de US$ 300 bilhões por ano. O valor absoluto assusta, mas representa 3% do PIB dos países ricos. Não é pouco, mas é perfeitamente possível.

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