Enfim a população acordou para lutar contra a corrupção. Não, não é aqui em Pindorama, onde a bandalheira dos políticos parece estar sendo absorvida pelo populacho votante como coisa normal e aceitável, mas sim nos Estados Unidos, onde algumas das maiores ongs ambientalistas iniciam esta semana uma campanha para denunciar o crescente massacre das baleias pelo Japão, sob o disfarce furado da “caça científica”, e sua tentativa de retomar a caça comercial em larga escala com a compra de votos de países pobres e pequenos.
Não é de hoje que o Japão encarna com gáudio o papel de ladrão de recursos internacionais e estuprador dos oceanos de todo o planeta. Na história da humanidade, nenhuma outra nação foi capaz de pescar, predar e exaurir com tanta ganância e rapidez os recursos marinhos de todos os mares com exceção do Mediterrâneo. E é no Hemisfério Sul, com a sua riqueza de águas produtivas, que o massacre de peixes, lulas, mamíferos, tartarugas, albatrozes, ou seja, de tudo o que se mexe no mar, toma o maior vulto nas mãos rapineiras dos industriais japoneses de pesca. O que não é caçado diretamente para industrialização é morto e descartado como by-catch, a famigerada “captura acidental” das redes e apetrechos predatórios de pesca que fogem totalmente ao controle dos organismos internacionais.
Essa atividade predatória em vastíssima escala é bancada por um enorme esquema de suporte político e diplomático – à base de corrupção escancarada. O Japão vem comprando, literal e abertamente, os votos de pequenos países pobres para defender suas posições nos foros internacionais, que vão da Comissão Internacional da Baleia (CIB) à FAO. Não apenas um dos Diretores da poderosíssima agência de pesca japonesa, o Dr. Masayuki Komatsu, admitiu em público o uso dessa “diplomacia do Yen” , como os primeiros-ministros das ilhotas compradas também fazem questão de arrotar, para uso político interno, as vantagens de prostituir-se ao Japão em troca de uma nova planta frigorífica para pescado ou outras miçangas semelhantes.
Colecionando ilhotas, paisecos e republiquetas de banana, o Japão vem conseguindo se aproximar da maioria de votos na CIB, o que serviria para legitimar suas pretensões de não apenas continuar com a farsa criminosa da “caça científica”, mas também de retomar a matança comercial de baleias a curto prazo. Isso seria não apenas um desastre para as baleias, que estão recém se recuperando muito lentamente dos massacres genocidas que sofreram em décadas recentes, mas também para as economias costeiras de muitos países em desenvolvimento que estão começando a auferir benefícios econômicos e sociais diretos através do uso não-letal turístico das baleias, que já gera dividendos globais da ordem de um bilhão de dólares anuais em 87 países e territórios. A caça às baleias feita pelo Japão em águas internacionais deixa de ser um problema ambiental para se tornar numa verdadeira biopirataria, uma transferência de benefícios da biodiversidade de países em desenvolvimento para uma nação hiperdesenvolvida, contrário a tudo o que rezam os modernos acordos internacionais sobre diversidade biológica e seu uso sustentável e eqüitativo.
Ao se aproximar a 58ª Reunião Anual da CIB, que ocorrerá na ilhota pró-Japão de St. Kitts, em junho próximo, uma coalizão de ongs ambientalistas resolveu bater no Japão onde dói mais, ou seja, na sua pretensão de ocupar um assento no Conselho de Segurança da ONU. A pergunta é simples: pode um país riquíssimo e predador dos recursos marinhos comuns à humanidade, que corrompe países pequenos e pobres com “ajuda financeira” em troca de votos em tratados internacionais, aspirar a um posto tão importante na ONU?
A campanha, lançada esta semana nos Estados Unidos, promete chacoalhar o mensalão japonês. Para que ela surta efeito, entretanto, é preciso que haja uma mobilização verdadeiramente global. Nós brasileiros podemos fazer a nossa parte escrevendo, por um lado, à Missão Diplomática Japonesa na ONU, protestando contra a compra de votos pelo Japão na Comissão Internacional da Baleia e declarando nossa oposição à presença japonesa no Conselho de Segurança da ONU (pode escrever em Português mesmo, eles se viram pra traduzir), e ao Ministro de Relações Exteriores do Brasil, Embaixador Celso Amorim; o e-mail é do assessor de imprensa do Gabinete do Ministro, devemos pedir que ele encaminhe os e-mails ao Ministro, (já que esse não divulga seu e-mail no website do MRE) elogiando a postura pró-conservação do Brasil na CIB mas exigindo que nosso país pressione Gabão e Suriname, nossos principais parceiros comerciais comprados pelo Japão na CIB, para que parem de se opor à conservação das baleias. Ambos os paisecos recebem tratamento preferencial brasileiro, tanto diplomático quanto comercial, mas seus delegados na CIB só faltam cuspir na delegação brasileira de tão antagônicos a nossas posições. O Gabão é particularmente hostil à proposta brasileira do Santuário de Baleias do Atlântico Sul e o único país da bacia oceânica francamente contrário à mesma.
O momento é de crise e de não nos omitirmos. Francamente, estou um pouco cansado de ser saudado em reuniões de ambientalistas pelo meu trabalho de vinte e tantos anos em defesa das baleias por gente que nunca mexe um dedo pra ajudar nessa batalha, que está longe de terminar. Preferia que as pessoas parassem com os tapinhas nas costas e fizessem algo elas mesmas, e nessas horas difíceis, mobilizar esses milhares de e-mails pode fazer a diferença. Se não nos mexermos, o mensalão dos oceanos poderá ficar tão impune quanto o mensalão do Congresso… e as consequências serão sentidas não apenas pelas baleias, mas por toda a Vida dos oceanos que segue sendo assassinada pelo lucro fácil e concentrado das mega-empresas de pesca do Japão. O mensalão japonês ameaça os mares hoje e no futuro, e lutar para acabar com ele é obrigação de todos nós.
*Esse texto foi editado em 17/05/2024 para repaginação
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