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Aves, árvores e a ecologia urbana

Uma arborização mais diversa e criteriosa ajudaria a criar uma cidade mais saudável. As árvores da praça em frente a meu prédio, no Centrão de São Paulo, atraem 13 espécies de aves.

8 de agosto de 2008 · 16 anos atrás
  • Fabio Olmos

    Biólogo, doutor em zoologia, observador de aves e viajante com gosto pela relação entre ecologia, história, economia e antropologia.

Pedro Menezes é um campeão da idéia de que os parques urbanos são importantíssimos para formar uma massa crítica de opinião pública que mude a forma como a sociedade maior dita como as políticas ambientais.

Ele está absolutamente certo.

São as populações urbanas que hoje criam visões majoritárias sobre questões ambientais. Tanto reais, como a de que cremar florestas é algo errado (em vários sentidos), como bobagens completas como a de que índios, caiçaras e quilombolas vivem em um idílio social e ambiental. Coisa de quem nunca passou mais de 20 minutos numa aldeia.

Se hoje há uma grita contra queimarmos a Amazônia para abrir pastos ou se considera socialmente inaceitável matar bichos que antes eram carne corrente nos açougues, isso se deve antes à população urbana de lugares como Curitiba, São Paulo e Rio do que aos habitantes de regiões como o norte de Mato Grosso, Goiás, sul do Pará ou Rondônia, onde o povo quer mais é ver braquiária e soja a perder de vista. Uma das tragédias de nosso sistema político é o voto dos primeiros valer proporcionalmente menos do que os dos segundos.

Parques urbanos não são apenas importantes para que as massas citadinas tenham contato com a Natureza e estimular uma relação de mais amor e menos ódio com o barco e o resto da tripulação da nau terráquea. Ao contrário de marmotas que pensam que parques urbanos não têm valor ecológico, várias destas áreas têm sido consideradas importantes por abrigarem espécies raras, endêmicas e/ou ameaçadas. Por exemplo, o Parque Nacional de Brasília, embora às vezes pareça um Piscinão de Ramos do Planalto Central, é também uma área reconhecida como de importância internacional para a conservação de vários endemismos do Cerrado. Aquele bioma que estamos fazendo uma força tremenda para extinguir.

Em São Paulo, maior megametrópole e hospício do continente, o acossado Parque Estadual da Serra da Cantareira abriga um conjunto invejável de aves ameaçadas, e tem uma densidade de bugios, macucos, cotias, preguiças e jacus que humilha lugares badalados como a Juréia, vítima da gastronomia caiçara-ameríndia das populações que governos seriais insistem em manter por lá e de caçadores de fim de semana. Esta jóia é um dos mais importantes, e mais pressionados, espaços públicos de Sampa.

Enquanto São Paulo completa o julho mais seco de sua história, a falta de mais Cantareiras deve estar óbvia para aqueles que têm que agüentar o sol na cabeça e a secura saariana do ar. E aos que têm que agüentar o tranco dos problemas de saúde correlatos. A vida seria mais bela com mais verde, sombra e garoa. Logicamente isso ainda existiria se a Lei de Proteção dos Mananciais tivesse sido respeitada e tivéssemos uma cidade cercada por algo como os Green Belts de Londres  – estabelecidos com o propósito de colocar limites à ocupação urbana – do que por favelas (Leia O Barraco do Tio Thomas).

A natureza das grandes cidades vai além dos grandes parques urbanos. Também há as áreas verdes de menor porte e as árvores isoladas ou enfileiradas ao longo das vias. Árvores que, se fossem mais numerosas, mitigariam a falta de umidade que assola a metrópole, que esqueceu que elas também são questão de saúde pública, e se curvou demais aos interesses concreteiros de construtoras predatórias e arquitetos que acham lindo prédios roxos em forma de carambola.

Acho interessante ver, na cidade onde a sombra é escassa, uma Praça da Árvore sem árvores e o investimento que foi feito no plantio de espécies que oferecem pouco desta, como as palmeiras que marcaram uma gestão recente, ou que perdem as folhas exatamente na estação seca, como os ipês plantados serialmente nos últimos anos. É bizarro que no país da megadiversidade a arborização urbana em geral e paulistana em particular seja uma oligocultura de meia dúzia de espécies, a maioria de interesse limitado para a acossada fauna urbana.

Há um bom número de livros e coletâneas sobre espécies nativas, arbóreas, arbustivas e herbáceas, que são indicadas para o plantio em calçadas, praças e parques e oferecem recursos para aves e insetos como abelhas nativas e borboletas, além dos ocasionais mamíferos silvestres. Embora a base técnica seja vasta, sua aplicação é pífia, como visível na escolha das espécies plantadas nas recentes reformas das praças da República e da Sé, onde os monótonos ipês e palmeiras deram a tônica em espaços que comportariam espécies muito mais interessantes e resistentes ao meio urbano.

Uma arborização mais diversa e criteriosa ajudaria a criar uma ecologia urbana mais saudável e atraente. Considerar a vegetação dos espaços urbanos como componente estratégico da saúde urbana reforçaria iniciativas como fiações subterrâneas, eliminando tanto um dos grandes inimigos do estrato arbóreo como um dos maiores fatores de poluição visual. Incentivaria também o uso de pavimentos porosos, que absorvem parte da água das chuvas que, numa cidade cada vez mais impermeável, são arautos do caos no trânsito.

Um ambiente urbano mais arborizado também é um incentivo para uma maior apreciação da natureza e gradual mudança de uma cultura que corta árvores “porquê sujam as calçadas” enquanto não se importa de entupir bueiros com seu lixo. Dizem que humanos preferem e fabricam habitats abertos por conta de nosso passado como primatas nas savanas africanas. Há muita gente onde o lado babuíno fala mais forte e não agüenta ver uma árvore bloqueando sua vista. O resultado são tanto os pampas artificiais que se espalham pela Amazônia como inúmeras cidades sem um pingo de verde em todo o Brasil. Paradoxalmente, muitos brasileiros não fizeram a transição mental do alto das árvores, onde as cascas de banana jogadas para baixo não afetavam ninguém, para a vida no rés do chão.

Sou um daqueles que acredita na recuperação do Centro histórico de São Paulo – apesar das sucessivas administrações patinarem no processo – e tenta colaborar para isso. Quando chegou a hora de comprar um imóvel, eu e minha esposa optamos por restaurar um apartamento localizado em um prédio construído em 1938 no Largo do Paissandu, à vista tanto do Teatro Municipal como da Galeria do Rock. Além da melhor qualidade das construções antigas, temos um saguão (tombado pelo COMPRESP) revestido de mármore adornado por fósseis de amonitas e bivalves. As paredes grossas resultam em uma temperatura razoavelmente estável, dispensando o uso de ar condicionado na maior parte do tempo. Tanto como não incentivar o desperdício de material e energia associado a novas construções, tenho a satisfação de colaborar na conservação do patrimônio arquitetônico – e paleontológico – da cidade.

A localização próxima de três estações de metrô, além da estrutura local de serviços (vou a pé fazer minhas compras no Mercado Municipal) resultou na venda de meu carro por falta de uso. Se vamos a uma balada onde não há metrô, usamos táxi. Estou absolutamente tranqüilo quanto às minhas emissões de carbono, e imagino porquê alguém opta por morar em locais que demandam 3-4 horas de engarrafamento diário quando há algumas dezenas de milhares de imóveis ociosos na região central, onde o que falta é uma massa crítica de residentes. Mas, enfim, a vida é feita de opções.

Um dos aspectos mais interessantes de minha área são meus vizinhos alados. As árvores da ainda degradada praça em frente a meu prédio – que a Prefeitura há pelo menos 10 anos afirma que será reformada – atraem um total de 13 espécies de aves. Eram 15, mas faz algum tempo que não vejo o falcão-peregrino que aparecia durante o verão para caçar pombos e o tié-preto estava só de passagem.

Como seria de esperar de um ornitólogo, tenho um pequeno restaurante de aves na janela de nossa sacada-jardim, separada do escritório por uma porta de vidro. Enquanto trabalho no computador, periquitos-verdes, sabiás e sanhaços me observam enquanto beliscam as frutas que oferecemos. Quando estas acabam, sabemos porquê o bem-te-vi começa a gritar e os periquitos a tagarelar. Às vezes deixamos a janela aberta e as cambacicas vêm explorar as flores de nossos vasos.

A movimentação em nossa janela atraiu a atenção de nossos vizinhos humanos, que também passaram a alimentar a turma alada, freqüente tópico de conversação com as visitas, algumas espantadas por ver 10 ou 15 periquitos na janela olhando o que acontece na sala, e admiradas pelo fato de ser possível apreciar o canto de sabiás sem mantê-los numa gaiola.

É um tipo de convivência muito diferente daquela de quem mantém uma ave encarcerada e mais saudável para todas as partes envolvidas. Em minha janela no Centrão de São Paulo apenas reproduzo o que milhões de pessoas fazem em seus jardins em lugares como o Reino Unido e os Estados Unidos, onde bandejas com comida não apenas facilitam a vida das aves em um mundo radicalmente transformado por nós, como também fazem com que todas aquelas pessoas se sintam mais responsáveis pela vida neste planeta. No Reino Unido a Royal Society for the Protection of Birds (RSPB) tem mais de um milhão de membros (mais que os partidos políticos) que, além de cuidarem das aves em seu jardim, são uma força decisiva ao influenciar políticas agrícolas e energéticas, mantém uma impressionante rede de reservas privadas e apóiam a conservação em outros países. Nas suas origens está o prazer de observar aves na Natureza, mesmo que esta seja urbana.

Não é necessário ir a uma Amazônia ou Pantanal para sentir empatia por outra criatura que é nossa companheira de viagem. Sinto isso quando vejo a Gang dos Hulks (os 15 periquitos que freqüentam minha janela) tagarelando enquanto me observam ou quando os filhotes do ano de “meu” casal de sanhaços-coqueiro ficam por dias comendo nossas bananas enquanto criam forças para buscar território próprio.

Eu poderia ter muito mais espécies em minha área se as áreas verdes próximas fossem plantadas com maior diversidade de árvores e arbustos, e se a Guarda Metropolitana não fizesse vista grossa aos moradores de rua – problema social e ambiental – e viciados que destroem as praças minutos após serem reformadas (vejam a Praça da Sé).

Tento fazer minha parte, já que a Prefeitura paulistana tem um desempenho patético com relação às áreas verdes do Centrão (aquilo em frente à Sala São Paulo é de chorar). Um trecho da Praça do Correio, historicamente abandonado, recebeu algumas mudas de árvores de um cidadão anônimo. Gostei da idéia e plantamos algumas mudas de embaúbas (vindas de sementes depositadas em minha janela pelos sanhaços) e figueiras nativas (filhas de algumas que resistem no Parque da Luz). Nosso colega, que nunca encontramos, continua a cuidar das mudas e a fazer adições à “nossa” floresta em crescimento.

Apesar de algumas baixas graças aos mendigos, a maioria das mudas está bem e espero, no futuro, acrescentar algumas pitanguinhas e pitangões nativos, filhas de árvores da Serra do Mar. Acho que temos mudas suficientes para expandir o plantio para praças abandonadas nas proximidades, como a Alfredo Issa. Com o tempo, quem sabe, arremedos de áreas verdes cercados por cercas vandalizadas (que continuam assim) talvez se transformem em pequenos bosques com árvores que atraiam aves diferentes. E dêem uma ajudinha para melhorar a qualidade de vida de quem vive por ali.

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