“Carros elétricos, etanol e similares são remendos para o problema”, rebate o leitor Marcos Silvério, comentando a coluna da semana passada. “A solução (…) é o investimento em transporte público de qualidade (…) Os carros roubam espaço, tempo e saúde da população”. Adoraria concordar, não fosse o transporte público, com freqüência, o que o economês chama de bem inferior. Já explico.
Mas Silvério está certo ao afirmar que carros elétricos são uma solução “meia-sola”. Primeiro, porque representam pollution elsewhere (poluição gerada em outro lugar). Os elétricos zeram a poluição do cano de descarga, mas a deslocam para as usinas geradoras da energia que carrega as baterias, boa parte delas movida a óleo ou carvão. As baterias em si também são um problemão, já que o lítio tem alta e longeva toxicidade ambiental. Mas isso não anula outras vantagens do carro elétrico: silêncio; ar urbano de melhor qualidade e uma poluição que não sai por aí, sendo gerada no “varejo”, aonde quer que os donos vão. É possível tratá-la em escala, tanto no local da fonte geradora, quanto na disposição de baterias.
Se pararmos para pensar, carros são de uma ineficiência óbvia. Aquela tonelada e tal de lata fica parada a maior parte do dia. Pense quanto espaço de garagem e estacionamento é usado pelos carros. E quando o bicho anda, além de entupir as ruas, quase sempre seu espaço interno é subutilizado. Em cidades, áreas densas, o automóvel não parece fazer nenhum sentido. De fato, ele rouba tempo e espaço da população.
O problema é que a população é composta de indivíduos, e esses adoram carros. A prova mais recente é a explosão de vendas no Brasil, quando o crédito melhorou. Bem, nessa hora, entra o argumento do transporte público: as pessoas compram carros porque não têm alternativa disponível. Infelizmente, ele não é verdadeiro, porque o transporte público é um bem inferior: quando a renda das pessoas aumenta, a quantidade demandada desses bens cai. Dou um exemplo de livro de Economia. Com mais dinheiro no bolso, as pessoas compram menos batata e mais proteína animal. No nosso caso, mais renda, significa menos disposição para usar o transporte público.
Em todo o mundo é assim. Não importa que o transporte público oferecido seja de primeira qualidade. O londrino deve ter acesso a um dos melhores sistemas públicos do mundo. No entanto, o trânsito no centro de Londres estava tão ruim que a cidade passou a cobrar um pedágio para dirigir nessa área. Seattle (Estados Unidos) é outro lugar em que o governo investiu em transporte de massa com poucos resultados. Mesmo o admirável sistema de trens da Europa Ocidental, é dependente de pesados subsídios. E essa regra parece ser generalizada: subsídios só adiam o abandono do transporte público. Será que existe algum país rico no mundo onde o número de carros per capita está caindo?
A maneira de racionalizar o uso dos carros e evitar que ganhem de goleada do transporte de massa, é penalizar as externalidades que geram. As principais são: emissões; trânsito (conte aí a dificuldade de estacionamento); e barulho. Acrescentaria na lista uma quarta categoria, mais sutil: a competição por status, que, muitas vezes leva a compra de carros grandes, os famigerados “utilitários”. Tudo isso tem que ser recuperado do usuário de carro. Quer um carro maior? Paga. Quer rodar? Paga. Quer fazer barulho? Paga também. Na verdade, cobrar por essas coisas não é um imposto, mas uma devolução aos demais cidadãos dos malefícios impostos a eles pelos usuários de carros.
Mudar a natureza humana é um projeto difícil. Indivíduos gostam de mais coisas. Deixar tudo na mão de planejadores também esbarra em comportamentos individuais, materializados em projetos ideológicos e de poder. A maneira mais neutra é lembrar que a liberdade de um termina onde começa a do outro. Deveríamos abordar os problemas causados pelos automóveis dessa mesma forma. Quando o limite da qualidade de vida dos outros é ultrapassado, que venha a conta.
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