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Marina Silva tem que ser candidata

A candidata Marina Silva fez um estrago instantâneo e saudável nesta eleição presidencial, jogando na campanha duas coisas que até agora ela não tinha: assunto sério e cara limpa.

12 de agosto de 2009 · 15 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

A candidatura da ex-ministra Marina Silva é o primeiro assunto sério desta eleição presidencial. Ela não resolve as dúvidas sobre o próximo governo. Mas desarruma imediatamente uma campanha que, arrumada como está, só serve para levar o país ao ridículo.

Sem Marina Silva, os governadores José Serra e Aécio Neves poderiam atuar indefinidamente como se disputassem uma vaga nos suplementos dominicais que cobrem com mais conhecimento de causa problemas íntimos de relacionamento ou crises vocacionais. Alguém sabe qual foi a última notícia sobre a plataforma de Aécio Neves, por exemplo? Foi sobre a prancha de surfe que ele acaba de adquirir.

Cara limpa

Com a senadora no páreo, a ministra Dilma Rousseff provavelmente mudará de estilo, o que levaria todo mundo nesta história a ser mais sério. Marina Silva, de cara limpa, torna a maquiagem de Dilma Rousseff mais artificial que seu currículo, onde seus graus de mestranda, doutoranda e candidata à presidência da República saíram todos da mesma usina palciana de factóides, que oficializou a técnica marqueteira do “se colar, colou”.

A senadora, ao contrário, tem um currículo que só fez encolher nos cinco anos e meio que ela passou no ministério do Meio Ambiente, trabalhando com um presidente que considera toda conversa de Meio Ambiente uma grande besteira – e como de besteira ninguém entende mais do que ele, sua política ambiental começa e acaba na mais vulgar conversa fiada.

Sob inspiração do chefe e guia iluminado, o resto da equipe aprendeu a tratar o ministério do Meio Ambiente com amigável indiferença ou, no caso da ministra Dilma Rousseff, com franca hostilidade. Marina Silva errou bastante, e não foi só por ficar no cargo mais tempo do que deveria. Ela apostou demais em reservas extrativistas e assentamentos sustentáveis, que fariam sentido na Agricultura ou ou em qualquer programa social do governo. Mas, não no ministério do Meio Ambiente, onde promoveram a troca do essencial pelo acessório e condenaram os parques nacionais à penúria.

Na equipe de Lula, ela acabou se prestando ao papel de disfarçar os consideráveis danos ambientais cometidos soberanamente aqui dentro para uma opinião pública internacional que, lá fora, continuou ouvindo até o fim que Marina Silva era “a mulher que pode salvar a Amazônia” – como publicou no ano passado, pouco antes de sua demissão, o jornal inglês The Guardian. Nesse papel, ele serviu à leviandade ambiental do governo como disfarce e escudo.

Direito de escolha

Marina Silva recuou muitas vezes, vezes demais, perdendo internamente embates decisivos, sobretudo com a ministra das Minas e Energia e, depois, da Casa Civil. Ou seja, Dilma Rousseff, que finalmente está sendo desafiada a enfrentá-la a céu aberto, como adversária explícita.

Apesar de seus equívocos políticos e administrativos, a senadora entrou no governo Lula e saiu do outro sem deixar de ser o que sempre foi. Atravessou todas as encruzilhadas e armadilhas do caminho em linha reta. E esse é um trunfo cada vez mais raro na órbita do presidente, que geralmente desmoraliza indiferentemente vencedores e vencidos que cruzam sua trajetória de sucesso estritamente pessoal. 

Contra o currículo falsificado de Dilma Rousseff, o que Marina Silva tem de inigualável é a biografia. E sua biografia tem tudo a ganhar agora com a candidatura presidencial, exceto – como tudo indica – a presidência da República. Concorrendo, ela repararia o prejuízo que causou a si mesma, domesticando as ongs ambientalistas através de contratos para prestar serviços ao ministério. Oficializando-as, silenciou-as. E caladas elas assistiram à sua queda, na hora em que a ministra se demitiu.

Quem está no governo sempre acha que a vida continua a mesma. Mas, com sua campanha nas ruas, Marina Silva daria às ongs aliadas uma oportunidade para sair dos gabinetes, aprendendo o caminho de volta aos protestos e à oposição. Ou melhor, abjurando o governismo que ultimamente as amordaça e imobiliza. 

Mostraria de quebra que, de onde menos se espera – o Senado, reduzido na era Lula a uma inutilidade perdulária – ainda pode sair uma supresa limpa e inatacável. E isso, nas circunstâncias, por si só despolui um pouco a democracia brasileira. Provaria além do mais que, mesmo com 80% de aprovação, um governo pode ter outro lado sim, e que este outro lado pode estar lá dentro.

Sobretudo, ofereceria aos brasileiros uma chance que parecia perdida de antemão para ouvirem pela primeira vez em eleição nacional candidatos discutindo, mas discutindo mesmo, queiram ou não, uma política para o país de meio ambiente – porque sem política de meio ambiente não há mais governo no mundo que tire um povo do atraso, da corrupção e da miséria mais aboluta, a que vem da perda dos requisitos básicos de qualquer existência.

Em resumo: Marina Silva é o que faltava nesta eleição para o Brasil escolher outro presidente. Seja quem for esse outro presidente.

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