O tema da compensação ambiental tem sidomuito abordado aqui em O Eco. Permito-me fazê-lo mais uma vez, embora corra o risco de ser enfadonho e repetitivo. Justifica-se a volta ao tema, uma vez que, recentemente, foi lançada uma excelente obra sobre a matéria. Refiro-me ao livro Licenciamento e Compensação Ambiental (São Paulo, Atlas, 2009) escrito pela Professora Erika Bechara. Trata-se da adaptação de uma tese de doutoramento apresentada a PUC/SP.
Contudo, diferentemente de boa parte das teses doutorais, o trabalho não é hermético nem abstrato. A autora, com maestria, enfrentou os principais temas envolvidos na questão e o fez de forma extremamente feliz. A autora não se furtou, nem se omitiu diante de questões complexas, apresentou sempre o seu ponto de vista e, frequentemente, saiu do lugar comum tão normal em temas jurídicos ambientais.
Distante da visão apocalíptica que permeia parcela significativa das letras jusambientalistas, soube situar o tema na complexa encruzilhada que marca a interseção entre proteção da diversidade biológica e desenvolvimento econômico. No contexto, merece destaque a afirmação: “muitas vezes, inclusive, tem-se que a não realização do empreendimento, sim, é que gerará grandes perdas e prejuízos à coletividade” (pg. 77).
A professora Erika parte do pressuposto que a compensação ambiental é uma reparação de danos futuros que é imposta como ônus ao empreendedor e, a partir e tal concepção, desenvolve toda uma linha de raciocínio capaz de justificar a existência da compensação como uma das componentes do procedimento de licenciamento ambiental. Ainda que, pessoalmente, eu guarde distância de tal entendimento, é evidente que a construção é inteligente e muito bem justificada. Na verdade, se há uma lacuna na obra, esta diz respeito ao inequívoco caráter de financiamento do estado que a compensação vem assumindo cada vez mais fortemente.
Não seria absurdo se considerar que, embora com uma aparência intervencionista, a compensação ambiental acaba se vestindo como uma caracterísitca ultra liberal, haja vista que a tendência atual é de, inclusive, negar o caráter público das verbas arrecadas sob tal rubríca. A esse respeito, recomenda-se a leitura de recente Acórdão proferido pelo Triobunal de Contas da União (Acórdão 2650/2009 – Plenário. Processo 021.971/2007-0) que espelha Relatório de Auditoria operacional realizado no Instituto Chico Mendes, cujo Relator foi o Sr. Ministro WALTON ALENCAR RODRIGUES.
Permito-me a transcrição de trecho do relevante Acórdão:
“A exata compreensão da natureza jurídica da compensação ambiental, criada pelo art. 36 da Lei nº. 9.985/2000, impõe maiores considerações, além das já expostas no relatório.
Não há consenso, na doutrina, a respeito da matéria, divergindo os diversos autores quanto à natureza tributária, indenizatória, reparatória ou de preço público dessa parcela, a maioria opinando pela sua inconstitucionalidade, até o julgamento proferido pelo STF, no âmbito da Adin 3378, que, apesar de considerar constitucional a compensação ambiental, não deixou clara a sua natureza.
As questões postas pela auditoria podem ser confrontadas com o texto legal sem que, para a apreciação do mérito destes autos, seja necessário decisão definitiva quanto à natureza dessa obrigação.
Para melhor compreensão do tema, transcrevo na íntegra o referido artigo: (…)
A leitura atenta da norma basta para verificar que a lei não criou qualquer prestação pecuniária compulsória, decorrente ou não da prática de ato ilícito, nem impôs ao empreendedor a obrigação de pagar ou recolher qualquer quantia aos cofres dos órgãos de licenciamento ambiental ou das chamadas unidades de conservação.
Na verdade, a lei criou uma única obrigação, obrigação de fazer, apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação. Nesse mister, o empreendedor irá mobilizar seus recursos, financeiros ou não, e os empregará (destinará) para implantar e manter unidades de conservação.
Não há previsão legal para a exação de qualquer quantia a título de compensação ambiental. Não há previsão para a cobrança de qualquer contribuição financeira, tributária ou não, que tenha por finalidade o ingresso de recursos no erário, recursos a serem geridos e aplicados pelos órgãos públicos nas finalidades previstas na lei.
Não há, na lei, previsão alguma para que o órgão de licenciamento ambiental promova a cobrança, arrecadação, gerenciamento ou aplicação de qualquer valor ou contribuição financeira por parte do empreendedor, a título de compensação ambiental. A obrigação decorrente da compensação ambiental, embora mensurável economicamente, não envolve o recolhimento de recursos ao erário ou a qualquer fundo a ser gerido pelos responsáveis pelas unidades de conservação.
O dever de promover a compensação ambiental, o dever de custear a criação e a manutenção de unidades de conservação, cabe ao empreendedor, nos termos da lei, pois é ele quem desenvolverá a atividade econômica que produzirá impactos não mitigáveis no meio ambiente. Cabe ao empreendedor mais do que prover recursos financeiros. Cabe a ele apoiar efetivamente a implantação e manutenção de unidades de conservação, destinando a isso recursos próprios, mensuráveis economicamente, até o limite previsto em lei. Vale dizer, cabe a ele agir diretamente para implantar e/ou manter tais unidades, sem que seja necessária a promoção de ingresso de recursos em cofres públicos.
A obrigação de fazer, prevista em lei, não pode ser reduzida à obrigação de pagar valor para que órgãos de licenciamento ambiental ou outras entidades venham cumprir as obrigações do empreendedor de implantar e manter unidades de conservação. Ao contrário, cabe ao empreendedor destinar esses recursos, empregá-los, mas não lhe é facultado repassá-los a órgão estatal para que este decida como empregá-los. A obrigação legal deve ser cumprida diretamente pelo empreendedor, destinatário da lei, sem a necessidade de promover qualquer ingresso de recursos nos cofres públicos.
Ao órgão de licenciamento ambiental, a lei é bem clara, cabe apenas definir o montante a ser empregado pelo empreendedor nessa finalidade e as unidades de conservação que serão beneficiadas, melhor dizer, apoiadas, pelas atividades custeadas pelos recursos privados.
Em suma, não há, na lei a previsão de cobrança ou arrecadação de qualquer prestação pecuniária a título de compensação ambiental e, por essa razão, não é adequado tratar os chamados “recursos da compensação ambiental” como se fossem valores que pudessem ser geridos pelos órgãos estatais responsáveis pelas unidades de conservação. (…)
Descabido, portanto, falar em recursos da compensação ambiental indevidamente geridos por entidades privadas. A irregularidade que verifico nos autos é outra, diametralmente oposta, que é o indevido recolhimento de valores a título de compensação ambiental e sua aplicação pelos órgãos públicos, inclusive com o repasse desses supostos “recursos da compensação ambiental” a órgãos de outros entes federativos. Ocorre, no caso, a assunção de obrigações do empreendedor pelos órgãos públicos, que passam não só a gerir recursos irregularmente arrecadados como, também, isentam o empreendedor de efetivamente executar suas obrigações.(…)
Pelas mesmas razões, entendo prudente recomendar seja estudada a extinção do chamado Fundo de Compensações Ambientais, fundo de investimentos criado pela Caixa Econômica Federal, porquanto sua criação e operação – sem previsão legal – derivam diretamente do equivocado entendimento de que cabem aos empreendedores o mero pagamento de uma contribuição financeira que seria gerida e aplicada pelos órgão públicos nas finalidades previstas na lei. (…)
O STF, ao julgar parcialmente procedente a ação direta de inconstitucionalidade, afastando a fixação de um percentual mínimo para a compensação ambiental, deixou assente que compete ao órgão licenciador fixar o montante da compensação de forma proporcional ao impacto ambiental apurado, sendo dispensável sua fixação na forma de percentual dos custos do empreendimento.
Essa decisão, porém, não produziu efeitos em razão da oposição de embargos declaratórios ainda pendentes de julgamento, o que torna prematura a proposta de ajustar as normas atinentes à compensação ambiental ao teor do referido decisum.
Importa, porém, a tese acolhida de que o valor da compensação deve ser apurado não em relação ao custo do empreendimento, mas sim em relação ao impacto ambiental por ele causado.
Ocorre que o Decreto nº 6.848/2009 introduziu metodologia de cálculo da compensação ambiental absolutamente destoante da orientação afirmada pela Corte Suprema, na medida em que o valor da compensação ambiental continua a ser calculada na forma de um percentual incidente sobre os investimentos necessários à implantação do empreendimento, devendo esse percentual ser fixado de acordo com o grau de impacto ambiental apurado no EIA/RIMA.
Ante a inovação da disciplina normativa, cujo teor não foi examinado pela equipe de auditoria, e ante a indefinição quanto ao julgamento da Adin 3378-6, considero não ser adequado o encaminhamento das recomendações propostas pela unidade técnica que envolvam a aferição da compensação.”
A autora do livro ora examinado assim analisou a questão dos percentuais de compensação: “Com a declaração de inconstitucionalidade do critério da apuração da compensação ambiental, pelo STF, a discussão sobre a base de cálculo perdeu razão de ser. Ou, pelo menos, deveria ter perdido”.(pg. 245).
Entretanto, o governo federal fixou em 0,5% o percentual de investimento a ser considerado como teto para o cálculo da compensação ambiental reavivando norma declarada inconstitucional pelo STF. Embora dotada de natureza eminentemente prática e capaz de dar um norte para os custos, fato é que a decisão do STF afastou a incidência de um percentual máximo que fosse de conhecimento prévio do investidor. No particular, com as devidas vênias, a decisão do STF é mais um complicador para questão já tão complexa. Na prática, tem havido muita divergência entre os órgãos estaduais para a fixação dos valores de compensação.
Um outro problema bastante intrincado deriva do fato de que grande parte dos EIA/RIMAs que são apresentados aos órgãos ambientais não apresentam cálculo do percentual de compensação ambiental, tomando-se por base os impactos não mitigáveis ou recuperáveis. Surge daí uma circunstância bastante nova que é o impacto ambiental por presunção, sem que se saiba efetivamente sobre o que se fala.
Na prática, criou-se uma sociedade no empreendimento de 0,5% para o meio ambiente. O próprio TCU, ao negar o caráter público dos recursos da compensação ambiental, na minha opinião, criou uma situação híbrida e cujas consequencias são imprevisíveis, pois os gandes projetos implicam em compensações ambientais com valores muito elevados que passam a ser aplicados sem os controles necessários. Fato que me soa contraditório com as próprias atribuições da Corte de Contas. Contudo, diga-se em favor do TCU que a redação da Lei do SNUC, no particular, é péssima, por pouco clara e capaz de suscitar ambiguidades, como as aqui denunciadas.
Recomendo fortemente aos que se interessarem pelo tema a leitura de Licenciamento e Compensação Ambiental da Professora Erika Bechara que, seguramente, é a obra mais completa sobre o tema.
Leia também
Entrando no Clima#41 – COP29: O jogo só acaba quando termina
A 29ª Conferência do Clima chegou ao seu último dia, sem vislumbres de que ela vai, de fato, acabar. →
Supremo garante a proteção de manguezais no país todo
Decisão do STF proíbe criação de camarão em manguezais, ecossistemas de rica biodiversidade, berçários de variadas espécies e que estocam grandes quantidades de carbono →
A Floresta vista da favela
Turismo de base comunitária nas favelas do Guararapes e Cerro-Corá, no Rio de Janeiro, mostra a relação direta dos moradores com a Floresta da Tijuca →
Acho esse livro da professora, acima citado, a obra que melhor norteia a criação de COMPENSAÇÃO AMBIENTAL,pois traz uma luz sobre a importância de tal prática.
Muito interessante,é uma pena que por mais que as leis existam,com punição etc,não são compridas. Porém,o dia que não tiver mais árvores para derrubar,por exemplo,eu quero ver quem os destruidores vão subornar.