Desta vez, a candidata Marina Silva acertou em cheio. Sob pena de acabar antes da largada, uma campanha presidencial não pode engolir em silêncio as mudanças do Código Florestal que, para não dizer mais nada, estão entregues ao deputado Aldo Rebelo. O relator nunca tratou de meio ambiente. E já avisou que considera o código “impraticável”.
Políticos em fim de mandato não deveriam, em princípio, meter a mão no futuro do país como se aquilo já fosse deles. Mas é o que está acontecendo com freqüência alarmante. O presidente Lula faz questão de legar a hidrelétrica de Belo Monte ao sucessor, seja ou não sua candidata Dilma Rousseff, a única partidária dessa aventura na selva, montada à custa de muita incompetência técnica, golpes autoritários e malversação de dinheiro público.
“Políticos em fim de mandato não deveriam, em princípio, meter a mão no futuro do país como se aquilo já fosse deles. Mas é o que está acontecendo com freqüência alarmante. “ |
E o governo ainda acaba de baixar um decreto, o 07.154, autorizando estudos para o aproveitamento energético das unidades de conservação, mesmo se a lei proíbe. Lula está levando seu apagar das luzes ao pé da letra.
Com essas e outras medidas, os brasileiros vão marcando, sem saber, encontros com o passado na próxima década. Seu único consolo é que pelo menos as aparências, nesse caso, não mentem. O deputado Aldo Rabelo e a candidata Dilma Rousseff têm cara de antigamente. São o passado em pessoa. Se não estivessem tão bem arranjados na vida pública, dariam candidatos fortes ao elenco de qualquer novela de época sobre o drama histórico do desenvolvimentismo brasileiro.
Na dúvida, releia-se Monteiro Lobato, o escritor que, olhando o Brasil de cima, pela janela de um avião, enxergou cá embaixo um “deserto de homens e idéias”. Está bem na hora, porque Monteiro Lobato acaba de voltar à terra a tempo de animar a campanha.
Ele reencarnou no livro Conferências, Artigos e Crônicas, a reedição de uma antologia póstuma, publicada originalmente há mais de meio século. O tempo lhe fez bem. Tirou-lhe a contundência com que Monteiro Lobato entrava de sola nos grandes problemas nacionais. E, por anacrônico, o livro tornou engraçados até os piores disparates do grande escritor. “Os assuntos são infinitos, mas quando a gente chega na hora de agarrar um não é fácil”, ele confessou em sua última entrevista, dois dias antes de morrer.
Ele dava mesmo palpite sobre qualquer assunto. Via no petróleo o elixir curativo da civilização. Achava que mais cedo ou mais tarde o mundo chegaria, através de uma baldeação no Império Americano, ao Comunismo Universal. Previu que a moda de Machado de Assis seria efêmera, por se tratar de um autor que não enxergava um palmo além “dos pequeninos dramas pessoais” dos “mestiços neurastênicos do litoral” – como diria Euclydes da Cunha que, por sinal, Monteiro Lobato, com toda a razão, considerava o maior escritor brasileiro.
Não tinha meia medida. Em 1941, Monteiro Lobato saiu do cinema “estarrecido”, depois de assistir à estréia de Fantasia, o desenho animado musical de Walt Disney, como “uma nova Criação Cósmica assinada pela mais alta expressão do gênio humano”. Em questões raciais, ele nunca passou da cozinha do sítio do Pica-Pau Amarelo. Chegou a escrever que um negro da África do Sul “assemelha-se, intelectual e moralmente, mais a um gorila do que, naturalmente, a um holandês ou a um italiano”.
Dizia coisas que hoje nem Lula seria capaz de dizer. Por exemplo: “O que está faltando ao mundo para o restabelecimento da paz é apenas isto: bombas atômicas para todos, de igual força”. O presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad não imagina o que perdeu conhecendo o Brasil depois de Monteiro Lobato.
“O livro mostra um escritor desancando o Brasil como um país empobrecido pelo vício histórico do desenvolvimento predatório, baseado na “caça à fertilidade nativa da terra virgem” |
Mas, num ponto, o livro mostra um escritor novinho em folha. É o que aparece no capítulo “A nossa doença”, desancando o Brasil como um país empobrecido pelo vício histórico do desenvolvimento predatório, baseado na “caça à fertilidade nativa da terra virgem”. A agricultura nacional avançava “como um caçador de azoto que, de machado ao ombro e isqueiro na mão caminha devorando matas”.
Por isso, cada surto de progresso durava aqui só o tempo de consumir uma fonte de recursos naturais. E seguia em frente, largando para trás pobreza e sucata. “Brotam da terra cidades. Rompem vilas. Abrem-se fazendas. Constroem-se vias férreas. Direis: o país enriqueceu: entraram para a economia tantos prédios, tantas pontes, tantos núcleos urbanos, tantos quilômetros de estrada; isso representa criação de riqueza, é capital acumulado pelo trabalho; é progresso econômico”.
Ledo engano, como explica o ex-fazendeiro Monteiro Lobato na linhas seguintes: “Essa riqueza, depois de criada, extingue-se. As cidades morrem, por prédios se desvalorizam, o casario imenso das fazendas e todas as benfeitorias; as estradas esburacam-se ao léu; as vias férreas viram desengonçado mambembe a vapor em perpétuo regime de déficits, tênias parasitárias da região”. Etc. e tal.
Algum brasileiro tem a impressão de já ter visto isso em algum lugar? Provavelmente, viu. Se não foi numa beira de rodovia, pode ter sido na revista Science, que publicou recentemente m sólido artigo, assinado por pesquisadores do Imazon, de Belém do Pará, sobre a brevidade suicida dos ciclos de crescimento econômico, que atualmente devastam a Amazônia. Lá, a distância entre o progresso e a decadância se mede geralmente em 16 anos, tempo necessário para a liquidação de toda a madeira comercializável nos municípios pioneiros.
Em matéria ambiental, Monteiro Lobato continua perfeitamente dentro do prazo de validade, porque o Brasil continua na década de 1940.
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